Nova Série
|
|
|
|
Coisas da res
pública |
|
Neste ano das
comemorações do primeiro centenário da República Portuguesa,
naturalmente há muito acontecimento cultural a registar acerca da
revolução ocorrida a 5 de Outubro de 1910. Destina-se esta
nota a mencionar alguns em que estou mais directa e profundamente
implicada. |
1. Rancho da Carqueja e Bando da Carqueja |
Está já nas livrarias o Dicionário
Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, dirigido por José Eduardo Franco, José Augusto Mourão e Cristina
Costa Gomes (Lisboa, Gradiva, 2010). Bastante informação, se bem que alguma desatualizada, por
força de a obra, de grande fôlego, com participação de uma centena de
autores, ter levado uma década a cumprir-se, encontra-se no TriploV, em:
http://www.triplov.com/secretaria/dicionario_ordens/index.htm
Nesta monumental obra,
que reúne sob a mesma lombada a igreja católica, uma igreja protestante,
ordens profissionais, esotéricas e maçónicas, assinei a entrada
relativa à Carbonária, que muito gostaria de passar a ver designada com
o seu nome completo, Maçonaria Florestal Carbonária. Este é o seu nome
corrente no Brasil e noutros países da América Latina. Só em
Portugal a Maçonaria Florestal parece uma lenda impossível de referir
fora dos textos esotéricos. E assim a Carbonária fica prisioneira da
política de implantação da República e dos cerca de vinte anos que
rodeiam o facto histórico: desde o Ultimato até 1915, mais ou menos.
Tem sido minha tarefa demonstrar que a
Maçonaria Florestal Carbonária é muito mais antiga do que isso, e já bem
depois de entregue o meu verbete para o Dicionário Histórico das Ordens
pude
provar que, com o nome Carbonária
Portuguesa, existiram pelo menos duas instituições, a que já
se sabe, criada por Luz de Almeida, e envolvida na implantação da
República, e uma outra, da qual publiquei o
Ritual, mandado imprimir sessenta anos antes do 5 de
Outubro de 1910, pela Alta Venda da Carbonária Portuguesa. Sobre esse Ritual fiz uma conferência na
Reitoria da Universidade do Porto, publicada no TriploV,
em:
http://www.triplov.com/estela_guedes/2009/Ciencia_e_esoterismo/index.html
O Ritual propriamente dito, oferecido há
dois ou três anos pelo B.'.Pr.'. Giuseppe Garibaldi, ou Walmir Battu, ao
tempo Sereníssimo Grão-Mestre da Ordem instalada no Brasil, está publicado também no TriploV, em:
http://www.triplov.org/Venda_das_Raparigas/RR_Carb_port/index.htm
A minha entrada no Dicionário também está
publicada no TriploV, sob o nome simbólico de Stella Carbono, em:
http://www.triplov.com/Venda_das_Raparigas/Stella-Carbono/Carbonaria/Carbonarias.htm
Acerca desse trabalho sobre a Maçonaria
Florestal Carbonária recebi uma correcção de Luisa
Maria Silva, historiadora de arte no Gabinete para o Centro Histórico da
Câmara Municipal de Coimbra, segundo a qual, ao contrário do que afirmo,
"os Divodignos e o Bando da Carqueja foram grupos distintos, e não o
mesmo, tendo mesmo as suas sedes em locais diferentes da Alta de
Coimbra. Os Divodignos tiveram a sua sede na R. do Loureiro nº 13 e o
Bando da Carqueja estava situado no Beco da Carqueja, a cerca de 500 m
do anterior. O Bando da Carqueja andou por Coimbra por volta de 1720-21
e os Divodignos por volta de 1828.
São bastantes as diferenças entre estes
dois grupos, mas por agora não me vou alongar com este assunto (caso não
confiem na minha palavra poderão consultar o livro “A Academia de
Coimbra 1537-1990”, de Alberto Sousa Lamy.".
Agradeço a correcção, e remeto o
esclarecimento do assunto para investigadores vindouros. Não me
pertence a mim a fusão das duas carbonárias, ela vem já do passado, se
de facto o delito de fusão existe.
O meu conhecimento
documentado de agremiações de perfil carbonário, em Portugal, remonta ao
último quartel do século XVIII, com a ação desenvolvida pelos
naturalistas na Universidade Reformada, naturalistas que depois levaram
para o Brasil o conhecimento decorrente da sua iniciação. Mencione-se
Domingos Vandelli, em Portugal, e, no Brasil, iniciador do imperador D.
Pedro numa ordem de cariz carbonário, José Bonifácio Andrada e Silva. A
data adiantada por Luísa Maria Silva, 1720-21, para a actividade do
Bando da Carqueja, em Coimbra, é demasiado remota para mim. E mais uma discordância
entre as nossas fontes vem do facto de eu referir um Rancho da Carqueja,
activo por volta de 1820, ao passo que a fonte de Luísa Maria Silva fala
de um Bando da Carqueja, a atuar cem anos antes. Não parece tratar-se da
mesma loja.
O assunto merece investigação, meta
ombros a ele quem estiver disponível, e no lugar certo. Eu não tenho
acesso a arquivos nesta altura, vivo no campo. Se Luísa Maria Silva quiser
avançar, no TriploV tem a porta aberta para publicação do seu trabalho. |
|
PEDRO FOYOS
Jardim República
Ficção fantástica inspirada no
culto da árvore durante a Primeira República
A obscura guerra contra os
"idólatras dos deuses vegetais"
ILUSTRAÇÕES
Isabel Lobinho .
Armando Cardoso
Lisboa, Hespéria,
2010 |
|
2. Não haveria República sem o povo da floresta |
Pedro Foyos é um homem da floresta, se
assim me posso exprimir: ele tem costela de naturalista, adquirida no
Jardim Botânico de Lisboa, cenário onde decorre a ação do seu romance
anterior, sobre a agressão de jovens estudantes a colegas, nas escolas,
Botânica das lágrimas. A presente obra, Jardim República,
em dois textos distintos, uma novela e um ensaio, ambos acompanhados por
um corpo de imagens, retoma esse cenário para nos apresentar a revolução
das plantas, o seu combate nas fileiras dos implantadores do novo
regime. Porém o livro é um híbrido mais interessante e complexo que uma
história com sabor a juvenil, pois inclui trabalho de pesquisa
histórica, ensaio de muito valor não só para os estudos da República
como de História das ciências: "A obscura guerra contra os idólatras
dos deuses vegetais".
Complexa a história porque envolve, entre
outras técnicas, situar, ao
lado das personagens vegetais, as pessoas físicas, como é o meu caso.
Realmente, o autor cita-me e louva o meu saber de carbonárias, o que
agradeço, mas agradeço muito mais a circunstância de, na página 24, ver
escrito, em todas as suas letras, o que entra pelos olhos dentro de toda
a gente, perante a guerra entre a Igreja e os promotores do Dia da
Árvore: esses idólatras que tratam as árvores como divindades só podem
ser os maçons florestais carbonários. E então temos, na página 24, a
presidir a uma choça bem carbonária, o dragoeiro. Dragoeiro Rei, que
será Presidente da República, tal como o Jardin du Roi, em
França, mudou o nome para Jardin des Plantes, depois da Revolução
Francesa, porque, é fácil ver, os jardins não pertencem a reis nem a
presidentes, os jardins são das plantas.
Transcrevamos:
O Supremo Conselho da Coça é
presidido por Rei Draco.
(Uma norma secular nos jardins botânicos portugueses estabelece
que, existindo mais do que um dragoeiro, ao mais velho será
atribuído o título de Rei. Paradoxal e paródico é o facto de este
monarca ter-se assumido sempre como "republicano de raiz";
especula-se, até, que muito antes de proclamada a República já havia
sido iniciado na Maçonaria Florestal Carbonária).
A espécie Dracaena draco, o
dragoeiro, essa estranha árvore ornamental, que aparece em certos
jardins de Lisboa, originária da Macaronésia, teve uma descrição de
Domingos Vandelli, um dos maçons deportados para os Açores na sequência
da Setembrizada, movimento destinado a decapitar a maçonaria
simpatizante dos franceses, no termo das invasões napoleónicas. Outra
acusação que lhe fizeram, sem julgamento, como a anterior, foi a de ter
introduzido em Lisboa uma praga de dragoeiros. No seu tempo de professor
de História Natural e Química, na Universidade Reformada, Vandelli
iniciou discípulos, os naturalistas, entre eles, por exemplo, José
Bonifácio de Andrada e Silva, que por sua vez iniciou D. Pedro I (D.
Pedro IV em Portugal), numa maçonaria a que cabe o nome de Maçonaria
Florestal.
Aspecto cruel do livro de Pedro Foyos,
que parece ter inclinação para assuntos muito chocantes, como o
bullying, em Botânica das lágrimas, é verificarmos a
existência de ódio contra as árvores. Existe amor por elas, mas também
existe ódio, patente nos incêndios que destroem o país todos os anos,
para nos cingirmos ao caso português. Mas esse ódio, que em Jardim da
República diz respeito à Igreja, contra os que professam a religião
das árvores, por vezes manifesta-se fora de qualquer quadro
associativo. Tenho verificado a volúpia em abater árvores pelas razões
mais frívolas, e sobretudo quando se trata de árvores majestosas e
centenárias.
Quanto a adoradores de árvores, há velhos
castanheiros conhecidos no país por a sua história se relacionar com
cultos religiosos. No TriploV figura um deles, fotografado em Vila da
Rua. Não é necessário que o culto da árvore seja praticado pela
Maçonaria Florestal, pode ser tão antigo como o gui dos druidas,
extraído dos carvalhos. Porém a Maçonaria Florestal anexou à sua
história longínqua os cultos florestais de povos antigos como os celtas,
por isso não devemos ter medo da expressão «Maçonaria Florestal». No
caso do culto da árvore durante a Primeira República, em que tanto a
Igreja arremessa pedras aos maçons, é claríssimo que esses maçons
pertencem à Maçonaria Florestal.
A obra de Pedro Foyos resulta de trabalho
de investigação meticuloso, ele consultou muitas fontes, apresenta
questões bem interessantes para o estudo das gralhas no texto
científico, e estou a lembrar-me do que publiquei no TriploV sobre
Gonçalo Sampaio e Fernando Frade. Infelizmente, essa minha tarefa ficou
pelo meio, e na verdade não me compete a mim esclarecer a razão dos
erros colossais (gralhas em sentido simbólico, aludindo às aves)
patentes em textos publicados, citados e recitados durante séculos por
todos os cientistas que estudam os mesmos assuntos. Compete-lhes a eles,
ao menos, gritar para o público: O que é isto?! Mas não, a ciência comum
parece cobarde, agacha-se e faz de conta que não viu os monstros.
Ora o ensaio de Pedro Foyos fornece, para
além das expectativas de autor e leitor sobre uma obra de arte
simultaneamente científica, a de trazer a lume uma razão possível para
tanta gralha em textos de botânicos que publicaram e trabalharam nas
cercanias da implantação da República: eles estavam a fazer a guerra com
as suas armas próprias.
Finalizando esta apreciação de proveitosa
leitura, é bom mencionar que o livro é muito belo também, pelo discurso
florestal e pelas ilustrações de Isabel Lobinho e Armando Cardoso. |
3. Filo-café "Res pública e res
privada" |
Realiza-se a 9 de Outubro de 2010,
pelas 21h30, no Clube Literário do Porto, um filo-café subordinado
ao tema «Res pública e res privada». Se puder estarei presente em
mais esta tertúlia tutelada por Alberto A. Miranda, e coordenada
localmente por Carlos Alberto Silva, mas, na eventualidade de estar
a fazer as malas para partir para o Brasil, já enviei participação,
o poema "Árvores da res pública", do livro que atualmente escrevo, só sobre árvores,
intitulado Arboreto.
Para mais informações sobre este acontecimento, consulte-se o blogue
Filo-Cafés, em:
http://filo-cafes.blogspot.com/2010/09/res-publica-res-privada.html |
|
COSTA PIMENTA
O relato secreto da implantação
da república feito pelos maçons e carbonários
Lisboa, Guerra e
Paz Editores, 2010 |
|
4. Sublime Grândola, a Carbonária do 25 de Abril |
Um livro de referência, porque traz ao
conhecimento de todos nós um acervo de documentos maçónicos, até agora
mantidos secretos na maior parte, sobre a implantação da república em
Portugal é o organizado, prefaciado e comentado por Costa Pimenta, com o
título de O relato secreto da implantação da república feito pelos
maçons e carbonários (Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2010). Decerto
se tornará obra de consulta obrigatória no futuro. De mais importante, e
chocante (para mim) no que toca à Carbonária - só a Carbonária da
República está em causa, não se menciona a Maçonaria Florestal - é a
asserção, sem quaisquer rodeios, de que essa Carbonária foi o braço
armado da maçonaria na criação do exército que assegurou a mudança de
regime.
Mencionando o nº 9, p. 49, do Bulletin
du Centre de Documentation du Grand Orient de France, acerca das
lutas profanas exploradas pela Carbonária, lemos:
A conclusão apresentada no dito
Bulletin é a seguinte:
O carbonarismo foi mais popular
que a Maçonaria, no sentido em que a arraia miúda ignorante a ele
teve acesso, mas ao passo que esta última permanecia uma espécie da
aristocracia do saber e da pureza, e continuava a sua obra, a
Carbonária morria.
Tal conclusão, porém, não é de
levar a sério. Na verdade, qualquer pessoa pode organizar hoje a sua
carbonária, assim como — nas palavras de Machado Santos, com itálico
nosso — Luz de Almeida fundou «a sua carbonária» (MS:16). Já depois
da Revolução do 25 de Abril de 1974, para «defesa da própria
democracia representativa», foi organizada uma nova Carbonária,
denominada «Sublime Grândola».
|
|
Maria Estela Guedes
(1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov
Membro da Associação Portuguesa de Escritores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.
LIVROS
“Herberto Helder,
Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979; “SO2” .
Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler
Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”,
Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial
Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa,
1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria
Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À
Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de
Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu
Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários :
Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em
colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora,
1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”.
Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas
Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis
Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007;
“Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na
Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”.
Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Géisers”. Bembibre, Ed.
Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas
modernos portugueses”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.
ALGUNS COLECTIVOS
"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de
Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom
homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte.
“O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual.
Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”.
Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.
Entrada sobre a Carbonária (Maçonaria Florestal) no Dicionário
Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, 2010.
TEATRO
Multimedia “O
Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação
Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação
de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de
Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de
Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando
Alvarez e interpretação de Maria Vieira. |
|
|