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Maria Estela Guedes
Olha, Jorge Maximino…

Não é a primeira vez que o afirmo, Jorge: os poetas constituem o grupo de artistas culturalmente mais activo no nosso país, e isso a despeito de, no país, só acontecimentos como os que eles mesmos desencadeiam os darem a ler e a ouvir. Um exemplo: eu, e provavelmente tu, não? Em Portugal, só os poetas se lembram da minha existência, quando me convidam para os filo-cafés do Alberto Miranda e tertúlias da Apenas Livros, que edita poetas em livros de cordel, para a Bienal de Poesia de Silves ou para o Festival que tu organizas em Vila Nova de Foz Côa.

No entanto, no Brasil, fui editada como poeta («Tríptico a Solo», São Paulo, Escrituras, 2007) e alguns professores de Literatura da UNINOVE, também em São Paulo, adoptaram o meu «Chão de Papel» (Lisboa, Apenas Livros, 2009), como obra de estudo.

Abertura do

FESTIVAL DE POESIA
DE VILA NOVA DE FOZ CÔA

com leituras instáveis,
a bordo de um barco rabelo.

Na foto: João d'Ávila e Jorge Maximino (casaco claro)

O Festival de Poesia de Vila Nova de Foz Côa comemorou em Maio os seus 25 anos de existência, sempre pela tua mão, Jorge Maximino, o que é realmente digno de memória. Como trovadores e segréis, mochila às costas, lá subimos esses montes para do seu cume lançarmos para o Douro o olhar extasiado. Bastava a oportunidade de por instantes beber com os olhos estas águas maternais para se justificar a manutenção do Festival, ou seja, desta tradição medieval de poetas, jograis, saltimbancos e bailadeiras andarem de castelo em castelo a mostrar as suas novidades artísticas e a permutarem experiências e conhecimentos.

Recordo-me de há 25 anos ter participado no primeiro destes encontros, e de nele ter conhecido pessoalmente uma figura dramática – dramática na sua imponência e teatralidade – Natália Correia. Nessa noite, em Foz Côa, não entendi a Natália, quando desabou com toda a sua fúria sobre a inocente e adolescente organização (sobre ti, Jorge, sobre ti…), por as persianas do quarto não impedirem a entrada dos raios de luar, e por, à força de os puxar, lhe terem desabado sobre a cabeça os cortinados, mais as persianas e todo o aparato de metal ou madeira que os segurava à parede.

Talvez há 25 anos a Natália não soubesse, tal como eu só soube de mim (e dela, por reflexo) quando o médico me mandou fazer análises… Não, a Natália não sabia, se soubesse, teria as suas tóxicas hormonas tiroidianas controladas debaixo do chicote farmacêutico. O hipertiroidismo provoca alterações brutais no comportamento, manifestas por vezes em ataques de cólera, e nada disso é controlável pelo desejo de ser bem-educado…

Olha, Jorge, ouvi-te jurar que Natália, no Festival, nunca mais!, mas já deves ter compreendido que aquilo não era só teatro, ainda menos seria falta de maneiras, foi apenas um episódio bociano…

Quem, mais arrasador que a Natália Correia, poderá ter passado pelo Festival? Imagino que mais ninguém, Jorge. Mais ninguém, entre os poetas que dão a cara e tu convidaste, terá, como ela, conferido o valor de moeda de ouro à necessidade de manter este acontecimento cultural que vais organizando todos os anos.

Maria Estela Guedes (1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov

Membro da Associação Portuguesa de Escritores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.

LIVROS

“Herberto Helder, Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979;  “SO2” . Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”, Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa, 1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários : Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora, 1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”. Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007; “Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Géisers”. Bembibre, Ed. Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas modernos portugueses”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.

ALGUNS COLECTIVOS

"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte. “O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual. Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”. Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.

TEATRO

Multimedia “O Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando Alvarez  e interpretação de Maria Vieira.