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Maria Estela Guedes
Foto de Aline Daka

Poemas para Federico García Lorca

Luxo é lixo

Odiaste Nova Iorque, Federico.

Odiaste a América,

Com o seu brutal capitalismo.

Olha, meu amigo: pior que ela

Foi essa tua hedionda Espanha

Que te meteu no ânus o cano de uma espingarda

E deu ordens ao soldado para premir o gatilho.

 

Nova Iorque, Nova Iorque,

Cidade tão pulsante como a tua poesia.

 

São toneladas de luz

Sobre outras tantas de lixo

Só em plástico saído

Mesmo de restaurantes de luxo.

Meu caro Federico, nessa cidade

Que rejeita copos e pratos de vidro

Sempre numa hurry, numa hurry,

Sem tempo para mastigar

Por isso, do frango só come o peito

E outras carnes tritura, fatia, resolve em molho picante.

Honesto e franco bife não se come em parte nenhuma,

E costeleta com o osso, ainda menos.

Como cortá-la em pedaços, no prato,

Se os talheres são descartáveis, frágeis,

Para elevarem aos triliões as toneladas

Capitalistas de lixo?

Come-se de colher e garfo no metro e

Nos autocarros, meu amigo, por causa da hurry,

Sem intervalo para almoço,

A noite sempre aberta, vendendo e comprando

Vinte e quatro horas por dia.

 

Apesar disto, Federico, nada hoje verias do

Torpe racismo

Nem do estúpido horror a gays

Que sofreste no teu tempo!

E repara, Poeta: não foi a América,

Sim a tua europeia Espanha

Quem te assassinou a tiro! 

Poemas para Federico García Lorca - Index

Britiande, Fevereiro de 2010

Maria Estela Guedes. Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV. Alguns livros publicados: Herberto Helder, Poeta Obscuro; Eco/Pedras Rolantes; Crime no Museu de Philosophia Natural; Mário de Sá-Carneiro; A_maar_gato; Ofício das Trevas; À la Carbonara; Tríptico a solo; A Poesia na óptica da Óptica; Chão de Papel; Geisers. Espectáculos levados à cena: O Lagarto do Âmbar (Fundação Calouste Gulbenkian, 1987); A Boba (Teatro Experimental de Cascais, 2008).