Também eu andei pelo Harlem, Federico.
Domingo, dia de missa, na Igreja
Batista Abissínia.
O dia de chuvita rala, mal-encarado,
A interminável bicha para a entrada,
Guiada, conversada e instruída,
Sobre o que se pode e não fazer
No local sagrado.
As velhas negras sobre saltos altos,
Federico,
E eles, de sobretudo, barba aparada,
cabelo brilhante,
Sapatos bem engraxados.
E outras, mais novas, belas negras,
Os casacos, a rasar o chão,
De vison, chinchila e raposa
prateada. E eles muito envernizados
E elas de chapéu e tudo,
O dinheiro a exalar
Vapores de perfume caro,
Ganho, quem sabe?, no Diamond District,
Ali tão perto da alta finança
Por metonímia chamada Wall Street.
Lá dentro, na catedral, com dois pisos
Como um teatro, e alta piscina no altar
Onde brancos e negros mergulham
Para iniciático batismo,
Cantam gospell potentes vozes
E o Pastor anuncia a toda a gente
Quais os famosos ali presentes.
Havia embaixadores, Federico, e
políticos
Importantes, porém só retive um nome,
Rescendente a monarquias - Prince!
Como vês, nada neste capítulo se iguala
Ao que viste, se bem que continuem
A assassinar-se editores de filmes
Que ganharam prémios
E outros mil delitos maiores e menores,
Mas nada de racismo à vista,
E ódio a bichas, só se forem as tantas
Para comprar bilhete no teatro, para
arranjar
Lugar sentado no café, e para pagar a
conta,
E para entrar nos museus,
E para ver as exposições, porque,
Federico,
Agora os homossexuais até podem
casar-se, vê tu bem!
E com uma bela negra, se quisesses,
também
Ninguém se oporia…
Mas é bem verdade, meu amigo,
Restam queixas ainda
Do capitalismo
E a maior delas é esta: o outro lado do
esplendor
É a aniquilação paulatina do Planeta,
O outro lado da vida milionária
É pessoas comerem dos caixotes do lixo. |