Nos
últimos anos, tenho sido agraciada com o convite para assistir às peças
e participar nos debates do Encontro de Teatro Ibérico, que decorrem no
Teatro Garcia de Resende, em Évora. A organização pertence à Companhia
de Teatro residente, o CENDREV - dirigido por José Russo e Rosário
Gonzaga -, e também ao dramaturgo residente, Armando Nascimento Rosa.
Aproveito para lhes agradecer a
oportunidade de um contacto muito directo com actores, encenadores,
dramaturgos e outros agentes teatrais, e de apreciar um lote de peças
situadas na generalidade em bom nível e em nível superior de execução
estética.
O benefício pessoal colhido no Encontro
não se limita à actualização do meu conhecimento teatral, possibilitado
pela convivência com a gente do teatro e pela fruição das suas obras, se
bem que este aspecto seja por si só muito valioso. A minha peça “A
Boba”, levada à cena em 2008 no Teatro Experimental de Cascais, com
encenação de Carlos Avilez, nasceu do estímulo de Évora e dos filo-cafés
da Incomunidade, organizados ou desorganizados por Alberto Miranda. Foi
apresentada no Encontro de 2007, com leitura encenada por Isabel Medina,
e só não fez parte do elenco de peças levadas à cena no Encontro de
2008, no Teatro Garcia de Resende, porque Maria Vieira, a actriz que
desempenhou o papel de boba, não estava nessa altura em Portugal.
Se os Encontros estimulam e promovem,
deixam também à vista problemas muito graves, que atingem o teatro e
toda a cultura do País. Este ano, então, eles vieram à tona de maneira
lancinante. Provavelmente em Espanha a situação também será mais grave
que em anos transactos, creio porém que não atinge o ponto crítico em
que a vemos em Portugal.
Naturalmente, é da falta de meios que
falo. Há mais de dez anos, por exemplo, que o CENDREV recebe o mesmo
subsídio. Sem dinheiro, não é possível montar uma peça nem levá-la em
tournée pelo país ou para fora dele.
Diz-se que a pobreza aguça o engenho,
mas os ditados não constituem programa de política cultural. Se foram um
espanto as peças de Nelson Boggio (As questões inerentes) e Luís
Assis (Muda a tua vida), postas em cena com nada, à excepção da
capacidade de os actores (simultaneamente encenadores, dramaturgos e
tudo) cativarem a atenção do auditório com textos desafiadores e bom
desempenho, não devemos por isso tomá-las por exemplo de um teatro nu, a
realizar como projeto estético.
Évora mostra o poder criador individual,
a arte do improviso, traça pontes na Ibéria e põe os encenadores a
conversar com os dramaturgos e os actores, mas falta aos Encontros
aquilo que falta a todos os agentes culturais, em Portugal e noutras
partes do mundo: a atenção do público, da imprensa, e sobretudo do poder
político.
Infelizmente não disponho de receitas
para curar um mal demasiado crónico e profundo, que passa pelo sistema
educativo, apenas o aquilato no correr da experiência: a cultura é vista
como algo que não faz parte da vida, um luxo dispensável. Não existe a
percepção de que ela forma o indivíduo, é íntima e mesmo corpórea, para
falar em termos evolutivos. Há uma tremenda diferença entre uma pessoa
que lê livros e vai ao teatro, e aquela que passa os dias diante do
televisor, a ver jogos e outras séries de entretenimento que se fazem
passar por programas culturais. Se pensarmos nos analfabetos, nos que
nem televisão vêem, então a diferença é abissal. Ora o número daqueles
que vivem num mundo intelectualmente evoluído é muito pequeno, não pesa
estatisticamente o bastante para equilibrar a balança. Por isso somos
fracos e enfraqueceremos cada vez mais como nação, se não existir o
entendimento de que a arte e a cultura são o cérebro do homem,
precisando por isso do alimento adequado. |