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Dedico este ensaio ao Magno Urbano, |
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Cibercultura, uma cultura nova | ||
Uma das principais tendências na cultura da Internet é o estímulo à tomada de consciência individual. O discurso da Rede enuncia-se na primeira pessoa: eu, Maria Estela Guedes, sou webmaster de um portal criador e difusor de ciência e cultura com larga audiência. Por esse motivo me convidaram a falar-vos do que sei, convite que me honra e muito agradeço à organização da 8ª Bienal, e muito em especial a Floriano Martins e ao Governo do Estado do Ceará. É também pelo fato de o TriploV ser um site conceituado, sobretudo no Brasil, onde temos a maior audiência, que ouso falar-vos de assuntos que domino mal. Porém há quem os domine ainda pior: certos autores portugueses estão ausentes do TriploV porque ainda não chegaram à era informática. Alguns deles nem sequer passaram pela idade da máquina de escrever. Posto este desabafo, avancemos. Trouxe-vos dois assuntos da cibercultura, ciente de que a maior parte de vós não os conhece. Aprenderemos falando disso e experimentando em casa segundo o método da tentativa e erro, pois são muito importantes. E eis segunda tendência da cibercultura: a Internet estimula-nos a aprender, fazendo, e a experimentar sem receio do erro. O primeiro assunto é o Alexa (1), um programa de estatística que revela ao interessado qual a posição do seu site nos rankings de acessos. O segundo, ligado ao primeiro, diz respeito à Wayback Machine (2). Como o nome indica, trata-se de uma máquina do tempo, especializada em viajar para trás. |
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O Alexa diz qual o lugar da Agulha- Revista de Cultura no ranking mundial |
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A Wayback Machine, ou máquina de marcha atrás | ||
Internet Archive Wayback Machine é o nome completo de um website, gerido por uma instituição não governamental sem fins lucrativos, que suga os nossos sítios, cuspindo as imagens. Só lhe interessam os textos. Periodicamente, a máquina passa pela Agulha ou pelo TriploV e leva o sítio inteirinho. Meses depois volta a passar e torna a levar o sítio inteirinho. Não corrige o velho com o novo. Acumula versões. À soma das várias fases de desenvolvimento de um organismo damos o nome de ontogénese. Do mesmo modo, ao conjunto de versões armazenadas no Archive podemos chamar a sitiogénese da Agulha ou do TriploV. Desnecessário dizer que esta máquina se localiza nos Estados Unidos da América (Presídio, em San Francisco) e que não só ninguém nos pede autorização para chupar os sites até às tripas, como ninguém nos dá conhecimento do fato. Desnecessário igualmente dizer que, querendo reclamar, não lograremos grande sucesso. Vejamos pois a coisa no seu lado bom: esta instituição declara o objetivo de preservar a memória da cultura que existe na Internet. Nós, escritores, temos um problema, o da durabilidade do suporte da obra, e eu, pessoalmente, sofria bastante com ele, antes da descoberta do Archive: a quem deixar o TriploV, quando morresse? Quem iria pegar nele, já não digo para o manter em actualização permanente, mas para o conservar como a pequena biblioteca que é? Caros amigos, companheiros de artes e letras: a Wayback Machine, traduzindo literalmente, é uma máquina de marcha atrás. Mas bem sabemos que traduzir é trair. Na verdade, com ela fica assegurado o transporte das nossas obras para o futuro. Não nos preocupemos com o testamento, a nossa obra em linha já ganhou diversos herdeiros, o Archive é só um deles. Mais direi: a Wayback Machine é um dispositivo que garante a nossa perenidade. |
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A Wayback Machine conserva versões do TriploV desde 2001, ano em que foi criado |
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Vamos agora ao Alexa |
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“A Alexa”, diz Henrique Costa Pereira, no feminino, “é uma empresa da Amazon que funciona como um buscador da web e também permite que você tenha acesso as estatísticas de qualquer site já indexado por eles com um mínimo de 10 mil visitantes por mês geralmente. Ou seja, se seu site tem poucos visitantes, é provável que eles não tenham indexado você. A Alexa inclusive relaciona suas estatísticas com outros sites e te informa que as pessoas que te visitam também visitam o site x ou y.” (3). Em suma, se tivermos um mínimo de 10 mil visitantes por mês, o Alexa presta-nos vários tipos de informação, entre eles: - a nossa posição no ranking mundial; - a nossa posição no ranking do nosso país; - a nossa posição no ranking de cada um dos países em que o nosso site tem audiência. Por exemplo, no dia em que coligi as informações constantes no quadro “Lugar de alguns websites no ranking mundial de acessos”, Brasil, Portugal e Angola eram os três países de maior audiência do TriploV. Repito: no dia em que coligi os dados, porque eles variam muito. Podem variar milhares de pontos num mês, mas não nos assustemos: não é o nosso site que está a afundar-se ou a subir ao céu, trata-se da variação natural nesse organismo vivo que é a Internet. Pelo blog do Google ficamos a saber que nele estão registados à volta de um bilião europeu de endereços (URLs), o que equivale a um trilhão americano. No nosso quadro vamos lidar com posições sobretudo na faixa dos mil e dos milhões, o que, no máximo, significa um número seguido de seis zeros. O trilhão americano conta 12 zeros. É pois um trilhão de endereços que regista o Google, em artigo que pretende avaliar o quão grande ele é: “1 trillion (as in 1,000,000,000,000) unique URLs on the web at once!” (4). Não é um trilhão de sites, sim de endereços. A Wayback Machine lida com websites, é ela que informa quantos indexou, e já sabemos que só conta aqueles que perfazem ao menos 10.000 máquinas visitantes por mês: “Browse through 85 billion web pages archived from 1996 to a few months ago” (5). É portanto entre 85 bilhões de sites indexados que nos encontramos, querendo isto dizer que não contamos com a maior parte, constituída por websites não indexados. Neste areal de infinitas areias, onde não se esperaria poder achar uma agulha, é possível não só achar a Agulha – Revista de Cultura (6) – dirigida pelos queridos amigos Floriano Martins e Claudio Willer –, como saber qual a sua posição relativamente a publicações congéneres como a Triplov, a Storm Magazine ou a Cronópios: ela vai à frente. O Jornal de Poesia (7), de Soares Feitosa, ainda está melhor posicionado. Falo de congéneres, mas realmente estes sítios culturais pouco têm em comum, por isso é ocioso olharmos uns para os outros de cima para baixo ou de baixo para cima. O que nos liga, creio, é o facto de nenhum de nós ser um sítio estatal. Somos particulares, e, enquanto particulares e privados, é que julgo ser bem interessante estabelecer comparação com o lugar ocupado por revistas universitárias, por bibliotecas nacionais, por fundações e sociedades, sejam elas portuguesas, brasileiras ou inglesas. Fica demonstrado que vamos à frente de muitos deles, o que de um lado justifica um beberete de congratulações, e de outro um arrepio de susto: como é possível que a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro tenha menos impacto na Rede que a Agulha? Como é possível que a Biblioteca Nacional de Lisboa tenha menos impacto na Rede que o TriploV? Porque é que isto acontece? Porque é que o privado e amador recebe mais visitas que o website governamental, feito por profissionais? Meus caros amigos, penso que isso se deve ao poder do autor vivo. É ele que clica. Clicam os nossos colaboradores. Clicam os aspirantes a autor, nas universidades e noutras escolas. Clicam aqueles que nem são autores nem aspirantes a isso, mas nos reconhecem no ciberespaço, nos estimam, e se sentem felizes por poderem conversar com os autores vivos e ler o que eles acabam de pôr em linha. Clicam os nossos companheiros de artes e letras que vêm até nós oferecer o conteúdo dos seus blogues, cientes de que a união nos dá poder. É o poder do autor vivo que catapulta estes sítios para posições em que os matematicamente mais próximos não são os blogues, as publicações congéneres, as revistas e institutos universitários, sim grandes instituições como o Instituto Miguel Cervantes, a Fundação Calouste Gulbenkian, ou a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro e em Lisboa. Note-se que sítios de ciência como a Sociedade Portuguesa de Herpetologia e a BTO (British Trust for Ornithology), instituições dedicadas à zoologia que achei por bem incluir no quadro, para satisfação de Miss Pimb, colaboradora doTriploV que se dedica a observar a Natureza, vão muito longe de nós, na faixa dos milhões. Primeira conclusão: dado o impacto na Internet, os nossos sítios devem considerar-se estabelecimentos de cultura merecedores da atenção dos governos, quando lha solicitarmos. Afinal desempenhamos um papel na difusão da língua portuguesa, das literaturas e das artes dos nossos países, mais eficaz e penetrante do que o desempenhado por organismos expressamente criados pelos governos para esse efeito. Segunda conclusão: não é culturalmente revolucionário podermos prestar estas informações? O Alexa fornece dados a quem puser na sua caixa de pesquisa o endereço do website cujo potencial queira investigar. Ficou patente na minha intervenção que não há segredo quanto ao desempenho na Internet. Qualquer pessoa, gratuitamente, pode informar-se sobre o tráfego e outros dados técnicos de qualquer website. Não existe possibilidade de mentir. Última conclusão: acabou também, com a nova cultura da Rede, o princípio de que o segredo é a alma do negócio. Não, meus amigos: nós, que somos tudo menos negociantes, devemos apresentar os resultados do Alexa às grandes empresas ou às instituições do Governo, quando precisarmos de financiamento para os nossos projectos, pois esses resultados são muito mais atraentes para os patrocinadores do que as benesses envolvidas na Lei do Mecenato. |
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Lugar de alguns websites no ranking mundial |
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Nota ao quadro "Lugar de alguns websites no ranking mundial" | ||
Está errado o lugar da "Colóquio/Letras", porque é um subdomínio do website da Fundação Calouste Gulbenkian. O Alexa não dá resultados de subdomínios, só do servidor em que estão alojados. No caso, o número do lugar corresponde ao website da Fundação Calouste Gulbenkian. Há talvez um ano, certos periódicos portugueses, como o "Diário de Notícias", encontravam-se próximos, ou mesmo abaixo, do lugar do TriploV. Hoje, parecem muito à frente, mas o lugar que o Alexa lhes atribui não é o seu. Os jornais foram agora alojados em grandes portais como o Clix e o Sapo, de modo que deixámos de saber qual o seu lugar no ranking mundial. Quando o pedimos ao Alexa, o resultado diz respeito ao Sapo ou ao Clix. Com blogs que parecem estar extraordinariamente bem colocados, como o "Nós por cá", acontece o mesmo: o resultado fornecido pelo Alexa diz respeito ao servidor em que estão alojados. No caso do nós por cá, o domínio é <ig.com.br>. |
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URLS DE REFERÊNCIA | ||
(1) Alexa: http://www.alexa.com/ (2) Internet Archive Wayback Machine: http://www.archive.org/index.php (3) Henrique Costa Pereira , Estatísticas #3 - Alexaholic. O Alexa turbinado. (4) We knew the web was big... . In: http://googleblog.blogspot.com/2008/07/we-knew-web-was-big.html. (5) http://www.archive.org/web/web.php |
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Maria Estela Guedes. Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV (www.triplov.org). Alguns livros publicados: Herberto Helder, Poeta Obscuro; Eco/Pedras Rolantes; Crime no Museu de Philosophia Natural; Mário de Sá-Carneiro; A_maar_gato; Ofício das Trevas; À la Carbonara; Tríptico a solo; A Poesia na óptica da Óptica. Espectáculos levados à cena: O Lagarto do Âmbar (Fundação Calouste Gulbenkian, 1987); A Boba (Teatro Experimental de Cascais, 2008). | ||
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