Eu alguma vez contei esta história? Olha, paciência, se sim, conto outra vez, roubando-me a mim mesma as palavras. Dá-me tanta vontade de rir o que ultimamente me têm enviado para publicar no TriploV, que não resisto a contar como foi. E como a história é curta, aproveito para fazer propaganda ao projecto do Floriano Martins que, no Brasil, tem estado a publicar autores portugueses. Em Escrituras Editora (1) , veja o que já saiu. Entre o que está para sair figura uma antologia de Luiz Pacheco, na qual queremos incluir a entrevista de Guilherme Pereira no Portugal é Fixe! (2), e agora em linha no TriploV (3). Mandei um e-email ao jornalista a pedir autorização, mas ainda não obtive resposta. Se a coisa der para o torto, pronto, retiro o texto do TriploV, com muita pena, claro, porque, enfim, estas cenas dão-me gozo, põem-me bem disposta.
A entrevista foi feita no lar da Liga dos Amigos dos Hospitais, no Príncipe Real, em Lisboa. O Luiz Pacheco já lá não mora, agora está na outra banda. E antes do lar do Príncipe Real, um casarão meio decrépito, com cheiro a lar, esteve na Vila Máryah, em Palmela. Ele fala na entrevista desse hotel de cinquenta estrelas, um lar no meio de um pinhal, cheio de requintes, se calhar até com piscina, não vi mas não me admirava nada, e sem cheiro a lar.
Nessa altura andava eu às voltas com os carbonários, mais o Nuno Marques Peiriço, sem sabermos que essa espécie não estava extinta, e mal imaginando que viria - ou viríamos - a ser exemplar representativo em competente frasco etiquetado por dentro e por fora. Sem editor, socorre-nos o Luiz Pacheco, alma grande, que nos abriu as portas da Contraponto, a mais mítica das editoras portuguesas, para ali publicarmos os Carbonários: Operação Salamandra, tal-tal...
Com a edição em fase de maternidade, já a retirarmos os bebés da chocadeira, visitávamos o Luiz Pacheco no lar de Palmela, que fica numa colina, isolado, sem apoios logísticos à roda, sequer uma paragem de táxi ou de autocarro.
Aquele palácio tinha horas de saída para as visitas, como todos os lares, mas, entretidos os três a autografar e a numerar livros - "Carbonários: Operação Salamandra" está considerado na Internet como raro, quem tem o livro deve guardá-lo, daqui a anos valerá fortunas por todos os motivos bibliográficos acrescentados às três assinaturas -, não demos pela passagem das horas. Quando quisemos sair para irmos embora, a porta estava fechada, e nada de porteiro à vista ou ao ouvido.
Carregados com uma mala de livros, ali estávamos, olhando com desespero através das vidraças, já na antevisão de noite sem janta, dormida a três na camita estreita do autor da famosa obra "O libertino passeia em Braga, a idolátrica, o seu esplendor"...
Estava porém aberta a janela da térrea Vila Máryah, por isso, meu pensado, meu feito: Nuno e eu saltámos pela janela, em ar de ladrões, carregando uma pesada mala... Com esta diferença: o Nuno Peiriço, com 2,20 m de altura, está classificado como o homem mais alto de Portugal, por isso o salto, para ele, que ainda por cima era basquetebolista, foi canja.
Nanja eu. Estatelei-me no canteiro das tulipas, com a rebentada mala dos livros, esbracejante entre ondas de "Carbonários"... Noite quase rasante, o suspiro de alívio pelo susto passado, e, para cumular o milagre, ali estava um táxi à nossa espera!
|