Frei BENTO DOMINGUES, O.P.
- Em Agosto passado (01-06), tivemos, em Lisboa, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Como observou D. Rui Valério, Patriarca de Lisboa, a JMJ não representou só o encontro de jovens do mundo inteiro, mas foi essencialmente o desconfinamento espiritual da humanidade. E essa circunstância representa uma acrescida responsabilidade para não deixar esfriar a sua pujança.
Esta deve ser inserida num outro acontecimento de toda a Igreja – o Sínodo 2023-2024 – cuja primeira sessão vai ocupar todo o mês de Outubro. Dizer sínodo significa que a Igreja deve ser responsabilidade de todos e deve caminhar para a unidade na diversidade, para se realizar como comunhão, missão e participação.
Nas vésperas do início do Sínodo da Igreja católica, um conjunto de 5 cardeais ultraconservadores, ao contestarem a sua realização nos termos anunciados e preparados, pode ajudar a revelar a sua necessidade. Tentaram pressionar o Papa para responder com sim ou não quando já sabem a resposta.
O próprio Papa começa por observar que embora nem sempre pareça prudente responder diretamente às perguntas que lhe são dirigidas, até porque seria impossível responder a todas elas, neste caso considerou oportuno fazê-lo, dada a proximidade do Sínodo.
Em substância, esclarece que, se por um lado é verdade que a Revelação divina é imutável e sempre vinculante, por outro a Igreja deve ser humilde e reconhecer que nunca esgota a sua insondável riqueza e precisa de crescer na sua compreensão. Assim, as mudanças culturais e os novos desafios da história não alteram a Revelação, mas podem estimular-nos a expressar melhor certos aspectos da sua riqueza transbordante que nos oferece sempre mais[1].
Mais lúcidos do que esses 5 cardeais, foram os líderes cristãos de 20 denominações diferentes – alguns deles representando federações de igrejas – querendo, deste modo, responder à sugestão da comunidade ecuménica de Taizé de rezarem juntos pelos participantes do Sínodo, num encontro do povo de Deus. Várias das confissões cristãs, sobretudo de algumas comunidades evangélicas, estiveram em São Pedro pela primeira vez.
Refugiados, pessoas vulneráveis, freiras, jovens e participantes no Sínodo católico, abriram um rio em plena Praça de São Pedro, no Vaticano. Na enxurrada provocada pelo rio, a sua água levava desejos de paz e unidade entre toda a família humana, compromissos pelo acolhimento da diversidade, apelos a quebrar fronteiras, desejos do fim das guerras. O rio, um grande pano azul de algumas dezenas de metros, quis simbolizar a onda de cuidado pela criação e do alargamento da justiça e da paz proposto no encontro Together/Juntos.
As diferenças, além dos cerca de 70 países representados, estavam desde logo presentes no altar, além do Papa Francisco, vários líderes das principais confissões cristãs: o Patriarca ortodoxo Bartolomeu, de Constantinopla; o Arcebispo Justin Welby, primaz da Comunhão Anglicana; a estoniana Anne Burhardt, secretária-geral da Federação Luterana Mundial; Elijah Brown, da Aliança Baptista Mundial; Jong Chun Park, do Conselho Metodista Mundial; e vários hierarcas de igrejas orientais (ortodoxas, arménias, sírias, coptas…), num total de duas dezenas de líderes, incluindo o Papa[2].
No passado dia 4, dia de S. Francisco de Assis e início do Sínodo, foi publicada a Exortação Apostólica Laudate Deum (Louvai a Deus)[3] que o Papa Francisco descreveu como uma continuação da sua extraordinária Encíclica de 2015, Laudato Sí (Louvado sejas). No dizer do Papa, o novo documento é um olhar sobre o que aconteceu desde 2015 e um olhar sobre o que ainda precisa de ser feito.
Como observa Jorge Wemans, a premência da crise climática, a decadência ética dos poderosos, a fragilidade da política internacional, os incipientes avanços (ou a falência) dos acordos negociados e o desânimo instalado em relação à próxima COP28 obrigaram o Papa Francisco a escrever esta Exortação para dar alento, chamar à esperança e à responsabilidade todos os participantes da reunião que se inicia a 30 de Novembro no Dubai[4]. É mesmo de louvar este Deus que faz olhar para a Terra com outros olhos!
- No momento em que escrevo, ainda não posso medir todas as dimensões que vão ser trabalhadas e rezadas, durante todo o mês.
Uma das originalidades deste Sínodo foi a sua preparação aberta a todos com plena liberdade. Só não participou quem não quis ou andava muito distraído. Os delegados ao Sínodo têm, todos, de ler e meditar a documentação das três fases de preparação: local, diocesana e continental. Em certo sentido, o Sínodo já começou aí, o Sínodo foi sendo.
Uma outra originalidade foi o seu alargamento. Para além dos Bispos delegados, podemos contar com a inédita inclusão de leigos, mulheres e homens, com direito a voto.
Neste mesmo contexto, um outro acontecimento marcante foi a recomposição e mundialização do Colégio Cardinalício. Poder-se-á perguntar, como fez António Marujo, o que tem em comum a preocupação do arcebispo católico de Madrid (Espanha) com a crise política no seu país e a do arcebispo de Juba (Sudão do Sul), com o eventual contágio da guerra no Sudão para outros países do Nordeste de África? É que ambos foram formalmente investidos, no dia 30 de Setembro, como novos cardeais e ambos reflectem as preocupações do Papa Francisco com a intervenção social e política dos cristãos.
Para não entrar em mais pormenores estatísticos, limito-me a referir que, dos 136 purpurados que passaram a ter direito a voto num eventual conclave, os europeus já não são o maior grupo ao contrário do que aconteceu em 2013, quando Francisco foi eleito.
O arcebispo de Madrid, José Cobo Cano, comentando a realidade de um colégio mais internacional (69 países estão agora na lista de eleitores de um futuro conclave), afirmou que a visão que o Papa está a oferecer é que o mundo é global e está dizê-lo a todas as instâncias: que a Igreja esteja presente em todos os lugares e que tem uma mensagem de globalização que é a mensagem do Evangelho. O Papa, traduz essa realidade muito bem, dando voz a todas as igrejas, incluindo as mais pequenas. De facto, pela primeira vez, vários países pequenos ou com reduzido número de católicos têm hoje cardeais: são os casos do Laos, Timor-Leste, Cabo Verde, Papua-Nova Guiné ou Tonga, por exemplo[5].
- O Sínodo foi introduzido por três dias de retiro, orientado pelo conhecido dominicano, Timothy Radcliffe[6]: «Quando o Papa me pediu para pregar este retiro, senti-me muito honrado, mas também nervoso. Estou profundamente consciente das minhas limitações pessoais. Sou velho – branco – ocidental – e um homem! Não sei o que é pior! Todos estes aspectos da minha identidade limitam a minha compreensão. Por isso, peço-vos perdão pela insuficiência das minhas palavras».
O Sínodo precisa de humor até para matar o medo. Para alguns é o medo da mudança, para outros é o medo de que nada mude.
…
[1] Cf. Jorge Wemans, 7Margens, 02.10.2023
[2] Cf. António Marujo, 7Margens, 30.09.2023
[3] Já está publicada em português pema Editora Paulus e também pode ser lida através: www.vatican.va
[4] Cf. Jorge Wemans, 7Margens, 04.10.2023
[5] Cf. António Marujo, 7Margens, 29.09.2023
[6] Clara Raimundo seguiu as conferências do retiro dia-a-dia e apresenta-as também em vídeos, 7Margens, 03.10.2023
08 Outubro 2023