JONAS PULIDO VALENTE
Seguinte, por favor.
Bom dia.
Bom dia, o que posso fazer para ajudar?
Estou à procura de emprego.
Já lá vamos. Qual o seu nome, ou número de cartão de cidadão?
É mais fácil o nome, Timothy…
T-I-M…
-Othy Brescht Rothchild.
O seu nome é interessante, é português?
O meu pai é judeu e a minha mãe é alemã.
Que engraçado. Como se conheceram?
São ambos americanos.
Ahh, certo. O senhor tem cartão do cidadão?
Tenho cartão de residência.
Pode-me dar o número?
Também tenho passaporte.
Vou precisar dos dois. O que o senhor procura?
Passo a explicar. Eu tenho nacionalidade americana e alemã, mas vim morar para Portugal muito jovem. Não tenho habilitação superior, mas tenho curso e certificação profissional em joalharia. Em Portugal esse círculo é pequeno, e por motivos pelos quais não vou explicar aqui, nele não sou bem vindo.
No entanto se houver uma listagem de trabalho na minha área e eu for referido pelo Centro de Emprego não me poderão recusar, não pelo menos sem um período à experiência. E aí posso provar que sou bom no meu trabalho, e acredite, sou muito bom no meu trabalho.
Certo… Porque o senhor não volta à América?
Por vários motivos, porque ainda não tenho uma almofada financeira, nem tenho como continuar os meus cuidados de saúde lá. Ainda por mais, sou responsável por duas crianças que não falam inglês. Tenho que ficar em Portugal, em Lisboa mais particularmente, até serem maiores de idade.
Tenho aqui uma listagem de joalharia, para o GSM.
Ah, a Claudette, essa cujo adjectivo nem irei pronunciar. Tem mais vagas?
Não, por enquanto não. O senhor tem subsídio?
Acaba para o mês.
Então sugiro que procure em sites de emprego o mais que possa, talvez apareça uma oportunidade, ou junte-se a um centro de formação profissional, onde poderá dar aulas.
Ah, certo. Entretanto ponha-me como disponível para anúncios na minha área. Tome, este é o meu número de residente.
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Timothy desce a Almirante Reis. Pára na junta. Nela pode ver, na vitrine, cursos profissionais de toda a estirpe disponíveis para consulta. Decide entrar.
No caminho para a recepção ouve uma música, vinda de um piano distante. As notas, no entanto, soam-lhe cristalinas e tem a distinta impressão de que se lembra delas. Ao aproximar-se da sala, caminhando pelo corredor, repara que em cada sala parecem estar a acontecer actividades diferentes, uma turma de judo, um workshop de cozinha italiana, e na sala de onde vem a música de fundo, uma rapariga que toca piano.
Tim entra na sala, troca um olhar com a rapariga, que sorri, e encosta-se a um canto.
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Conheço essa overture lindamente.
Conhece? Não é muito costume ser reconhecida.
A minha mãe costumava tocar-ma quando eu era rapaz.
Ainda é rapaz.
Repito os anos seis a seis.
Percebe de melodia.
Sei tocar…
Pois…
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Por esta altura, Tim e a rapariga trocam sorrisos. Até que batem à porta da sala.
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Podemos?
Sim, já acabei.
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Começam a entrar miúdos, par a par, e a tirar as cadeiras dobráveis dos cantos, a dispô-las pela sala.
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Como se chama?
Como poderia chamar-me outra coisa senão Alice? Apenas Alice.
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Tim, sorri, apresennta-se.
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Nem me lembro do que vim cá fazer?
Vieste ter comigo.
E caímos os dois fora da caixa.
Pois foi.
Queres aprender a tocar aquela overture?
Ainda nem me disseste, quem a compôs?
Foi Schummann.
Certo. E sabes que mais? Vou aprender isso. Essa overture irá ter continuação.