JOÃO SANTOS FERNANDES
Reflexão sobre o histórico da Franco-Maçonaria
- Raízes do Egipto
 
 

Há inúmeras versões, teses e opiniões sobre as origens da Franco-Maçonaria, mas de todas elas escolhi para reflectirmos um texto-mensagem de um saudoso franco-maçon C. W. Leadbeather, inserida no seu livro The Hidden Life in Freemasonry, numa tradução do original publicado pelo brasileiro franco-maçon J. Gervásio de Figueiredo, no livro A Vida Oculta na Maçonaria (Editora Pensamento/São Paulo, 1959). Partilhemos então o autor que esteve há cerca de 4000 anos antes de Jesus Cristo, segundo revelaria em vida e nos seus livros, no país que se chama agora de Egipto. Oiçamos as suas palavras neste extracto:

“Os ensinamentos dos Mistérios egípcios eram mui zelosamente guardados, e só com extrema dificuldade e sob especiais condições se lhes admitia um estrangeiro. Contudo, foram admitidos alguns, como Moisés, de quem diz o relato bíblico: “foi instruído em toda a sabedoria dos egípcios”. Depois transmitiu seu conhecimento à classe sacerdotal e assim se manteve em forma mais ou menos pura até à época de David e Salomão.

Quando Salomão construiu o seu templo, ergueu-o segundo as linhas maçónicas e tornou-o um centro do simbolismo e trabalho maçônicos. Não há dúvida de que ele construíu o templo de seu nome, com o objectivo de mostrar e preservar para seu povo certo sistema de medidas, de igual sorte como as dimensões da grande pirâmide envolve muitos dados geodésicos e astronómicos. Não obteve êxito nisso, porque se havia perdido grande parte da tradição, ou talvez fosse mais exato dizer que, se bem se houvesse conservado a tradição dos ornamentos, já se desconhecia o seu significado. Até então os iniciados nos Mistérios judaicos haviam dirigido sua atenção para a Casa de Luz do Egipto; mas o rei Salomão resolveu que os pensamentos e emoções dos iniciados se focalizassem no templo que ele acabava de construir. Portanto, em vez de lhes falar da simbólica morte e ressurreição de Osíris no Egipto, inventou o relato que constitui a atual tradição maçônica, e hebraizou todo o ritual, substituindo as palavras egípcias por outras hebraicas, embora conservando, nalguns casos, o significado original.

Convém recordar que, ao agir assim, não tinha Salomão outro escopo senão o de fazer que as práticas de seu povo se correspondessem com as das nações circunvizinhas. Havia muitas tradições de Mistérios, e ainda que os israelitas houvessem levado consigo, pelo deserto do Sinai, bastante da tradição egípcia, os sírios e outros povos conservavam a tradição da descida de Tamuz ou Adônis, em vez do desmembramento de Osíris. O Irmão Ward, em seu último livro sobre este assunto, parece inclinado a defender a hipótese de que nós, maçons, devemos relativamente pouco ao Egipto e muito à Síria. Neste resumo brevíssimo da história da Maçonaria, não posso estender-me no êxame desse ponto; mas confio poder dizer algo mais sobre isso.

Foi principalmente por intermédio dos judeus que a Maçonaria chegou à Europa, conquanto tivesse havido outras infiltrações. Numa Pompílio, o segundo rei de Roma, fundador dos Colégios Romanos, estabeleceu em conexão com eles um sistema de Mistérios que derivam sua sucessão maçônica do Egipto. Mas suas cerimónias e ensinamentos foram algo modificados pela imigração dos ritos de Attis e Cybele para Roma cerca de 200 anos a.C., e também por meio de soldados regressados das campanhas de Vespasiano e Tito. Dos Colégios esta tradição mista continuou através dos comancinos e outras sociedades secretas, atravessando os perigosos tempos da Idade Média; e quando, numa época melhor, as perseguições se tornaram menos ferozes, ela veio de novo à superfície. Certos fragmentos seus foram reunidos em 1717 para formar a Grande loja de Inglaterra, e assim chegaram até aos dias actuais.

Convém, no entanto, ter em conta que não há nenhuma modalidade de Maçonaria com carácter ortodoxo. Uma tradição paralela, de fonte caldeia, deu origem à Maçonaria que opera nos demais países da Europa; e parece que os Cavaleiros Templários trouxeram outra tradição ao regressarem das cruzadas.

É interessantíssima a história da Maçonaria, mas o carácter secreto desta sociedade impede comprovar a sua verdadeira origem com documentos válidos, e disso resultam os diversos relatos confusos e contraditórios. Temos investigado e esquadrinhado muito sobre este assunto, e alguns dos resultados colhidos publicamos no livro Pequena História da Maçonaria (do mesmo autor e editora).

Deixou-se cair no esquecimento muito da antiga sabedoria, e por isso alguns dos verdadeiros segredos ficaram perdidos para a grande corporação dos Irmãos. Mas entre os Hierofantes da Grande Fraternidade Branca os verdadeiros segredos foram sempre preservados, e eles sempre compensarão as pesquisas do maçon realmente ardoroso. Nós, pertencentes às últimas sub-raças, podemos dar provas de sermos tão altruístas e capazes de ajudar o próximo como o foram os antigos, pois pode bem ser que sejamos os mesmos egos em novos corpos, mas conservando connosco a antiga atração pela forma de fé e trabalho que outrora conhecemos tão bem. Procuremos reavivar em tão diferentes condições o invencível espírito que nos distinguiu há milhares de anos. Isto implica uma tarefa muito árdua e longa, porque cada oficial maçónico tem de desempenhar perfeitamente suas funções, o que exige muita prática e exercício. Contudo, creio que muitos responderão ao chamado Mestre e se apressarão a unir-se para preparar o caminho aos que têm de servir.

Que cada Loja se torne uma Loja-modêlo, totalmente eficiente em seus trabalhos, de sorte que alguém que a visite possa impressionar-se pelo bom trabalho feito e pela força de sua atmosfera magnética, e ser assim induzido a partilhar deste vasto empreendimento. Igualmente nossos membros devem tornar-se capazes de, quando visitarem por sua vez outras Lojas, demonstrar como, do ponto de vista oculto, se devem executar as cerimónias. Acima de tudo, devem levar consigo, por todas as partes, o forte magnetismo de um centro completamente harmonioso, a potente irradiação do amor fraternal.

Para nós ainda, tanto quanto para os antigos egípcios, a Loja deve ser um ambiente santo, consagrado e reservado para a obra maçônica, e nunca utilizado para qualquer objectivo secular. Deve ter uma atmosfera própria, exatamente como a tiveram as catedrais medievais; estando saturadas da influência de séculos de devoção, devem as próprias paredes de nosso Templo irradiar força, amplitude mental e amor fraternal.”

Depois de lermos e meditarmos nestas palavras de um verdadeiro Mestre pensemos agora que temos uma Franco-Maçonaria actual de vestes e instrução apressadas, galgando graus e graus, quase tão material e secular que muitas vezes se afunda nos Infernos de Hades.

Há milhares de anos, as Sete Virtudes de um Antigo Mestre Instalado, hoje dito Venerável Mestre, entronizado ao fim de 21 anos de percurso dos seus Três Primeiros Graus, para que pudesse plasmar o Trinitário da sua Cátedra (o Bem, o Belo e o Verdadeiro), após dominar os veículos físico e astral do homem comum, praticando viagem astral, eram as seguintes:

·         Dualidade material: Firmeza e Perfeita Justiça.

·         Dualidade astral:     Gentileza e Amor Fraternal.

·         Trinitário Mental:    Tacto, Adaptabilidade e Persuasão.

 Sabendo as Sete características principais da Alma Animal (Avareza, Gula, Inveja, Ira, Luxúria, Preguiça e Soberba) e da Alma Humana (Caridade, Castidade, Diligência, Humildade, Liberalidade, Paciência e Temperança), o Timoneiro Iniciático das Antigas Escolas dos Mistérios procurava que os Seres Humanos ainda evitassem a todo o custo: o homicídio voluntário; a opressão dos desfavorecidos; a sensualidade contra as Leis da Natureza; o não pagamento do salário (tantas vezes dado em sal).

Para se chegar a um elixir da longa vida não eram precisas alquimias ou fórmulas secretas. Os Sábios gnósticos depressa compreendiam que conservar a estabilidade da glândula timo, sem que esta entrasse em decrepitude logo após a maturidade sexual, correspondia à juventude dos Iniciados Anciãos. Um desses Sábios ao receber a visita de um Ancião perguntou-lhe quem venceria entre o Bem e o Mal e se a Luz dominaria as Trevas. A resposta foi simples: as dualidades, com ou sem neutro, alimentam-se das suas partes e anulam-se quando não se manifestam.

A Escola de Alexandria depressa percebia que só as Partes podiam fazer evoluir o Todo, o Corpo, o Navio, a Nave do Templo, uma Ordem Iniciática. Jamais, no Universo, o Todo faz evoluir as Partes. Só os ditadores têm projectos e ambições pessoais.

Temos de recusar obediência e liderança aos vendilhões do Templo (expulsando-os de modo similar a Jesus Cristo) ou ignorar os falsos Timoneiros que desejam evoluir as Partes pela Ilusão do seu Mundo das Formas, o seu quimérico Todo. Platão, ao seu tempo, apenas acreditava no Mundo das Ideias para evoluir a Humanidade, irrelevando o Mundo das Formas.

É esse o Rumo do Timoneiro, ao ponto de na Antiguidade o Thymócrata (do grego, thumus+kratos) fundar um sistema de governação, a Thymocracia, onde preponderavam os ricos homens (não os endinheirados) gerando a talassocracia dos Mares e a prosperidade das classes médias, fomentando a expansão do «thymo», a estrutura irregular dos pobres povos iniciais, dando-lhes «navios» e dinheiro para novas colónias. Assim nasceu, com «thymo» de vários povos, a maior cidade do Mundo Antigo: Siracusa.

Estamos hoje num grande «Navio», sem tesouros para distribuir ou fazermos viagens onde apenas vão os seres endinheirados, sem «thymo». Esbanjam os maus Mestres Timoneiros as «moedas», sem trazerem «thymo» para as suas tripulações, pedindo cada vez mais moedas aos pobres, sem acesso às protectoras leis do mecenato, criadas para endinheirados. Quão diferente era a Thymocracia dos Mecenas de antanho desta que hoje não faz parte das Partes.

Devemos começar a construir as Novas Catedrais deste século XXI, porque os Arcanos Maiores (sendo o último o Louco) são apenas XXII. Não precisamos de mais sábios na Terra, mas sim de seres humanos que sigam o caminho do Conhecimento, despertando a Humanidade para um planeta de maior bem-estar espiritual, onde os equilibrios das dualidades aconteçam.

A escolha para as verdadeiras Iniciações, como já era prática no Antigo Egipto, era rodeada de rigorosa selectividade e preparação (conforme era ou não o primeiro Initium), dado que na Cerimónia Ritual se tocava com Varinha ou Espada em pontos do corpo humano (hoje restrito ao coração) para estimular a corrente etérica na espinha, o que o ocultistas hindus chamam ida nadi. Por isto se despoja o neófito de todos os metais (mais do que a simbologia de riqueza e igualdade) e se usou tal prática na Construção do Templo de Salomão, onde não se ouvia o ruído de qualquer machado, martelo ou instrumento de ferro. A Pedra escolhida e Bruta já vinha pronta e Polida a encaixar no Templo, com 3 Marcas, usando-se martelos de madeira.

Hoje assisto a uma selectividade por formalidades temporais e de conveniência onde parece não fazer mais sentido que o neófito tenha conexão com os dois pilares principais da Admissão: o Pater e o Inquisitio Candidati (Padrinho e Inquirição).

Talvez que as escolhas via “internet” nos obriguem a isso. Talvez o Mundo de tráfico de armas, de vícios e paixões, de negócios obscuros e obscenos nos obriguem a erguer castelos. Talvez o medo de sermos regulados por organizações subtis nos faça gerar a pérola na ostra. É urgente uma devolução de credibilidade maçónica à figura do extinto Padrinho e à Inquirição dos Valores, sob pena de não fazer sentido o Ritual que pergunta quem responde pelo Candidato na Cerimónia de Iniciação. Quem respondeu pelo Rei Salomão foi quem o ungiu: Sadoc, o Sumo-sacerdote.

Mas se este cenário já não é imaginativo, a escolha do Dia da Admissão na Franco-Maçonaria tornou-se, em muitos casos, aleatória. Lunações, Equinócios, Solstícios, Eclipses, Efemérides e Festividades Astrais estão em segundo plano. Não é em vão que há muitos anos fiquei surpreso com o desconhecimento de alguns Irmãos que será sempre em Lua Nova que ocorre, simbolicamente, a Ascensão de Cristo.

Volto de novo a citar o livro do Irmão Mestre C.W. Leadbeater: parece uma verdadeira tristeza que nas escolas se ensine hoje tão pouca coisa do verdadeiro conhecimento vital para o bem-estar e progresso da alma humana. Consome-se muito tempo e esforço em converter o educando em erudito humanista ou cientista; mas presta-se muitíssimo menos atenção em convertê-lo em homem de nobre conduta, em honrado, altruísta, leal e justo cidadão. Assim é que sobre muitos dos pontos mais importantes da vida nos deixa completamente às escuras, e é desta categoria especial de obscuridade que a Maçonaria liberta os seus candidatos. Por isso eles reconhecem simbolicamente a existência das trevas e desejam atravessá-las em busca da luz.

O livro que venho citando não é uma Vara de Moisés. A Vara de Moisés só é fabricada por Cerimonial Interior. As Cerimónias Externas dão certos poderes e abrem certas possibilidades, mas só aos que progridem a Vara aparece, em Serpente.

 
 João Santos Fernandes (Portugal). Coronel do Exército de Portugal, aposentado, casado e natural de Lisboa. Autor dos livros Portugal Iluminado (1997), Despertar do Ser (1999), ambos da extinta Editora Hugin, Cicutem Sócrates/disse a grande prostituta republicana (2009), Aníbal/ maldição do Deus de Israel (2010) e Os Cardeais de Camarate publicados pela Fronteira do Caos Editores. Desde os 25 anos teve uma carreira diversificada a nível do intelligence militar, começando por ser nomeado para a Comissão de Extinção da Ex-PIDE/DGS e LP, passando por órgãos de informações de Estados-Maiores e Quartéis-Generais, reuniões e missões a nível da NATO em Bruxelas e ex-Jugoslávia. Publicamente destacou-se a sua investigação no assassinato do General Humberto Delgado, a participação num dos inquéritos da Assembleia da República sobre o Caso Camarate, bem como nos contributos à Universidade Aberta em Congressos sobre África, com relevo para os temas A PIDE/DGS e a Guerra Colonial e Os Massacres de Williamo, integrados nos Livros de Actas dos Congressos publicados em 2001 e 2002 pela Editorial Notícias. É membro de Comunidades, Sociedades e Ordens Iniciáticas de raiz cristã, nacionais e estrangeiras, tendo sido expulso de duas, a GLRP e GPIL, não pactuando com violações dos seus padrões de moral e ética em prol do seu forte ideal ecuménico e desenvolvimento do ser humano, bem expresso por Embaixadas, Órgãos de Soberania e Comunidades religiosas. Confrade da Academia Lusitana de Heráldica propôs um Brasão-de-Armas para a União Europeia, infelizmente rejeitado, acarretando, na sua visão, nefastas consequências.