BENTO DOMINGUES, O.P. ..........................................Público, Lisboa, 2.01.2005 | |
Este aforismo de Franz Kafka levou-me a pensar no segredo da extrema originalidade de Taizé, nesse cristianíssimo "ovo de Colombo", como lhe chamou alguém que participou, com toda a alma, em alguns encontros na FIL, transformada em santuário na passada semana. Ao longo de mais de 50 anos, tornou-se clara a renúncia dos monges de Taizé a constituir um mundo religioso à parte, a manter a competição entre as igrejas cristãs, a tentar conquistá-las ou substituí-las. Recusam o caminho do proselitismo. Parece que não lhes interessa rivalizar com os movimentos da Igreja, nem copiar ou ocupar as suas estruturas sejam elas de expressão católica, protestante ou ortodoxa. Até ao presente, Taizé tem resistido a constituir um movimento autónomo e concorrente no mundo da chamada "pastoral juvenil". Sabe que, no dia em que isso acontecer, cairá inevitavelmente na lógica da emulação com os outros grupos, organizações, movimentos, capelanias, paróquias ou dioceses. Como escreveu Olivier Clément, professor no Instituto de Teologia ortodoxa de Paris, da parte de Taizé nada há a recear. Não se apropria de ninguém, não pretende ser a Igreja, mas apenas um limiar, um sinal da Igreja numa perspectiva de reconciliação. 2. A comunidade monacal de Taizé não é só ecuménica pela sua composição interna. É ecuménica também pela arte de envolver os jovens de todas as igrejas nesse horizonte e nessa prática. A carta para 2005 - "Um Futuro de Paz" - escrita pelo irmão Roger para orientação e alimento da vida dos jovens que vão beber à fonte da sua comunidade, é um grito, um protesto e um apelo: "Restabelecer a comunhão é hoje urgente, não se pode adiar permanentemente até ao fim dos tempos. Será que fazemos tudo para que os cristãos despertem para o espírito de comunhão? "Há cristãos que, sem demoras, vivem já em comunhão com outros onde quer que estejam, muito humildemente, de forma muito simples. "Através da sua própria vida, desejam tornar Cristo presente a muitos outros. Sabem que a Igreja não existe para ela mesma, mas para o mundo, para depositar nele um fermento de paz. "Comunhão" é um dos mais belos nomes que a Igreja tem: nela, não pode haver severidades recíprocas, mas só transparência, bondade do coração, compaixão... e assim se conseguem abrir as portas da santidade. "No Evangelho, podemos descobrir esta realidade surpreendente: Deus não provoca nem medo nem inquietação, Deus só pode amar-nos. Pela presença do seu Espírito Santo, vem transformar os nossos corações." Numa longa nota - longa para a brevidade da carta - o irmão Roger destaca que essa urgência não é sentida só em Taizé: "Em Damasco, nesse Médio Oriente que tanto sofre, reside o patriarca ortodoxo grego de Antioquia, Inácio IV. Ele exprime-se com palavras impressionantes: 'O movimento ecuménico está a regredir. O que resta do acontecimento profético do início e que entre personalidades como o Papa João XXIII e o patriarca Atenágoras, entre outros, incarnaram? 'As nossas divisões tornam Cristo irreconhecível, são contrárias à sua vontade de que sejamos um, a fim de que o mundo acredite. 'Precisamos urgentemente de iniciativas proféticas para fazer sair o ecumenismo dos meandros nos quais receio que se esteja a atolar. Precisamos urgentemente de profetas e de santos, a fim de ajudar as nossas Igrejas a converter-se através do perdão recíproco.'" 3. Mas Taizé, não vive só, nem sobretudo, de encontros de 40.000 jovens como o que acaba de se realizar em Lisboa e que acontecem só de ano a ano. Taizé é uma comunidade monacal ecuménica - não muito longe de Lyon e bem perto da antiga Abadia de Cluny - que se tornou um apelo permanente e uma fonte. Semana após semana, durante grande parte do ano, sucedem-se dezenas de milhares de jovens que sobem àquela colina. Vão de todos os continentes. Que procuram? Segundo a longa experiência de Taizé, que tentei recolher, não se deslocam para participar num conjunto de conferências ou só para escutar o silêncio. São acolhidos pelos irmãos de uma comunidade de monges que habitam, trabalham, comem e rezam juntos. O que a comunidade propõe aos jovens que aí vão passar uma semana tem a marca da casa: descobrir que a vida quotidiana pode ser vivida à luz do Evangelho, que podem rezar juntos e a sós, que podem reflectir sobre as fontes da fé e trabalhar para os outros. Os irmãos da comunidade introduzem os participantes na reflexão bíblica, seguida de tempos de reflexão em pequenos grupos. Durante as tardes, os "workshops" permitem aprofundar a relação entre fé e a vida no trabalho, o compromisso na sociedade, o mundo da arte e da cultura. Alguns passam a semana em silêncio para reverem as suas vidas à luz do Evangelho. Nessas semanas - que podem juntar quatro mil ou cinco mil pessoas de mais de oitenta nacionalidades -, muitos fazem a descoberta de que a Igreja não é apenas a instituição, uma organização, mas principalmente, uma vida partilhada. Ao fazer-se a experiência desta vida com os outros, compreende-se que a existência quotidiana é o próprio lugar onde o amor de Cristo se poderá revelar e onde um futuro de paz para a família humana poderá ser preparado. Neste sentido, ir a Taizé é preparar o regresso a casa para uma vida diferente. Bom ano! |
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