Não Esperar
pelo Fim do Mundo

 

 

 

BENTO DOMINGUES, O.P. ..........................................Público, 23.01.2005

Estamos no oitavário de oração pela unidade dos cristãos. Tornou-se um lugar-comum dizer que o século XX, sob o ponto de vista das Igrejas, ficará conhecido como o século do ecumenismo. Na Conferência de Edimburgo, em 1910, tornou-se evidente o escândalo da divisão dos cristãos no anúncio do Evangelho. As exigências da acção missionária ditaram novos caminhos à eclesiologia. Mas apesar da mudança de clima entre as Igrejas, dos avanços no campo doutrinal e dos acordos ecuménicos já assinados (1), cada confissão cristã continua a contar, apenas, consigo mesma e a desejar que as outras não se alarguem muito na sua área de influência.

O oitavário pela unidade dos cristãos já é um ritual. E embora os rituais tenham a sua importância, não devem impedir que aconteça o que eles deveriam provocar.

O irmão Roger de Taizé, na Carta, traduzida em 25 línguas e publicada no Encontro Europeu de Jovens em Lisboa (2004), fazendo coro com o Patriarca ortodoxo grego de Antioquia - "precisamos urgentemente de iniciativas proféticas para fazer sair o ecumenismo dos meandros nos quais receio que se esteja a atolar" -, sublinhou que não se pode adiar, até aos fins dos tempos, o restabelecimento da comunhão entre as Igrejas.

Posso estar muito enganado, mas parece-me que as mais autorizadas instâncias ecuménicas estão a pedir e a procurar a unidade impossível neste mundo. Tomemos, como exemplo, duas admiráveis declarações do Conselho Ecuménico das Igrejas (CEI).

A declaração de Camberra, em 1991, apela para uma comunhão tão plena que talvez nunca tenha existido e talvez nunca possa realizar-se neste mundo: "A unidade da Igreja, à qual somos chamados, é uma 'koinonia' que é dada e se exprime na confissão da fé apostólica, numa vida sacramental comum à qual acedemos mediante um único baptismo e que celebramos em conjunto numa só comunidade eucarística, numa vida vivida em conjunto no reconhecimento mútuo e na reconciliação dos membros e dos ministérios; ela exprime-se, enfim, na missão pela qual nos tornamos todos juntos testemunhas do Evangelho da graça de Deus junto de todos e ao serviço da criação inteira.

"A finalidade da nossa procura de uma comunhão plena será alcançada quando todas as Igrejas forem capazes de reconhecer em cada uma das outras a Igreja una, santa, católica e apostólica na sua plenitude. Esta plenitude de comunhão exprimir-se-á aos níveis local e universal em formas de vida e de acção conciliares. Numa comunhão deste tipo, as Igrejas estão ligadas umas às outras em todos os domínios da sua vida comum, a todos os níveis, pela confissão da mesma fé, na celebração e no testemunho, nas deliberações e na acção."

Em Harare (1998), para celebrar o quinquagésimo aniversário do CEI, os delegados das Igrejas renovaram o seu compromisso, de forma litúrgica, que traduz um desejo como se fosse realidade: "Recebemos a herança dos que nos precederam, somos movidos pela visão de uma Igreja que reúna todos os seres humanos na comunhão com Deus e uns com os outros, professando um único baptismo, celebrando uma única eucaristia, reconhecendo um ministério comum.

"Somos movidos pela visão de uma Igreja cujos membros exprimem a sua unidade confessando a fé apostólica, vivendo a comunidade conciliar, agindo num espírito de responsabilidade mútua.

"Somos interpelados pela visão de uma Igreja que vai ao encontro de cada um, na partilha, no amor, anunciando a boa nova da salvação de Deus que é sinal do reino e servidora do mundo.

"Somos interpelados pela visão de uma Igreja, povo de Deus em marcha, que combate todas as divisões baseadas na raça, sexo, idade e cultura, e que actua a favor da justiça e da paz e para a salvação da criação."

Estes textos são fruto de um século de discussões, muitas vezes difíceis. Não vale a pena pedir-lhes mais perfeição. Pode-se, no entanto, perguntar: a perfeição destes textos constrói a unidade plural dos cristãos, ou serve, apenas, para a apresentar como impossível, para justificar o actual imobilismo ecuménico?

É importante que apontem para uma "comunhão plena". Será o céu. Na terra, no regime de Igreja peregrina, ajudam a cultivar um certo farisaísmo. Pretende-se uma qualidade de comunhão entre Igrejas que não existe no interior de nenhuma delas. Não se encontra no catolicismo nem na ortodoxia nem no protestantismo. Por outro lado, fala-se de uma comunhão de Igrejas que só é possível quando as Igrejas não forem precisas. Segundo S. Paulo, só a caridade tem garantias de vida eterna. Tudo, o resto, é provisório. São instrumentos de viagem.

Não basta dizer, como Jürgen Moltmann, que "o caminho para uma unidade que seja aceitável por todos está dificultado tanto pelo centralismo papal e pelo uniformismo romano, por um lado, como, por outro, pela dispersão protestante e, em último lugar, pela auto-suficiência ortodoxa".

Vendo bem, quer no interior de cada cristão, quer no interior de cada uma das Igrejas, quer na relação de umas com as outras, o grande obstáculo à comunhão actuante talvez seja outro: a vontade de dominação sobrepõe-se à vontade de servir. E, por este caminho, a unidade dos cristãos, em favor de toda a humanidade, fica adiada para o fim dos tempos.

(1) Cf. André Birmelé, "Lá communion ecclésiale", Paris/Genève, Cerf/Labor et Fides, 2000.