Uma Pastoral
da Incredulidade (I)



BENTO DOMINGUES, O.P. ...........................................Público, Lisboa, 19.09.2004

 

Multiplicam-se as intervenções sobre a nova evangelização da Europa. Encerram hoje em Fátima as Jornadas Missionárias 2004 que debateram essa problemática. O II Congresso Internacional para a nova evangelização decorrerá em Paris de 23 de Outubro a 1 de Novembro. No entanto, com essa expressão, os cristãos podem querer significar coisas muito diferentes, mesmo opostas.

Li no suplemento do "Courrier Internacional" (n.º 717) uma entrevista a Thorkild Grosboll, pastor luterano da igreja de Ramlose, situada num porto piscatório a norte de Copenhaga. Esta provocação pode dar que pensar. Depois da leitura, o bispo destitui-o das suas funções pastorais.

Pernille Stensgaard introduz a entrevista com alguma graça: "Pai Nosso que estais nos céus"? Isso não lhe diz nada. A ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo? Também não. Rezar quando tudo corre mal? Mas que ideia!

Este pastor não acredita em Deus. Deus está ultrapassado. Outros pastores pensam como ele, mas preferem ser discretos. Th. Grosboll optou pela clareza: "Não acredito num criador e num salvador, na ressurreição ou na vida eterna. Nunca acreditei nisso mesmo quando era criança." Ao falar assim deseja "ressaltar a verdadeira parte de divino que existe nessas expressões e enfraquecer a antiga imagem de Deus. Não existe o Flash Gordon voando para vir em nosso auxílio em caso de necessidade".

Ao fim das suas pregações, alguns praticantes perguntam-lhe: Então o pastor não acredita que depois de morto Jesus entrava na casa dos discípulos com as portas fechadas? "Eu sou obrigado a responder-lhes: Não. E Deus sabe que eu não acredito nisso."

Para este dinamarquês, só nos Jardins de Infância é possível falar de Deus e da oração como antigamente. A oração é apenas um momento de reflexão para pensar nas prioridades da existência.

Num livro de 2003, intitulado "Uma Pedra no Sapato", confessa que certos paroquianos procuram explicar-lhe que continuam a guardar a fé da sua infância. No entanto, para este pastor, isso não passa de uma espécie de "mastic" que lhes serve para tapar as fissuras da existência e para alimentar um forte sentimento de protecção. Conservam esse absurdo porque ele nunca foi abalado pela reflexão. Não pretende dizer que uma fé de criança não tenha nada de sério. Mas não vale para a idade adulta.

A entrevistadora perguntou-lhe: por que razão continua pastor? A resposta foi clara: "Porque o cristianismo é a mais bela história que pode existir", que, no entanto, perde o seu sentido quando é contada de forma trivial e gasta. Confessa-se um intérprete feliz dos textos tradicionais: "Ao fazê-lo, tenho a impressão de encontrar neles um eco da minha própria existência e isso basta para a minha felicidade. É uma história que explica, embora sob uma forma envelhecida, a minha condição de ser humano e transmite uma mensagem sem a qual não se pode passar, uma mensagem perfeitamente actual."

Vê que para a maior parte das pessoas um bom cristão é aquele que decalca a sua vida sobre o passado. Para Th. Grosboll, cristãos desses são maus cristãos. Levam aqueles que vivem a modernidade a abandonar a Igreja porque não estão para engolir tanta patranha como criação divina.

Este pastor quer desembaraçar a Igreja dessa imagem ultrapassada do mundo e de todas as velharias, para que os cristãos possam concentrar-se no que esta mensagem tem de espantoso. Não se trata de tornar o cristianismo mais fácil de digerir, mas de ter a coragem de mostrar os seus próprios limites.

E, para isso, "um pastor não deve pregar contra as suas convicções, senão por que teria dedicado a sua vida a Deus? Muitos não dizem o que pensam e deixam, sem pestanejar, as pessoas acreditar na ressurreição". Para Th.

Grosboll, a missão do pastor consiste em levar os paroquianos a um melhor conhecimento deles mesmos para que sejam eles a forjar, em consciência, a sua própria opinião: "É preciso libertá-los para pensarem livremente. Podem acreditar na ressurreição, se quiserem, mas, antes, é preciso discutir."

Este pastor não acredita num Deus omnisciente, criador de todas as coisas. A Terra não foi criada por Deus; a ciência encarrega-se de o demonstrar cada vez mais. Deus não pode servir de argumento para tudo e mais alguma coisa.

"Para mim, Deus é 'A' questão. Uma fantástica questão que uma pessoa pode aplicar à sua própria vida. Mas não posso aceitar Deus como uma realidade física. Muitas vezes fala-se dele como do Robin dos Bosques."

Deus é uma palavra bela, poética, mas os pastores ao utilizá-la levam a pensar no Deus antigo. Por isso, Th. Grosboll prefere as paráfrases.

Mas, ao fim e ao cabo, Deus não será para este pastor apenas uma palavra?

Resposta: "Não. Existe a história estranha de um carpinteiro crucificado que insiste em explicar que Deus existe sobre a Terra. Este projecto é realista e, a meus olhos, superior ao das outras religiões, pois associa o homem ao conceito de Deus e evoca uma semelhança. O facto de o homem se permitir acreditar que também ele é portador de divino é algo novo. Mas Deus não está acima das nossas cabeças. Estamos sós a fixar a nossa própria ordem do dia.

Sonho com uma pastoral da incredulidade. Um púlpito de todos os problemas e de todos os conflitos."

Tentarei, no próximo domingo, comentar esta entrevista. Através destas negações e banalidades, cresce um desafio imenso.