1. Quem diria que Fátima, terra visitada por Nossa Senhora, acarinhada por João Paulo II - com pastorinhos beatificados e com milagres prontos para sua canonização - tenha o seu bispo e o reitor do Santuário a ser investigados por suspeita de corrupção doutrinal e pastoral!
Quando esta notícia saltou, a partir do "Correio da Manhã", eu nem queria acreditar.
É verdade que, no começo de Setembro, encontrei, na Cova da Iria, um integrista assumido que me falou longamente dos escândalos da hierarquia de Fátima. Ela nunca deixou os seguidores de D. Lefevre celebrar na Capelinha das Aparições, mas recebeu, de braços abertos, o ateu Dalai Lama - para rezar não se sabe a quem! - e os hindus que rezam seja ao que for.
Para este adversário da política religiosa do santuário, as autoridades de Fátima estão a gastar o dinheiro do povo cristão na construção de uma basílica com capelas destinadas a religiões inimigas da Igreja.
Repetiu-me, várias vezes, que os verdadeiros amigos de Fátima precisam de agir e agir depressa para que Roma intervenha e reponha a tradição católica. A hierarquia de Fátima, ao ter à disposição rios de dinheiro, pensa que manda nas aparições, na mensagem e na devoção a Nossa Senhora. Esquece que Fátima é anterior ao Concílio Vaticano II e à escandalosa rendição às falsas religiões. Os "irresponsáveis" da Cova da Iria permitem-se tudo e mais alguma coisa. Levados pela nova vaga do turismo religioso, só pensam em obras destinadas a distrair da mensagem pura e dura de Nossa Senhora que só queria uma capelinha. Nunca falou numa basílica. Construíram duas. A última já está destinada aos inimigos da verdadeira fé.
Aqui fica, em resumo, a longa doutrinação que recebi. Verifiquei que o velho problema dos dinheiros de Fátima - a "cova dos ladrões" de Tomás da Fonseca - se tornou agora numa preocupação dos integristas. A luta contra o comunismo foi substituída pelo ataque feroz ao que eles chamam o sincretismo religioso promovido pelo santuário para alargar a clientela.
Soube, entretanto, que alguns desses grupos actuam a nível internacional pressionando bispos e autoridades do Vaticano para intervirem na orientação do Santuário de Fátima.
2. D. Serafim, bispo de Leiria-Fátima, aproveitou a peregrinação dos dias 12-13 para denunciar os "inimigos" de Fátima, para manifestar a sua inteira confiança no padre Luciano Guerra e para apresentar as actas do congresso internacional sobre os santuários nas diversas religiões. A obra é precedida de uma introdução assinada pelo bispo Michael Fitzgerald, presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso!
No que precisamente se refere ao diálogo inter-religioso, o bispo confessou que está a seguir as "instruções pessoais" do próprio Papa. Mas não escondeu que o Vaticano lhe pediu explicações acerca dessas iniciativas. Não disse, porém, qual foi o organismo que desencadeou esse processo.
António Marujo noticiou no PÚBLICO que o pedido de explicações tem a sua origem na Congregação para o Culto presidida pelo cardeal Francis Arinze. Foi-me garantido que o mesmo foi dirigido ao patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, enquanto presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, pelo cardeal Ratzinger. As duas informações podem ser ambas verdadeiras. A matéria em apreço cai sob a alçada de duas congregações romanas.
Seja como for, os católicos portugueses têm direito a uma explicação integral sobre os rumores acerca das relações entre a Cúria Romana e as autoridades do Santuário de Fátima. A Igreja não pode dar cobertura a "sociedades secretas", a grupos de pressão fora e dentro do Vaticano. Já mostraram que sob a capa de movimentos de espiritualidade servem desígnios de poder.
Quanto a segredos, a Igreja não deve copiar o que se esconde em Portugal entre Governo, empresas e meios de comunicação social. O bispo de Leiria e o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa devem esclarecer o que se está a passar na Igreja.
3. A abertura do Santuário de Fátima à prática do diálogo inter-religioso dá-me muita alegria. O bispo D. Serafim e o padre Luciano Guerra têm por eles o Vaticano II, os gestos dos papas desde João XXIII até João Paulo II. Este último, com a iniciativa de Oração pela Paz em Assis gerou uma posteridade que importa continuar e aprofundar. A própria teologia - que deve ser um debate sem fim -, mediante a Comissão Teológica Internacional, chegou a um consenso mínimo para prosseguir essa caminhada (Cf. "O Cristianismo e as Religiões", Gráfica de Coimbra, 1999). |