OS LUGARES DO
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BENTO DOMINGUES, O.P. ...............................Público, Lisboa, 19.06.2005 | |
1.O título desta crónica foi roubado a uma meditação do filósofo Carlos H. do C. Silva feita no Congresso Internacional de Fátima, em 2003, organizado em torno de temáticas convergentes: o santuário e o sagrado; a idolatria e a fé; a crença e a descrença; passagem do confronto ao encontro das religiões; testemunhos de representantes de varias religiões - hinduísmo, budismo, judaísmo, islamismo, Igreja Ortodoxa, Igreja Anglicana, Igreja Católica sobre o futuro dos santuários na sua relação com o sagrado. Infelizmente, o que desse congresso passou para os meios de comunicação social foram apenas especulações sobre a transformação de Fátima num santuário interreligioso - e qual seria o mal? - prefigurado em dispositivos da nova basílica em construção e no acolhimento que algumas personalidades e grupos de outras religiões tiveram na Capelinha da Cova da Iria. Queixas de grupos integristas teriam provocado um alerta do cardeal Ratzinger. O patriarca de Lisboa sentiu-se obrigado, depois da eleição do Papa Bento XVI, a declarar que Fátima continuará católica. As actas do congresso foram publicadas em 2004. Só acabei a sua leitura muito recentemente e não cabe neste espaço uma análise adequada do seu conteúdo, no geral, de grande qualidade. Gostava que elas tivessem incluído os debates que as comunicações suscitaram. Não simpatizo com a moda instalada de se fazerem congressos só para as actas das conferências. As religiões não vivem sem santuários. O antropólogo José da Silva Lima, de forma muito sábia e límpida, numa agradecida homenagem a Michel Meslin, abriu os acessos à essência complexa do santuário, enquanto fenómeno religioso, através de um belo mapa de múltiplas alusões a espaços culturais, concluindo o seu percurso de modo sugestivo: "O santuário é, hoje, um lugar de convergência que se procura como quem mendiga a alma." Jorge Coutinho dirá depois, com palavras de J. Le Goff, que os santuários, sinais de Deus, são hoje "clarões na noite" da descrença e "oásis no deserto" da devastação espiritual. Carlos H. do C. Silva, numa conferência orquestrada por 263 longas citações, discutiu a facilitação da tese do "sagrado e profano" tipificada por Mircea Eliade com grande argúcia. Numa longa e labiríntica peregrinação metafórica viu o santuário como recorte de um espaço de bênção e transformação interior, limiar do "céu na terra", rasgão de infinito no tempo e na psicologia habitual que permite o vislumbre do eterno. Guiou-se pela sugestiva epígrafe de T. de Chardin, colhida no formoso livro O Meio Divino: "(...) o ponto único onde pode nascer, para cada homem, a cada a momento, o Meio Divino, não é um lugar fixo do Universo. É um centro móvel que nós devemos seguir, como os magos seguiram a sua estrela." No plano cristão, cada um de nós está chamado a ser templo do Espírito Santo e Deus, a casa de todos. Os santuários cristãos ou servem para nos ajudar a fazer e a alimentar essa descoberta, ou tornam-se lugares de perversão. Não posso esquecer que algumas festas e romarias do Alto Minho terminavam, quase sempre, em sangrentas lutas entre aldeias e grupos rivais. Não eram vislumbre do divino, eram espectáculos de sangrentas vinganças. As actas deste congresso apontam, no entanto, para o seu misterioso tema: O Presente do Homem - O Futuro de Deus (1). 2. Noutro registo de escrita e com outros objectivos académicos, Pedro Pereira empreendeu "um estudo antropológico das peregrinações a pé a Fátima" e por razões de método - "de observação participante" - caminhou com os peregrinos do Porto até Fátima. O autor tem razão: é estranho que um fenómeno social desta envergadura tenha interessado tão pouco os cientistas sociais. Fátima atrai peregrinos. Não seduz investigadores. O autor abriu a razão às emoções dos caminhos da peregrinação. (2) 3. Ainda no âmbito dos locais sagrados e das peregrinações, Paulo Mendes Pinto e Francisco Moura publicaram uma obra para visitar santuários de todos os continentes. (3) A elaboração deste belo reportório de locais sagrados da humanidade, parte da convicção de que o turismo religioso não pode prescindir do contributo da história das religiões. Está concebido para ser usado como suporte na escolha e realização de viagens, com um acervo de materiais, dados e explicações credíveis e atractivos. 4. Loas a Maria (canções populares de louvor a Nossa Senhora) investigadas, com
rigor académico interdisciplinar, por Lucília José Justino - professora
universitária que faz parte do coro de mulheres Cramol dedicado à música tradicional
-, merece tornar-se um livro de cabeceira para quem deseja descobrir e redescobrir a
bela poesia popular mariana portuguesa. ( 4)
Não é, de forma nenhuma, um livro devoto. Mas é guiado pelo espírito da epígrafe
escolhida de Emile Durkheim: "Assim, quem quer que seja que não traga ao estudo da
religião uma espécie de sentimento religioso não pode falar dela. Seria como um cego
a falar de cores."
Por causa deste começo de Verão - tempo de festas, romarias e peregrinações, de
itinerários da fé ou de nostalgia e desejo do sagrado - foram reunidas estas
variadas sugestões de leitura. |
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(1) O Presente do Homem e o Futuro de Deus, Congresso Internacional de Fátima. 2004. (2) Pedro Pereira, Peregrinos, Piaget, 2003; (3) Paulo Mendes Pinto, Itinerários de Fé, Mediatexto, 2005; (4) Lucília José Justino, Loas a Maria. Religiosidade popular em Portugal, Colibri, 2004. |
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