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BENTO DOMINGUES, O.P. .........................................Público, Lisboa, 2005 | |
1. No meio dos papéis de Georges Plaisantin, um dominicano francês há pouco falecido - e que passou a existência a tratar de presos, deficientes, abandonados e moribundos -, foi encontrado um poema que evoca o isolamento abissal de alguns rostos à beira da morte. Retenho um fragmento: (...) "Tu que estás só / já nem te pões estas questões / o teu espaço é o vazio / o teu futuro é a ausência / a tua razão de ser, o escuro / o teu coração, um músculo inútil / o teu olhar, a porta de uma prisão / as tuas refeições, amargura / os teus sonos, uma sepultura." As mortes não são todas iguais. Mas o resultado é a repetida verificação da aparente impossibilidade da comunicação recíproca, o esgotamento de todas as palavras e de todos os gestos. Esquecemos, porém, que só conhecemos o ponto de vista dos sobreviventes, não o dos que morrem. E se a personalidade dos seres humanos não se extinguir com o enterro ou a cremação dos seus restos mortais? Foi essa, pelo menos, a crença que atravessou todos os milénios. O niilismo nunca foi a regra. Segundo a obra colectiva, Vida depois da Morte. A ciência na fronteira do mistério (1), um renovado interesse nas experiências de quase-morte estimulou recentemente a pesquisa em áreas como estados alterados da consciência, misticismo e práticas xamânicas. Estas investigações teriam vindo a revelar a possibilidade da vida depois da morte. Neste estudo exploratório - que procura situar-se na fronteira da ciência e do mistério -, o leitor não vai encontrar apenas alusões a fenómenos de entes falecidos, sensações de viajar através de túneis de luz, recordações aparentes de vidas anteriores e até encontros com espíritos que habitam outros mundos, temas recorrentes de certa literatura esotérica. Vai ser confrontado com uma pergunta: será que estas experiências indicam, de alguma forma, o destino da consciência humana depois da morte? Ou não passam de alucinações induzidas pelo trauma da morte do cérebro de indivíduos que estão a morrer? Como de diz na apresentação do livro, "para os amantes de parapsicologia, filosofia e metafísica, para pessoas que sofrem com a perda de um ente querido ou para os mais idosos e os doentes terminais que encaram a sua própria morte, esta colectânea de trabalhos originais de autores com grande idoneidade científica traça o percurso da crença na sobrevivência "post mortem / desde as culturas arcaicas até às perspectivas actuais". 2. No entanto, como observa Charles T. Tart, "o máximo que a parapsicologia conseguiu mostrar até agora foi que, contrariamente às alegações dos materialistas, a sobrevivência não é impossível por princípio. Mas provar que essa sobrevivência não é impossível está muito longe de provar que ela realmente ocorra". George Feuerstein, num belo texto de reflexão sobre a sabedoria da Índia, é mais sugestivo: "Não há nada que me possa convencer intelectualmente de que sobrevivemos à morte física. (...) No entanto, felizmente que a minha mente racional não esgota tudo o que sou. Tenho outras capacidades cognitivas que posso fazer intervir quando pondero o meu destino depois da morte (...) A cabeça e o coração juntos vão ajudar-nos na nossa busca espiritual. (...) Podemos sentir-nos livres para ouvir os murmúrios da imortalidade." No prefácio à edição portuguesa, o psicólogo Paulo Lima Santos colocou em epígrafe algumas linhas de Agustina Bessa-Luís que excedem em sabedoria todas as análises desta grande obra: "Se acreditamos que a vida humana contém os pressupostos para a perfeição, se acreditamos que o nascimento não consuma um processo da natureza mas o inicia, e que a morte não interrompe o ciclo das transformações mas reanima-o, a nossa visão do mundo amplia-se." Os católicos cantam na Missa de Defuntos: "A vida não acaba, apenas se transforma!" 3. Sei que a floresta simbólica do cristianismo, no tocante à morte e à geografia do além, acolheu várias heranças. E ainda bem. Não consigo imaginar um cristianismo quimicamente puro. Importa, todavia, não esquecer que nem tudo tem a mesma importância. É urgente hierarquizar os símbolos, as palavras e os gestos rituais para destroçar as falsas evidências e anunciar o caminho pascal de Cristo, fonte da esperança quando a noite se aproxima. Não somos frutos apenas do azar. Fomos eternamente desejados e somos ardentemente esperados. Não vimos do nada nem pertence à morte a última palavra. Vimos do amor e temos a nossa pátria no coração de Deus: ""Alegrai-vos porque os vossos nomes estão inscritos nos céus", disse Jesus e Ele próprio se comoveu com esta revelação" (Lc 10, 17-47). O Deus de Jesus não é um Deus de mortos, mas dos vivos, daqueles que o seu amor recriou. Mesmo quando nos esquecemos, é nesse amor que vivemos, nos movemos e existimos (Act 17, 28). E se Deus é a nossa casa indestrutível, pela sua graça podemos ser não só a morada de Deus, mas até a dos nossos inimigos. Celebramos hoje a Ascensão de Cristo aos Céus, a ascensão de um torturado e crucificado. Não se trata de nenhuma exploração espacial. Os cristãos festejam a certeza de que nem o crime nem a morte nos roubarão a alta e imensa claridade de Deus. Mas nesta festa ouvimos também, nos Actos dos Apóstolos, um aviso dos céus: a vida eterna não se ganha na fuga do mundo, mas na transformação da terra na casa da solidariedade global. |
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(1) Gary Doore (org.), Vida depois da Morte. A ciência na fronteira do mistério, Ésquilo, Lisboa, 2005. | |
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