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Jornal PÚBLICO, Lisboa, 17 de abril de 2011 |
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Tal distinção não basta para encontrar o caminho da conversão das religiões nem o da transformação permanente das práticas políticas, expostas ambas a lamentáveis distorções. Hoje, está na moda fazer dos políticos os bodes expiatórios de todos os nossos males, precisamente, porque transferimos, para eles, de forma mágica, a salvação do país, distraindo-nos da nossa intransferível responsabilidade cívica. Alienamo-nos, repetindo que eles não deixam espaço à sociedade civil, mas é esta que se demite da sua vocação e entrega tudo na mão dos partidos que, por natureza, são apenas parte da acção política. A vida em sociedade tem muitas dimensões e expressões e, por vezes, os meios de comunicação, cegos pela poeira dos acontecimentos políticos e por tudo o que corre mal, roubam, aos cidadãos, o país real, na sua complexidade. A verdade passa a ser a representação que eles nos distribuem. Por outro lado, a publicidade torna as pessoas infelizes se não comprarem as suas propostas. Ora, é a civilização expressa nessas propostas que está falida. 2. Perguntam-me, muitas vezes, que pode e deve fazer a Igreja na situação actual. O que de pior poderia acontecer é que alguém fingisse que o sabe. Não faltam, aliás, na actualidade portuguesa, comissões de sábios que só aparecem depois do irremediável. Nesta semana, proponho uma breve reflexão sobre o contraste entre Jesus e os seus discípulos. Jesus, ao contrário de Buda, não é pela extinção do desejo, até o excita. Prega o reino do infinito amor. Exige, no entanto, a regeneração das raízes dos nossos apetites desencontrados, implicando a conversão e a hierarquização dos nossos desejos. O Nazareno levou muito tempo a encontrar o seu próprio caminho e, quando pensava que já o tinha encontrado – foi iniciado e baptizado por João Baptista – sentiu-se surpreendido, ao entrar em oração, por uma Voz que o fez estremecer: “Tu és o meu Filho muito amado”. A partir daí, o rumo da sua existência mudou radicalmente. Não interpretou tal revelação como um privilégio, mas como uma missão que o levou a arriscar tudo: mostrar, por palavras e gestos, que o seu Deus nada tinha a ver com uma religião e uma prática social que colocava uns à mesa e outros à porta. Foi por isso que escolheu todas as más companhias, contrariando as normas religiosas e morais mais prestigiadas e aprovadas. 3. Não era o que os grupos dominantes esperavam. Queriam alguém que fosse um líder, um messias que, em nome de Deus, resolvesse, miraculosamente, as questões económicas, políticas e religiosas com que se debatia um povo dominado. Jesus não foi insensível a essa esperança. Há, porém, uma narrativa, na qual, Jesus interpreta essas tentações como diabólicas, isto é, que o separavam do sonho que o habitava: subverter tudo aquilo que gerava a exclusão das mulheres, dos classificados como pecadores, dos doentes, dos pobres, dos estrangeiros, dos que estavam sempre a mais (Lc 4). Era o sonho infindável de reunir todos os filhos de Deus dispersos, como dirá S. João (Jo 11, 52) Se Jesus venceu essas tentações que o acompanharam até à morte, elas eram o próprio desejo dos discípulos em luta pelo poder. Conta-se, no Evangelho de S. Marcos, que era, precisamente, essa a questão que os movia e impedia de entender o caminho do Mestre que, afinal, seguiam por equívoco. A questão azedou-se tanto que, um dia, dois foram ter com Jesus e disseram claramente ao que andavam: quando tomares conta do poder, queremos ser os primeiros da lista. Acontece que os outros dez ficaram indignados com esta jogada de antecipação. Jesus foi obrigado a uma reunião de emergência e declarou-lhes que escusavam de insistir em o desviar do seu rumo. Eram eles que tinham de mudar: aquele que quiser ser o primeiro, seja o último e ponha-se ao serviço de todos porque ele, Jesus, também não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida por todos (Mc 4 – 10). Calaram-se, mas não acreditaram no que ele dizia: se Deus estava com ele, tinha de ir à luta e Deus não o deixaria mal. Esta semana é, realmente, santa pela fidelidade de Jesus. É criminosa por quem o assassinou, mediante uma farsa judicial. É, sobretudo, a semana da triste figura dos apóstolos, dos Doze, nosso retrato, quando criticamos o comportamento dos políticos e reproduzimos, no interior da Igreja, os esquemas e as atitudes que Jesus reprovou. Para crentes ou não, as narrativas do Novo Testamento, que contam o que se passou, no Jardim das Oliveiras, na prisão e no desfecho do processo de Jesus, são a maior parábola da humanidade a que pertencemos. Jesus era e é o ser humano com temperatura de Deus e um sonho que nem a cruz conseguiu quebrar. |
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