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Jornal PÚBLICO, Lisboa, 23 de Janeiro de 2011 |
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Para o referido jornal, a beatificação de João Paulo II é um acontecimento histórico sem precedentes. Seria preciso remontar ao coração da Idade Média para encontrar exemplos análogos, mas em contextos não comparáveis com a decisão de Bento XVI. Nos últimos dez séculos, nenhum Papa elevou às honras do altar o seu imediato predecessor. Com efeito, Pietro del Marrone (Celestino V) foi canonizado em 1313 – menos de vinte anos depois da morte – pelo seu terceiro sucessor. Mais de dois séculos antes, tinha sido imediatamente reconhecida a santidade de Leão IX e de Gregório VII, falecidos em 1054 e em 1085. Voltou a sublinhar-se que, no centro de cada causa de beatificação e de canonização, está apenas a exemplaridade da vida ao serviço de Deus. Como disse Paulo VI – no anúncio da introdução das causas dos seus dois imediatos predecessores –, o culto da verdadeira santidade, isto é, a glória de Deus e a edificação da sua Igreja, é o que conta para além de qualquer outro motivo. Uma freira francesa, Marie Simon-Pierre, que padecia de Parkinson, atribuiu a sua cura milagrosa ao Papa João Paulo II que, aliás, sofrera da mesma enfermidade. Os médicos e teólogos, consultados pela Congregação para as Causas dos Santos reunidos no mais estrito sigilo, consideraram que a cura foi "imediata e inexplicável". As narrativas dessa religiosa serão um bom alimento para a imaginação dos seus entrevistadores e, sobretudo, acerca das conversas que ela diz continuar a ter com João Paulo II. Este anúncio foi, certamente, de alegria para muitos. Outros sublinharam a excessiva pressa na beatificação do Papa Wojtyla, pois, o seu pontificado, tão controverso, precisa de uma certa distância para que a sua exemplaridade, para a vida da Igreja, possa ser avaliada com serenidade. 2. As beatificações e canonizações são processos humanos. Não revestiram sempre a forma actual e os canonizados não são casos exclusivos de vida santa. Como dizia Bernanos, a única tristeza é não ser, verdadeiramente, santo. A garantia pedida aos milagres é tida por decisiva, embora o grande critério, como vimos, continue a ser a exemplaridade da vida. Pede-se ao Céu um sinal para mostrar que estão vivos e activos os que desapareceram da nossa vista. Quando, nos funerais, se pede a Deus que lhes dê o eterno descanso no reino da perpétua luz, não se pede a sua reforma ou o seu desinteresse pela sorte do mundo. Se Deus está vivo, se Jesus Cristo prometeu continuar connosco para sempre, se Nossa Senhora é considerada, na Igreja, o exemplo do acolhimento da Palavra de Deus no quotidiano, não diz que a santidade lhes está reservada. O Apocalipse (cap. 7) fala de uma multidão de todas as nações, tribos, povos e línguas que chegaram à plenitude da vida mesmo no mundo da grande tribulação. Como alguém dizia, as pessoas beatificadas e canonizadas são, no plano religioso, embora noutra linguagem, aquelas que recebem as medalhas de bronze, de prata, de ouro ou o prémio Nobel da santidade, atribuídas pela hierarquia da Igreja. Seja como for, só podemos recorrer a símbolos e analogias para evocar a vida depois da morte. 3. Qualquer congregação religiosa que se preze procura desenvolver os processos que levarão os seus fundadores à canonização e deve haver rigor nesses processos. João Paulo II deu muita importância à Legião de Cristo que, segundo agora se apurou, o seu fundador, Marcial Maciel, era um perverso, embora Deus já lhe possa ter dado a volta. Não há, no entanto, forma de lhe atribuir uma vida exemplar. É, precisamente, sobre a vida exemplar das pessoas que fundaram congregações religiosas que os continuadores devem estudar e divulgar com fervor. Já me parece de interesse duvidoso a azáfama em arranjar curas milagrosas para a beatificação e canonização. Li, muito recentemente, uma oração estranha. Começava assim: “Senhor Jesus, Tu és um Deus de ternura e compaixão. Curaste os que Te procuravam aflitos e recomendaste: Pedi e recebereis, batei e abrir-se-vos-á. Temos a certeza de que estás sempre atento aos que Te suplicam com fé e confiança”. Até aqui, tudo bem, mas continua: “Nós Te pedimos, por intercessão de (…) que nos concedas a graça da cura de (indicar o nome) para glória do Teu Nome”. O sistema das cunhas mudou. Já não se procura um santo influente no Céu para obter uma graça divina. Pede-se a Deus a promoção de uma pessoa da respectiva família religiosa levando-a a fazer um milagre que convença um tribunal científico e teológico. É normal pedir socorro e agradecer, mas não é preciso ser ridículo. Com beatificações ou sem elas, o Cristianismo considera o ser humano como um valor eterno e não, apenas, como um episódio da terra, na terra dissolvido por enterro ou cremação. |
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