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Jornal PÚBLICO, Lisboa, 6 de Fevereiro de 2011 |
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É verdade que o ensino religioso nas escolas públicas está assegurado na Lei de Liberdade Religiosa de 2001: “As igrejas e demais comunidades religiosas ou, em sua vez, as organizações representativas dos crentes residentes em território nacional, desde que inscritas, por si, ou conjuntamente, quando para o efeito professem uma única confissão ou acordem num programa comum, podem requerer ao membro do Governo competente em razão da matéria que lhes seja permitido ministrar ensino religioso nas escolas públicas do ensino básico e do ensino secundário que indicarem” (24, 1). Esse é um ensino confessional. Não parece suficiente e capaz, só por si, de enfrentar a ignorância religiosa em Portugal. Daí, o projecto “Três Religiões – Uma Cultura Comum de Respeito”. Na Península Ibérica, a cultura foi marcada, em graus diversos, pelo cristianismo, pelo judaísmo e pelo islão. Nessa medida, tem algum sentido falar de uma cultura e três religiões que não tiveram sempre um passado de respeito mútuo. Este fenómeno cultural e religioso – para além da liberdade concedida às diversas propostas confessionais – deveria ser estudado, na escola pública, segundo critérios das Ciências Sociais, da Ciência das Religiões. Seria uma proposta de carácter científico, facilitando um clima de escuta recíproca. 2. Não basta, porém, estudar só o que resta, na cultura, das religiões que a marcaram. A imigração aumentou, e muito, a diversidade religiosa em Portugal que não pode continuar a ser ignorada. Por outro lado, é fundamental conhecer as metamorfoses e os paradoxos da cena religiosa contemporânea. Pensou-se que a Modernidade iria afirmar-se à custa do recuo da religião, de um “desencantamento” do mundo. Muitos fenómenos já testemunham aquilo que se chama, de forma não muito ajustada, o “regresso do religioso”. Vivemos, de facto, na sua recomposição, individualização e globalização que se traduz por um “re-encantamento” do mundo e por um nomadismo espiritual, testemunhado na profusão de diversas espiritualidades. Outro fenómeno, com manifestações inquietantes, é o despertar identitário, no seio das grandes tradições, de uma nova busca de afirmação de certezas endurecidas, sintetizadas em movimentos fundamentalistas, integristas e sectários. Frédéric Lenoir, director da revista Le Monde des Religions, agrupou e estudou esses fenómenos concentrados na metáfora as “metamorfoses de Deus” (1). 3. No referido inquérito à Cultura Religiosa em Portugal, uma das questões era a seguinte: “A ciência desacredita a religião?”. Os resultados, entre os inquiridos, dizem que os católicos são aqueles para quem a ciência não é tanto, como para outros, um campo de agressão à religião. Os não religiosos olham para a ciência como uma forma de combate à religião e os evangélicos afastam-se da ciência, tendo-a como negativa. Seja qual for o alcance desse inquérito, a história das relações entre ciência e religião, a partir da Renascença, mostrou-se muito complicada. Não adianta continuar às voltas com erros do passado e pedidos de perdão. Também não é preciso proclamar que a ciência tem um papel decisivo nas sociedades modernas. Vale a pena ler uma pequena e bem-humorada obra – Requiem por Darwin – de um autor que se sente à vontade em ciência e teologia (2). O grande elogio merecem-no, porém, dois portugueses empenhados em desfazer equívocos, no campo da educação, entre ciência e religião: Alfredo Dinis, director da Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica, e João Paiva, professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Não reeditaram o debate, meramente teórico ou histórico, entre ciência e religião. Fizeram algo muito mais útil (3). Alinharam dezanove perguntas, em torno dessa questão. Compuseram um excelente “manual” ao serviço de formandos e formadores, assim como do cidadão comum, com um método muito claro, para as equacionar, dar pistas de respostas possíveis, com bibliografia para cada uma e com perguntas e um glossário para continuar o trabalho, num estilo muito simples e sem arrogância. Uma obra de pedagogia acerca das atitudes a desenvolver entre ciência e religião, num ambiente de diálogo, também com os não crentes, aos quais não pretendem “vender” nada ou forçar argumentos de forma mais ou menos moralista. Para dialogar é preciso que, cientistas e teólogos, se escutem e interpelem mutuamente ou, na fórmula despachada de Jesus: quem tiver ouvidos para ouvir, oiça! |
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(1) Frédéric Lenoir, Les métamorphoses de Dieu, Plon, 2003 (2) Jacques Arnould, Requiem por Darwin, Gráfica de Coimbra 2, 2009 (3) Educação, Ciência e Religião, Gradiva, 2010 |
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