A perseguição provoca a emigração que tem
consequências graves e dolorosas para todos. Atinge todas as
comunidades no mundo árabe, sobretudo no Líbano, Síria, Palestina,
Jordânia, Egipto e Iraque, esvaziando esses países da presença
cristã.
Com a emigração perde-se, pouco a pouco, o
pluralismo e a diversidade desse mundo. Por esse caminho, chegará o
momento em que nem sequer fará sentido falar de diálogo
islamo-cristão no Médio Oriente. Ora, como diz o Courrier
OEcuménique du Moyen-Orient 55 (Cf.: www.mec-churches.org), esse
diálogo envolve a vida social, as culturas e as consciências, pois
concretiza-se nos diferentes aspectos do tecido da vida quotidiana
nas sociedades árabes.
O resultado da emigração forçada dos cristãos será uma sociedade
monolítica, privada da diferença. No imaginário universal, o Médio
Oriente tornar-se-ia uma sociedade árabe e muçulmana face a uma
sociedade europeia dita cristã, embora a Europa e a América sejam,
tendencialmente, laicas com uma grande diversidade religiosa. Num
Médio Oriente esvaziado dos seus cristãos, qualquer pretexto seria
propício para um novo choque de culturas, de civilizações e até de
religiões.
2. Esse panorama real e hipotético é muito incompleto. Existem
outras dificuldades para a paz no Médio Oriente.
Na opinião de Hans Küng – grande obreiro da Ética Global – Israel
poderia transformar-se numa ponte para o entendimento pacífico. O
sonho de Theodor Herzl cumpriu-se, apenas, pela metade: Israel tem
uma terra, mas não tem paz.
Na realidade, a Palestina não era uma terra sem um povo para onde
pudesse – sem mais nem menos – imigrar um povo sem terra. Há uns
bons mil anos residia lá uma população árabe muçulmana. A questão
palestina constitui, por assim dizer, a sombra do Estado de Israel.
Em cinco décadas, cinco guerras! Mas, hoje, também muitos
israelenses compreendem que um povo, de apenas seis milhões de
judeus, não poderá prosperar se não viver em paz com os 140 milhões
de árabes que o rodeiam. Também os palestinos têm direito a um
Estado próprio. Na verdade, só poderá haver paz no Médio Oriente se,
de um lado e de outro, forem desmontados os ressentimentos
étnico-religiosos e as agressões. Mais do que em qualquer outro
lugar, vale, aqui, a frase: não existirá paz entre as nações, se não
existir paz entre as religiões! (1).
Régis Debray, depois de um livro muito pouco ingénuo sobre a “Terra
Santa”, publicou, no ano passado, uma carta polémica dirigida a um
amigo israelense, Élie Barnavi. Não se resigna à ideia de que uma
sociedade tão evoluída possa tornar-se uma fortaleza fundamentalista
(2). Confessa que estava farto de ouvir a antífona dos diplomatas e
dos políticos: “o que dizes é verdade, mas não se pode dizer”.
Porque razão um francês não teria o direito de escrever o que um
israelense diz na rua, no café ou lê no seu jornal? Este estranho
pudor, mistura de culpabilidade, de intimidação e de bons
sentimentos, não serve a causa que pretende servir. Alimenta o
anti-semitismo, nutre o ressentimento contra o protegido do
Ocidente, que tem sempre por nulas ou inexistentes todas as
resoluções da ONU. Não será o papel de um intelectual, francês ou
israelense, destapar os tabus da tribo?
Adianta que o final do seu livro é, talvez, demasiado optimista,
pois “nesse clima, muitos dos meus amigos judeus colocam a si
próprios questões existenciais radicais. Perguntam, simplesmente, se
Israel, apesar da sua vitalidade económica, poderá sobreviver a
longo prazo. Têm razão. É, por isso, que importa pegar o touro pelos
cornos” (3).
3. Há 50 anos (25. 12. 1961), foi convocado o Concílio Vaticano II
pelo Papa João XXIII, o Papa da Pacem in Terris. Uma das viragens
mais importantes e mais difíceis desse concílio foi o reconhecimento
da liberdade religiosa que Pio IX tinha anatematizado. Como escreveu
Bento XVI, continua a ser um caminho indispensável para a paz e o
coração dos Direitos Humanos, como dizia João Paulo II. Não é de
admirar que, ainda hoje, seja tão difícil aceitar as suas
consequências.
A marca do Vaticano II não é feita só pelas viragens que fez, mas
pela viragens a fazer, para não voltar atrás. O aggiornamento é algo
que tem de ser continuamente empreendido à luz dos sinais dos tempos
em mudança. Esta perspectiva só foi possível porque a Igreja
abandonou a ideia de ser o centro de tudo. Foi-se descentrando para
Jesus Cristo, para as outras Igrejas cristãs, para as outras
religiões não cristãs e para o mundo, nas suas tristezas, alegrias e
esperanças.
No Vaticano II, foram reencontrados, em plena actualidade, os
caminhos de Deus e do mundo, abertos pelo Baptismo de Jesus e pelo
Pentecostes da Igreja, em banhos do Espírito Santo. |
(1)Cf. Hans Küng, Religiões do Mundo,
Multinova, 2004, p. 208-209. Este autor tem uma vasta obra, em três
volumes, sobre o passado, o presente e o futuro do Judaísmo,
Cristianismo e Islão.
(2)Un candide en Terre sainte, Gallimard, 2008; À Un Ami Isrélien,
avec une réponse d’Élie Barnavi, Flammarion 2010
(3)Le Monde des Religions, Julho-Agosto 2010. |