1. É um conto
exemplar. Muito breve. Chamar-lhe conto até pode ser excessivo, mas
merece ser reencaminhado. Começa assim: Jesus Cristo, cansado do
tédio do Paraíso, onde tem pouco que fazer, resolveu voltar à terra.
Optou pelo Hospital de S. Francisco Xavier, onde viu um médico a
trabalhar há muitas horas e a morrer de cansaço. Para não atrair as
atenções, decidiu ir vestido de médico. Entrou de bata, passando
pela fila de pacientes no corredor, até atingir o gabinete do
médico. Os pacientes viram e comentaram: Olha, vai mudar o turno...
Jesus Cristo entrou
na sala e disse ao médico que podia sair, dado que ele mesmo iria
assegurar o serviço. E, muito decidido, gritou: O próximo! Entrou no
gabinete um homem paraplégico que se deslocava numa cadeira de
rodas. Jesus levantou-se, olhou bem para o homem e, com a palma da
mão direita sobre a sua cabeça, disse: Levanta-te e anda!
O paraplégico
levantou-se, andou e saiu do gabinete empurrando a cadeira de rodas.
Quando chegou ao corredor, o primeiro da fila perguntou: Que tal é o
médico novo? Ele respondeu: Igualzinho aos outros... nem exames, nem
análises, nem medicamentos... Nada! Só querem despachar...
2. Já viajei, por
razões de trabalho, bastante mais pelo país e pelo mundo do que
agora, mas não perdi o gosto de os conhecer cada vez melhor. O
prazer maior das viagens não é só a descoberta dos mundos que
ignoramos, mas sobretudo o encontro com as suas fontes de identidade
e de renovação. Estive em vários países em guerra. Vi muita miséria
e destruição. No entanto, o que sempre mais me ocupou não foram as
dimensões da desgraça, mas as iniciativas para se poder voltar a
viver com esperança.
O que mais desejo
encontrar nos meios de comunicação – talvez como toda a gente – são
revelações do que está a acontecer, em todos os aspectos, no país e
no mundo. Devem saber ver e dar a ver, trazendo alguma luz ao
quotidiano. Como, neste aspecto, era muito raro ter sorte, tornei-me
absentista, procurando outros meios de informação. Julgo que os
infindáveis telejornais, tecidos do princípio ao fim quase só por
desgraças, ao não servirem, com competência a verdade e a liberdade
de informação, acabam por se tornarem agentes de depressão
colectiva. Matam de tal modo a sensibilidade dos telespectadores
que, como diz o Evangelho, já nada os consegue espantar, nem mesmo a
“ressurreição de um morto” (Lc 16, 19-31).
A primeira religião
que conheci era uma mistura de catolicismo azedo e de superstições
locais. Existia para meter medo. Toda a gente sabia histórias
terríveis de aparições medonhas de figuras do mal. Tinha de ir mais
gente para o inferno do que para o céu. No Norte, chamavam aos
pregadores dessa religião, os “padres da vinagreira”. Hoje, de certo
modo, a “religião” dos telejornais e dos seus sacerdotes também
parece que só está interessada em mandar o país para o inferno.
Mesmo quando há sinais de que é possível enfrentar as enormes
dificuldades com que o país se debate, insiste-se em mostrar que não
há saída.
Em sentido muito
próximo, mas num panorama mais vasto e englobante, Mário Soares (DN,
27.04.2010) publicou um notável artigo, onde também achou
fastidiosas e inúteis as comissões parlamentares de inquérito que
têm sido transmitidas em directo pela televisão. Em vez de
prestigiarem o Parlamento, como é importante que aconteça – como
centro da vida democrática que deve ser – estão a desprestigiá-lo. A
sanha persecutória dos deputados-inquisidores não é diferente da
guerrilha partidária desbocada e interminável. Revestindo aspectos
pessoais desagradáveis, cria enfado nos que a seguem, não permite
que se debatam os problemas que afligem os portugueses e só desviam
as atenções.
3. O Padre Timothy
Radcliffe, ex-Mestre Geral da Ordem Dominicana, o homem do diálogo
ecuménico entre as Igrejas cristãs, do diálogo inter-cultural e
inter-religioso, um dos grandes promotores do diálogo no interior da
Igreja católica, não esconde a onda de raiva e de desgosto que as
revelações de abusos sexuais, por padres, têm provocado. Confessa
que recebeu e-mails de pessoas de toda a Europa a perguntar como é
que elas ainda podem permanecer na Igreja. Como ficar?
Num texto muito
pertinente (The Tablet, 10.04.2010) que, aliás, já circula na
Internet em tradução*, explica as razões porque rejeita os apelos ao
abandono da Igreja depois dos escândalos eclesiásticos. Não procura
encobrir, não desculpa, mas ajuda a entender a história da Igreja,
desde os começos, e como se pode e deve trabalhar na sua renovação.
Hans Küng, sem dúvida
um dos mais conhecidos e famosos teólogos do Vaticano II ainda
vivos, com uma imensa obra de investigação e divulgação, companheiro
do Papa na Universidade de Tubinga, não se contenta com criticar o
percurso dos últimos Papas e da Cúria romana. Acaba de fazer
propostas muito concretas para a preparação de um novo concílio. O
texto circula em várias línguas. Há tradução em português da “Carta
Aberta aos Bispos de todo o Mundo” (Publico2, 24.04.2010).
Nem todos, na
sociedade e na Igreja, têm a atitude do paraplégico curado por Jesus
Cristo. |