1. Na Missa do Domingo passado, coube-me ler
uma parábola de Jesus, contada por S. Lucas e que passo a
reproduzir: Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Um
homem rico tinha um administrador que foi denunciado por andar a
desperdiçar os seus bens. Mandou-o chamar e disse-lhe: Que é
isto que ouço dizer de ti? Presta contas da tua administração,
porque já não podes continuar a administrar. O administrador
disse consigo: Que hei-de fazer, agora que o meu senhor me vai
tirar a administração? Para cavar não tenho força, de mendigar
tenho vergonha. Já sei o que hei-de fazer, para que, ao ser
despedido da administração, alguém me receba em sua casa. Mandou
chamar um por um os devedores do seu senhor e disse ao primeiro:
Quanto deves ao meu senhor? Ele respondeu: Cem talhas de azeite.
O administrador disse-lhe: Toma a tua conta: senta-te depressa e
escreve cinquenta. A seguir disse a outro: E tu quanto deves?
Ele respondeu: Cem medidas de trigo. Disse-lhe o administrador:
Toma a tua conta e escreve oitenta. E o senhor elogiou o
administrador desonesto, por ter procedido com esperteza.
Há parábolas do Novo Testamento que parecem guiadas por um
propósito de enervar alguns grupos de ouvintes, em vez de
procurar a sua benevolência como manda a boa retórica. A
intriga, tecida de paradoxos e até de situações imorais, punha
em causa a ortodoxia das rotinas.
Na leitura, fiz de conta que a parábola já tinha chegado ao fim
e que ia começar a homilia. Senti um mal-estar na assembleia.
Através dos meios de comunicação, a nível internacional e
nacional, muitos gestores de empresas e bancos são acusados de
terem lançado muitos milhões de pessoas no desemprego. Vir,
agora, o Evangelho elogiar o comportamento do administrador
corrupto e corruptor, era de mais!
A parábola não tinha chegado ao fim, pelo contrário: De facto,
os filhos deste mundo são mais espertos do que os filhos da luz,
no trato com os seus semelhantes. Ora Eu digo-vos: Arranjai
amigos com o vil dinheiro, para que, quando este vier a faltar,
eles vos recebam nas moradas eternas. Quem é fiel nas coisas
pequenas também é fiel nas grandes; e quem é injusto nas coisas
pequenas, também é injusto nas grandes. Se não fostes fiéis no
que se refere ao vil dinheiro, quem vos confiará o verdadeiro
bem? E se não fostes fiéis no bem alheio, quem vos entregará o
que é vosso?
Finalmente, atirava a matar: Nenhum servo pode servir a dois
senhores, porque, ou não gosta de um deles e estima o outro, ou
se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus
e ao dinheiro.
No missal, o texto acabava realmente aqui, mas omitia o fracasso
de Jesus: Os fariseus, amigos do dinheiro, ouviam tudo isso e
riam-se dele.
2. É verdade que Cristo não se notabilizou na gestão financeira
de qualquer empresa ou banco. Foi, aliás, um grupo de mulheres
que subsidiou o seu projecto (Lc 8, 3) e Judas, a quem estava
confiada a bolsa comum, foi acusado de ladrão… Também não consta
que, hoje, Jesus seja muito invocado nas Faculdades de Gestão e
Economia, mesmo nas Universidades Católicas.
Se, na parábola citada, o administrador corrupto é louvado, não
é por ser corrupto, mas por se mostrar esperto ao ver a sua
posição ameaçada. O que Jesus lamenta é, precisamente, a falta
de esperteza e de audácia dos chamados ao serviço das boas
causas, isto é, os filhos da luz. As boas causas, mal servidas,
ficam desautorizadas assim como os seus caminhos. De boas
intenções está o inferno cheio. A Doutrina Social da Igreja,
carregada de altíssimos e generosos princípios, não tem
encontrado, nos milhares de economistas e gestores católicos – e
empresários – do mundo inteiro e mesmo cá, em Portugal, vontade
de investigar e encontrar alternativas à economia e à gestão que
nos perdem. Porque será que a influência do Evangelho, mesmo nas
Universidades Católicas, não leva os melhores alunos e
professores a estudar e a criar formas de economia e de gestão
que se inscrevam na “luta contra a pobreza e no amor
preferencial da Igreja pelos pobres” de que falou João Paulo II,
em Puebla?
3. Jesus chega ao fim desta parábola com a urgência de uma opção
fundamental para os seus discípulos: Não podeis servir a Deus e
ao Dinheiro. Tinha começado a sua pregação pela resistência
activa à tentação do poder absoluto do dinheiro que comanda a
economia, a política e a religião, o nosso quotidiano.
Quando, porém, a parábola fala de servir a Deus como um
absoluto, não é para fazer dele o rival da felicidade humana nem
para dizer que os bens deste mundo, que se compram e vendem com
o vil dinheiro, sejam um mal. O que a generosidade de Deus não
pode tolerar é que se torne privilégio de alguns o que deve
estar ao serviço de todos. Servir o dinheiro e o que ele
consegue, como um absoluto, é deixar-se escravizar pelos êxitos
que envenenam o mundo, sobretudo pelo comércio das armas e dos
seres humanos.
Não admira que os fariseus, amigos do dinheiro, ao ouvirem tudo
isto, continuem a pensar que Jesus é um ingénuo! |