1. Em Viseu há uma estátua em homenagem ao bispo António
Alves Martins (1808-1882). Foi franciscano, deputado, enfermeiro-mor
no Hospital de S. José, ministro do Reino e bispo de Viseu. Na
referida estátua, é-lhe atribuída a seguinte receita: “A religião
deve ser como o sal na comida: nem muito nem pouco, só o preciso”.
S. Mateus (6, 7-8) atribui a Jesus um
conselho que não está longe deste bispo: Nas vossas orações não
useis de vãs repetições, como fazem os gentios, porque entendem que
é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos. Não sejais como eles,
porque o vosso Pai sabe do que tendes necessidade antes de lhe
pedirdes.
Os discípulos não gostaram muito desta
atitude. Jesus afastava-se para rezar, mas eles queriam competir com
outros grupos religiosos que tinham os seus métodos de oração e não
havia maneira de Jesus lhes oferecer algo que pudessem repetir.
Quereis rezar? Rezai com insistência, mas só para vos abrirdes ao
Espírito Santo, o grande desestabilizador (Lc 11, 1-13). S. Paulo
dá-lhe razão, ninguém sabe pedir com acerto, só o Espírito entende
os caminhos de Deus (Rm 8, 26-27).
O recato e a sobriedade de Jesus nunca foram
bem aceites. Os cristãos não abandonaram os salmos da Bíblia
hebraica, muitos deles de grande beleza poética e energia religiosa,
outros, insuportáveis pelo seu rancor e vontade de vingança.
Época após época e segundo os contextos
culturais absorveram e inventaram novos métodos para “manipular a
divindade”. Os grandes místicos não paravam nessas estações e
apeadeiros das orações e ansiavam pela contemplação silenciosa.
Todas as religiões têm místicos, mas são sempre raros. Muitas delas
preferem encontrar intermediários para meter cunhas junto de Deus.
No campo católico, nossa Senhora, “mãe de
Jesus e nossa mãe”, foi sempre considerada a mais bem situada para
medianeira de todas as graças. Por isso, a música e a poesia
marianas, em tropários, ladainhas, hinos, rosários e promessas,
nunca abandonaram católicos e ortodoxos. Os santos foram sempre mais
regionais e de grupo, salvo Santo António que serve para tudo, para
todos e em qualquer lugar com ou sem franciscanos.
2. Os monges que viviam em comunidades de
oração e trabalho (ora & labora) como, por exemplo, os beneditinos,
compuseram Livros das Horas, colecção de textos, orações e salmos,
muitas vezes acompanhados de belíssimas iluminuras que depois
tiveram versões mais práticas e portáteis, os Breviários. Tudo isso
era em latim. Para os analfabetos e para o povo, o importante era
arranjar devocionários que servissem para pautar a oração, pregada e
meditada, dos mistérios cristãos. Entre outras, a devoção do
Rosário, divulgada pelos dominicanos, foi a que teve mais êxito.
Ainda no século XX, Nossa Senhora apresentou-se, em Fátima, como a
Senhora do Rosário, recomendando, mais uma vez, esta devoção.
Os tempos mudam, as mentalidades e as
sensibilidades também. As religiões – umas mais do que outras – não
fogem a esta lei. Para uns é um sinal de decadência, para outros,
uma nova oportunidade, uma esperança.
Uma máxima de Romano Guardini (1885-1968) –
um grande pensador católico que muito reflectiu sobre o espírito da
oração e da liturgia – tornou-se a referência obrigatória: “Não se
pode ser cristão sem rezar da mesma maneira que não se pode viver
sem respirar”.
Michel Quoist, com os Poemas para Rezar,
traduzidos em muitas línguas, mais do que uma recomendação, eram um
recurso, individual e de grupo, substituindo salmos e velhas
devoções cansadas.
Com a reforma litúrgica – oficializada no
Vaticano II –, com a tradução para vernáculo dos seus textos, com
novas expressões musicais, o panorama mudou de forma diferente,
segundo os países, sem falar das cançonetas que invadiram as Missas
ao som da viola mal tocada. Com o tempo, surgiram alternativas de
grande qualidade como as criações do dominicano André Gouzes, o
artesão de uma renovação do canto litúrgico. A Liturgia coral do
povo de Deus é um corpo litúrgico de mais de 3 mil páginas em
francês, traduzido e editado em numerosas línguas, enraizado e
renovado nas mais autênticas tradições musicais do cristianismo
(canto gregoriano, polifonia antiga, coral protestante e modalidade
bizantina).
A oração da Comunidade de Taizé, pela
qualidade dos textos, pela beleza da música, pela simplicidade
ritual, criou um clima espiritual onde milhares de jovens de muitos
países, ano após ano, descobrem o gosto do silêncio, da oração e da
partilha.
Sem falar das “Oficinas de Oração e Vida”,
criadas pelo capuchinho Ignácio Larrañaga, em 1984, para ensinar o
povo a rezar, importa saudar também a renovação do Apostolado da
Oração, promovido pelos jesuítas, com o projecto
www.passo-a-rezar.net. Procura adaptar a proposta de oração
pessoal às circunstâncias da vida de todos os dias e à exigência de
mobilidade que a caracteriza.
A oração nasce do encontro com o sentido da
vida. A magia não é a lei da sua eficácia. Para ser contemplativo
na acção, não é necessário multiplicar as orações. É preciso
deixar-se desarmar diante de Deus e do mundo, deixar-se surpreender
pela sua graça e pela sua beleza. |