John E.
Fetzer (1901-1991), pioneiro na construção de meios de
comunicação, onde enriqueceu, fundou o Instituto Fetzer, com
sede em Kalamazoo (Michigan), com a missão de “promover a
consciência do poder do amor e do perdão na comunidade global
emergente, baseado na convicção de que os esforços para abordar
as questões importantes, no mundo, devem ir além das estratégias
políticas, sociais e económicas, para atingir as raízes
psicológicas e espirituais”.
O Prémio
TED (Tecnologia Entretenimento e Design) surge como um evento,
sem fins lucrativos, dedicado às “Ideias que vale a pena
divulgar”. Desde 2005, com o apoio do Instituto Fetzer, reúne,
em conferência anual, os mais fascinantes pensadores e
realizadores do mundo que são desafiados, durante 4 dias, a uma
viagem pelo futuro. São atribuídos prémios a três pessoas
excepcionais que, em 18 minutos, apresentem “Um Desejo para
Mudar o Mundo”.
Em 2008, a
escritora inglesa, Karen Armstrong (1944-), recebeu este Prémio
por ter lançado, com base na “Regra de Ouro”, tanto na sua
formulação positiva como negativa, central em todas as religiões
– quase sempre apresentadas como focos de guerras –, o desejo e
o projecto daquilo que veio a ser a “Carta da Compaixão”. A
participação global – pessoas de todas as nações, origens e
credos –, no processo aberto da sua redacção, era um ponto de
partida e uma exigência essencial. E assim aconteceu. Com esse
método, a “Carta” consegue transcender as diferenças religiosas,
ideológicas e nacionais para se tornar num instrumento de
mobilização global.
2.
A “Regra de Ouro” que K. Armstrong descobriu, com espanto, no
coração das diferentes tradições religiosas, éticas e
espirituais – embora formulada com pequenas diferenças e
explicitada de várias maneiras na sua intervenção – costuma
exprimir-se de forma negativa: não faças aos outros o que não
desejas que outros te façam e, de forma positiva, faz aos outros
o que desejarias que os outros te fizessem (1).
É este
princípio que serve de guia a toda a “Carta da Compaixão”. As
palavras dependem muito do seu uso e a “compaixão” evoca, para
algumas pessoas, aquilo que, precisamente, não querem dos
outros, isto é, comiseração, pena, situação de coitadinhos ou
coitadinhas. Não entrando pela via do sentimentalismo e sem
recorrer às etimologias que tem nas diferentes línguas, a
compaixão não é, apenas, a recusa da indiferença.
Impele a trabalhar, sem descanso, para aliviar o sofrimento do
próximo, a destronar o nosso eu do centro do mundo, para aí
colocar os outros. Ensina-nos a reconhecer o carácter sagrado de
cada ser humano e a tratar cada pessoa, sem excepção, com
respeito, equidade e absoluta justiça.
A Carta
convoca todos os homens e mulheres a recolocar a compaixão no
centro da moral e das religiões, a retomar o antigo princípio de
que são ilegítimas todas as interpretações das Escrituras que
geram violência, ódio ou desprezo, a garantir aos jovens
informações precisas e respeitosas acerca das outras tradições,
religiões e culturas, a incentivar uma visão positiva acerca da
diversidade cultural e religiosa, a cultivar uma inteligência
compassiva perante o sofrimento de todos os seres humanos, mesmo
dos considerados inimigos.
3.
Esta Carta não pretende lançar uma nova organização. Já existem
centenas, em todo o mundo, a trabalhar, incansavelmente, em nome
da compaixão e do diálogo não só inter-confessional, mas
envolvendo todas as pessoas de boa vontade. O seu objectivo é
fazer ressaltar o esforço de todos esses grupos e movimentos
para aumentar a visibilidade do seu trabalho e torná-los
contagiantes. A Carta pretende mostrar, de forma activa, que a
voz do negativismo e da violência, muitas vezes associada à
religião e às religiões, é apenas de uma minoria e que a voz da
compaixão é, pelo contrário, a voz da grande maioria.
Em
Portugal, como em muitos outros espaços, apanhámos o comboio em
andamento, sem participar na elaboração desse pequeno e precioso
texto sobre uma nascente escondida na floresta das grandes
religiões, das grandes elaborações morais, muitas vezes ocupadas
e preocupadas com discussões sem fim acerca de construções
doutrinais e esquecidas do coração da vida. Que fazer para lhe
imprimir uma dinâmica que envolva pessoas, grupos, organizações
e movimentos para colaborar em tudo o que os une, respeitando e
reforçando as diferenças que exprimem uma abundância de vida e
de vontade na transformação do mundo? |