Frei Bento Domingues, o.p.

 

 

Para além de Messias
e de Bodes Expiatórios

Público, Lisboa, 09.02. 09

1. A famosa interpelação de John F. Kennedy – “não perguntes o que pode o teu país fazer por ti; pergunta, antes, o que podes tu fazer pelo teu país” –, de tão repetida, parece uma pieguice moralista. É, no entanto, a mais alta questão política e a máxima mais concreta e adequada para o exercício da cidadania.

Poderá servir, também, para nos irmos curando de ancestrais alienações polarizadas pela sucessão de pseudo-messias e de bodes expiatórios. Os grandes impulsos messiânicos e revolucionários são indispensáveis como momentos de ruptura, mas, sem uma consciência vigilante, desaguam facilmente em frustrações e no descrédito niilista.

Hoje é Domingo e sopram ventos de esperança na primeira leitura da Missa. Foi tirada do profeta Jeremias (Jr 23, 1-6). Não fica pela lamentação ritual, perante a situação do povo explorado pelos seus guias, nem deixa o futuro completamente às escuras: “Dias virão, diz o Senhor, em que farei surgir para David um rebento justo. Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria; há-de exercer, no país, o direito e a justiça. Nos seus dias, Judá será salvo e Israel viverá em segurança. Este será o seu nome: O Senhor é a nossa justiça”.

2. É da competência da exegese histórico-crítica estudar esse texto com outros semelhantes, no seu primeiro contexto e nas suas metamorfoses. Aqui, está enquadrado numa liturgia cristã, numa leitura cristológica do Antigo Testamento, destinada a interpretar a missão de Jesus Cristo (Messias), o desabrochar do rebento da promessa.

A segunda leitura, tirada da escola de S. Paulo (Ef 2, 13-18), procura convencer os seus leitores, com uma ousadia que nos espanta, de que a realização da promessa excede tudo o que se poderia esperar: “Cristo Jesus é, de facto, a nossa paz; foi ele que fez de judeus e gregos um só povo e derrubou o muro da inimizade que os separava, anulando, pela imolação do seu corpo, a Lei de Moisés com as suas prescrições e decretos. Assim, de uns e outros, fez em si próprio um só homem novo, estabelecendo a paz”.

Passados dois mil anos, que é feito de tanta euforia? Onde está esse mundo sem inimizade, de união universal? Não será tempo, como escreveu George Steiner, de recusar qualquer tipo de messianismo, seja ele judaico ou cristão? Este autor cedeu à ideia de uma realização mágica do messianismo que teve e tem muitas versões e ritmos. Mas, se renunciarmos à esperança de fazer do mundo uma fraternidade universal, que andamos a fazer?

3. Na Caritas in Veritate de Bento XVI – que tem ausências graves como denunciou o Movimento “Nós Somos Igreja” – há uma passagem que, para uns, será pura utopia e, para outros, uma intromissão no campo político para o qual ele não tem nenhum mandato nem divino nem humano. No entanto e com razão, é essa a passagem mais destacada por todos os comentadores: “Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso – mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial – a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações. De igual modo, sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para implementar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto revela-se necessário precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e económico que incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise, de modo a prevenir o agravamento da mesma e, em consequência, maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios, urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João XXIII” (67).

O texto do Evangelho deste Domingo (Mc 6, 30-34) também não fala de um mundo construído por golpes de magia. Jesus convocou e enviou os seus colaboradores por toda a parte. Ao conferir com eles o trabalho realizado, notou que estavam todos exaustos: “Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco. De facto, havia sempre tanta gente a chegar e a partir que eles nem tinham tempo para comer. Partiram, então, de barco para um lugar isolado, sem mais ninguém. Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar e chegaram lá primeiro do que eles. Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-se de toda aquela gente, que eram como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas”.

O Reino de Deus é fruto da sua graça, mas não substitui a lentidão da natureza e da história, sem data para a sua conclusão, nem os sobressaltos incontroláveis da liberdade humana. Não perguntes o que pode Deus fazer pelo mundo; pergunta, antes, o que andas tu a fazer pelo mundo de todos (Mt 25, 31ss).

 
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