O Novo Testamento (NT), no estado em que o
conhecemos, foi escrito em grego e aproveitou a boleia da tradução
da Bíblia para o grego, feita em Alexandria, antes do movimento
cristão, ficando conhecida como “A Versão dos Setenta” (sábios).
Contra o eterno retorno do mesmo, manteve a concepção linear do
tempo, um sentido positivo para a história colectiva e individual da
aventura humana, apoiada na fidelidade de Deus às suas promessas,
apesar de todas as catástrofes.
São essencialmente três as noções de tempo que
tecem os textos do NT. O tempo-duração (aiôn) designa a experiência
da continuidade da vida, desde o nascimento até à morte. Ao incluir
uma Presença divina no fluxo do tempo, sugere algo de eterno, “pelos
séculos dos séculos”. O tempo-sucessão (khronos) designa um espaço
determinado de tempo, mais breve ou mais longo, delimitado, “naquele
tempo…”. O tempo-qualificado (kairos) significa um ponto crítico ou
o bom momento, o tempo favorável de que é preciso tirar partido, a
ocasião a não perder, a salvação. Só com vigilância e oração é
possível reconhecer os “sinais do tempo”.
Apesar disso, o começo (arkhe) e o fim (telos)
são as referências supremas do tempo-qualificado. Permitem unificar,
sob a acção de Deus criador e juiz, a multiplicidade sucessiva das
gerações humanas. Com Cristo, no entanto, “o fim dos tempos veio até
nós”. Daí que o verdadeiro tempo seja “hoje”, o toque do eterno na
sucessão dos tempos.
2. Quando, no Domingo passado, destaquei, na
Missa, que estávamos a começar o Advento, um miúdo – que não aprecia
o retorno do mesmo – lembrou-me que eu já tinha dito isto no ano
passado. Esta observação crítica levou-me aos sermões de S. Bernardo
(século XII) que fala de um tríplice Advento. Entre a primeira e a
segunda vinda de Cristo, entre o Natal e o fim do mundo, o Senhor da
história está sempre a vir até nós na sua palavra, nos sacramentos,
nos acontecimentos, na voz da consciência. Pelo seu Espírito, faz da
nossa vida a sua verdadeira e permanente morada (Jo 14, 23). Neste
sentido, a “Parusia”, a presença do Senhor que vem, está sempre a
acontecer: é Aquele que vem, que veio e que virá.
Este vocabulário tem vantagens e inconvenientes.
Vantagens, ao dizer que não estamos ligados a um Deus parado numa
vida parada, em clausura, mas no movimento do mundo. Inconvenientes
porque, na vida, nem tudo depende só de Deus que não se sente nada
honrado com a desvalorização da criatividade humana.
3. O Advento, preparação do Natal, começa mais
cedo nos centros comerciais do que nas Igrejas. Este ano, afectado
pela crise mundial que lançou milhões no desemprego, não se fala
tanto de febre consumista, mas da urgência de solidariedade que
ainda não conseguiu encher de vergonha aqueles que se enchem com a
crise e nem levar os gestores da banca e das empresas privadas e
públicas a repartir os seus salários escandalosos.
Ao dar corpo à esperança, a solidariedade faz
parte da luta contra o desespero, abre o futuro. Não se perde em
discussões estéreis e exibicionistas de prós e contras nem na
contabilidade da crescente desgraça que esquece a miséria em que os
mais velhos nascemos. Certos meios de comunicação estão tão marcados
pelo pensamento binário, de ataque e defesa, que perderam a
capacidade de olhar para aquilo que, no presente, em vários
domínios, já anuncia outras possibilidades de futuro, o advento do
novo, do que nunca existiu. O Advento é o alimento da esperança
porque não nos deixa atolados na situação presente. Convoca as
energias escondidas e recalcadas pela exclusiva exibição quotidiana
do que há de pior nas pessoas e na sociedade. Neste sentido, os
antigos textos do profeta Isaías, lidos nas celebrações da passada
semana, podem parecer delirantes. Falam da conversão de espadas em
relhas de arado, do lobo a viver com o cordeiro, do jantar preparado
para todos os povos, enxugando as lágrimas e destruindo a morte para
sempre. As palavras não dizem só o que é. Alimentam-se do desejo, do
sonho, das possibilidades mais reais do que as reduções ao puramente
empírico.
Pode parecer escandaloso que, no Advento, a
Igreja mantenha uma semana consagrada à exaltação da alegria sem
carpideiras. A concepção cristã da alegria resulta da recusa da
indiferença e da opção pela compaixão activa. O caminho cristão não
é o da dor e do sofrimento, mas do alívio da dor e do sofrimento. É
sempre um cuidar de.
A alma do Advento é a fé de quem não se resigna,
o amor de quem acredita na solidariedade, a esperança de quem, mesmo
perante o horizonte mais escuro, resiste, mas não dispensa a
companhia dos poetas, dos sonhadores e da música. |