Como nasceu a universidade? O Papa foi convidado a falar na Universidade de Roma "La Sapienza", na cerimónia de abertura do ano académico. Em nome da defesa da laicidade, alguns professores e alunos protestaram.
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BENTO DOMINGUES, O.P. .......................Público, Lisboa, 25.01.2008 | |
1. O clericalismo e o laicismo são duas formas de fanatismo que se alimentam com o medo da verdade do outro, com o medo de que o outro possa ter razão. O Papa foi convidado a falar na Universidade de Roma "La Sapienza", na cerimónia de abertura do ano académico. Em nome da defesa da laicidade, alguns professores e alunos protestaram. Bento XVI, face à situação, preferiu anular a visita. O discurso acabou por ser lido por M. Marietti, suscitando nos docentes, investigadores, pessoal administrativo e estudantes um concerto de aplausos. O reitor da universidade, Renato Guarini, no seu discurso de abertura, renovou o convite ao Papa. Segundo ele, uma universidade tem o dever de continuar livre, tolerante e aberta. Houve, depois, uma grande manifestação de desagravo na Praça de S. Pedro. Mas não é isso que tem importância. Decisiva é a questão de fundo: em nome da laicidade, uma universidade italiana - fundada, aliás, por um Papa - será obrigada a recusar o diálogo com uma das correntes mais constantes da tradição europeia? Como observou o matemático judeu Giorgio Israel, "é surpreendente que quem escolheu como lema a célebre frase atribuída a Voltaire - "lutarei até à morte para que tu possas dizer o contrário do que eu penso" - se oponha a que o Papa pronuncie um discurso na Universidade de Roma". Bento XVI começava o seu discurso, precisamente, com a pergunta: o que é que pode e deve dizer um Papa numa ocasião destas? Foi convidado como bispo de Roma - que tem responsabilidades em relação a toda a Igreja católica - para uma universidade que já não é do Papa. Não esqueceu, porém, que este se foi tornando uma das vozes da razão ética da humanidade. Nesta pergunta aparentemente pouco devota - mas que, em Sócrates, derivava de uma religiosidade mais profunda e mais pura, ou seja, da busca do Deus verdadeiramente divino - os cristãos dos primeiros séculos reconheceram-se a si mesmos e ao seu caminho. Acolheram a sua fé, não de forma positivista ou como a via de fuga de desejos não realizados, mas como uma diluição da neblina da religião mitológica, deixando espaço à descoberta daquele Deus que é Razão criadora e, ao mesmo tempo, Razão-Amor. Por isso, ao interrogar-se da razão sobre o Deus maior e também sobre a verdadeira natureza e o autêntico sentido do ser humano, era para eles, não uma forma problemática de falta de religiosidade, mas fazia parte da essência do seu modo de serem religiosos. Por conseguinte, eles não tinham necessidade de diluir ou abandonar o questionamento socrático, mas podiam, aliás deviam, acolhê-lo e reconhecer, como parte da sua própria identidade, a árdua busca da razão para alcançar o conhecimento da verdade inteira. Assim podia, aliás devia, no âmbito da fé cristã, no mundo cristão, nascer a universidade. |
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