entre política e religião |
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BENTO DOMINGUES, O.P. .................................Público, Lisboa, 23.04.2007 | |
Paul Valadier, um conhecido filósofo jesuíta, a propósito da sua última obra sobre a "fraqueza do político e a força do religioso" (1), observa que a relação entre religião e política não é estática e nunca estará definitivamente resolvida. A distinção entre ambas é de origem cristã. Ninguém se atreve a dizer que a distinção entre César e Deus, entre o temporal e o espiritual, entre política e religião, não seja libertadora. Quem ousará defender, explicitamente, a teocracia? Esta ruptura é benéfica para o poder político porque evita que ele se feche sobre si mesmo de forma totalitária. É benéfica também para a Igreja porque a obriga a uma autodelimitação. Mas só a cegueira ideológica não vê as fraquezas de um regime de total "separação". Não acabará por marginalizar as religiões, subestimando a sua importância na vida social de muitos cidadãos que encontram nelas fonte de empenhamento e de esperança e tornar anémicas as próprias democracias? Estas não dispõem, por si mesmas, de recursos suficientes para enfrentar os riscos da mundialização, gerar a paz e gerir as questões de sociedade que têm a ver com as crenças e as opiniões dos cidadãos. A filosofia democrática e a moral laica estão um pouco gastas. O progresso não traz, por si mesmo, a paz. A escola não basta para erradicar a violência e a malícia humanas. Os discursos não conseguem nenhuma reforma dos corações. Segundo Valadier, a democracia francesa, em particular, não sabe como ser tolerante e republicana, não sabe o que fazer com o islão, não sabe como assumir a tradição da Europa. Por outro lado, a religião é muito mais e está muito melhor do que aquilo que alguns ignorantes dizem acerca dela. No caso da religião cristã, que outrora foi factor de guerras civis, encontra-se, hoje, numa dinâmica ecuménica e de paz movida pelo sinal da unidade do Pentecostes em vez da uniformidade totalitária de Babel. O essencial da mensagem cristã sobre a política é a sua relativização: impedir o seu absolutismo e tornar-se uma defesa contra toda a forma de totalitarismo. Os grandes debates sobre a sociedade desvendam valores que a democracia é incapaz de fundar por si mesma e que dizem respeito às próprias crenças dos cidadãos. 2.Jesus anunciava o Reino de Deus - que não entra em competição com o reino dos homens - no qual a autoridade não se exerce à maneira dos senhores deste mundo. Funda, ao lado da política, uma comunidade própria, com regras distintas daquelas que regem a política. O amor dos inimigos e o perdão não são virtudes políticas enquanto tais. A "anormalidade" cristã consiste, precisamente, na coexistência destes dois reinos e na convicção de que o Reino de Deus, sem se substituir ao reino dos homens, está secretamente presente nele. As questões que actualmente se levantam implicam não apenas a distinção entre teologia e política, mas a sua inevitável articulação. Haverá sempre fricções entre religião e política e não se vê como poderia ser de outra maneira. Mas esta tensão é benéfica. Evita que o Estado se reduza a um papel tecnocrático, de pura gestão, e que, por outro lado, a Igreja se feche no culto e na sacristia. O laço entre religião e política é tão forte que o cristianismo tem muita dificuldade em se desfazer dele. Mas o Concílio Vaticano II consagrou a ideia da autonomia do político e afastou qualquer tentação teocrática. Reconhece à Igreja um papel de fecundação dos espíritos e das liberdades, mas recusa a tomada do poder político. Paulo VI tirou, corajosamente, as consequências desta opção. |
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(1) Faiblesse du Politique, Force du Religieux, Paris, Seuil, 2007. Cf. o dossier "L"Engagement Politique", Lumière & Vie 273 (2007) | |