O Prémio Michael Ramsey 2007 foi atribuído à melhor obra de teologia, no Reino Unido, What Is the Point of Being A Christian? (2005). O seu autor é um católico romano, um dominicano, Timothy Radcliffe. Nasceu em 1945, ensinou exegese bíblica na Universidade de Oxford e foi Mestre Geral da Ordem dos Pregadores de 1992 a 2001. Tornou-se conhecido internacionalmente pelas suas análises e tomadas de posição – corajosas e livres, abertas e enraizadas na grande Tradição – sobre a sociedade contemporânea, a situação da Igreja, assim como sobre a vida cristã e a vida religiosa. Actualmente, membro da comunidade dominicana de Oxford, emprega grande parte do seu tempo a ensinar e a pregar em numerosos países. Já passou pelo nosso, mas tirando a tradução de alguns textos, pelas Monjas Dominicanas do Lumiar – com uma divulgação caseira –, a sua obra é praticamente desconhecida em Portugal. Tem um êxito muito grande no âmbito da língua inglesa, assim como em França e no espaço linguístico espanhol.
Não podemos pensar a religião em termos de utilidade como o título, algo coloquial, deste livro poderia sugerir. Seria reduzi-la a mais um produto da sociedade de consumo. É verdade que não se compreende como se gasta tanto engenho para vender um detergente, uma margarina, um bronzeador, e tão pouco cuidado há em preparar uma leitura da Missa, uma homilia, a celebração litúrgica de um baptizado, um casamento, um funeral, para não falar da maçada que é a maioria dos produtos catequéticos, teológicos e exegéticos. Ouvi dizer ao Decano de uma Faculdade de Ciências da Informação que, num mundo marcado pela publicidade, os comunicadores da doutrina cristã deveriam esforçar-se mais pela sua apresentação atraente do que pela formulação do seu conteúdo, supondo ele, à partida, que este é da melhor qualidade.
2. No livro premiado, T. Radcliffe, ao tentar responder à pergunta – “Ser cristão, para quê?” –, não se situa na onda utilitarista dos comerciantes de religião nem cai na simplista e enganadora distinção entre forma e fundo. Procura mostrar, com muito humor, o que o cristianismo tem de especial para os nossos contemporâneos no modo de encarar a existência humana e de a viver. Passando em revista um conjunto de temas polémicos e fracturantes, convida a manter a boa distância em relação à cultura dominante e a inscrever, no mundo de hoje, algo de original.
Os temas, embora convergentes, são muito variados: a esperança e a sua manifestação na vida do cristão; a liberdade como aprendizagem da espontaneidade; a alegria e o seu efeito pacificador; a coragem como a virtude de que a Igreja tem mais necessidade; o corpo e a sexualidade; o amor e a busca da verdade; a unidade e a comunhão entre as pessoas; a gestão das divisões e dos conflitos; a forma de ultrapassar a polarização, na Igreja, entre católicos de várias tendências; o trabalho, o lazer e a celebração do “dia do Senhor”; o repouso em Deus como promessa e convite a andar à vontade, a estar “em casa” neste mundo.
Tenta orientar o olhar para o infinito mistério de Deus, centro que está em todo o lado e cuja circunferência não está em lado nenhum. Ao fazê-lo, testemunha um Deus, casa de todos, donde ninguém é excluído, e desafia a Igreja a tornar-se um lugar de liberdade, de coragem, de alegria e de esperança. Será dessa maneira que os cristãos poderão mostrar a originalidade e actualidade da sua religião.
3. Quem já teve o prazer de o ouvir em pregações e conferências, ou de o ler, descobre uma imaginação prodigiosa alimentada por uma cultura literária, social, filosófica e teológica que nos faz caminhar, continuamente, de surpresa em surpresa, fazendo da fé cristã uma viagem ecuménica, intercultural e inter-religiosa, verdadeiramente católica, isto é, inscrita numa tradição particular, mas aberta a tudo e a todos. Nada do que é humano e divino lhe é estranho.
A sua linguagem é a de um poeta. Os caçadores de heresias estarão sempre incomodados com o seu modo descontraído de procurar o que se perdeu e de abrir o futuro sem o desenhar. Sustenta que, para ser convincente, a Igreja deve ser um lugar de compaixão e de compreensão mútua, de alegria e de liberdade. A maneira de viver dos cristãos deve provocar e intrigar, deve levar as pessoas a perguntar-se: que sentido dão eles à sua vida? Mas quem poderá acreditar no que dizem, quando se apresentam como pessoas medrosas ou arrogantes, que têm medo do mundo, dos outros e se transformam em fanáticos, em ameaça para os discordantes?
Nos primeiros tempos dos Dominicanos, não se podia pregar sem a “graça da pregação”. Em Timothy, esse dom faz descobrir, com muita graça, a profundidade de Deus no nosso quotidiano. |