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BENTO DOMINGUES, O.P. .................................Público, Lisboa, 29.1.2006 | |
1. Foi celebrada, ontem, a festa litúrgica de S. Tomás de Aquino (1224/5-1274). Não gosto de deixar estas crónicas insensíveis a esta data. De tanto e com tanto prazer ter frequentado a sua obra, ficou-me para sempre colado à pele. Ele assumiu, na Cristandade, algumas posições que ainda hoje são perturbadoras para certos católicos. Destaco apenas algumas acerca da consciência, do conhecimento de Deus, da fé teologal e da essência do Evangelho. O juiz supremo da acção humana é a consciência pessoal, embora cada um esteja obrigado a informar-se cuidadosamente antes de tomar decisões. Tenha-se em conta que, para S. Tomás, a verdade reside na razão. Ninguém deve viver contrariamente àquilo que o próprio espírito lhe propõe como verdade. E quando uma pessoa vive segundo a verdade - afirmada como tal pela própria consciência -, Deus não a pode condenar, mesmo que esteja no erro. Para este dominicano, não é evidente que Deus exista. E, depois, sabe mais como Deus não é do que como Ele é. Quem esquecer este aviso, que vem logo no começo da Suma Teologica, arrisca-se a pensar que vai ficar a compreender, por meio de todas aquelas argúcias, o incompreensível. Por outro lado, quem acredita, com fé teologal, não é nos artigos do Credo que acredita. Adere, na noite, ao mistério inabarcável de Deus. Na lei da nova aliança, no Evangelho, lei do amor e da liberdade, o valor supremo - aquilo em que consiste todo o seu poder - é a graça do Espírito Santo. Tudo o resto é secundário. E é esta a idade do Espírito de Cristo e da nossa responsabilidade. De forma intencional, num parágrafo de dez linhas, Guilherme repete oito vezes o adjectivo latino novus para marcar o seu próprio espanto e o sentido de uma obra colossal. Como diz o grande medievalista M. Dominique Chenu - um teólogo condenado, em 1940, pela sua aventura teológica -, conteúdo e método, espírito e técnica, princípios e conclusões, estilo e inspiração, todos os elementos desta alta ciência de Deus concorrem para manifestar um novo tipo de teologia, num contexto de mutação social, cultural, político, eclesial. Todos os sucessores de Leão XIII retomaram, com redobrado entusiasmo, esta orientação e está, agora, incorporada no Código de Direito Canónico (can. 252). Paulo VI, dirigindo-se, em 1964, aos alunos e professores da Pontifícia Universidade Gregoriana, abordou a presença do Doutor Angélico no Vaticano II, nestes termos: "É a primeira vez que um concílio ecuménico recomenda um teólogo e este é S. Tomás." No entanto, Tomás de Aquino manteve-se incendiário nos grandes obreiros da renovação da teologia católica e do Vaticano II: Joseph Lagrange, J. Maréchal, D. Chenu, Y. Congar, H. De Lubac, K. Rahner, E. Schillebeeclx, H. Küng, etc. Mas, ao ser convocado, pelo Santo Ofício, para ser bombeiro, encontrou comentadores que não entenderam o papel que ele desempenhou na Idade Média nem os desafios do nosso tempo e impediram a liberdade da prática teológica na Igreja. Quem procura respostas prontas e para tudo na obra de S. Tomás esquece, como já lembrámos, o aviso que nos deixou no início da Suma Teologica: não ia procurar saber como Deus é, mas sobretudo como Ele não é. Isto significa que todas as suas propostas de inteligibilidade estão marcadas pela chamada "teologia negativa" ou apofáctica do Pseudo-Dionísio, o Aeropagita: Deus é conhecido como infinitamente desconhecido. A fé é, por isso, uma impossibilidade de parar na viagem. Saiu a primeira carta encíclica de Bento XVI: Deus caritas est. Tudo no seu lugar, como num artigo de enciclopédia. Não se destina a fazer estremecer um mundo, onde os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. |
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