|
|
BENTO DOMINGUES, O.P. .............................Público, Lisboa, 11.06.2006 | |
1. Fins de Maio e princípios de Junho é o tempo das maiores colheitas de livros de todo o género. É feita em função da Feira do Livro que não está situada, por acaso, antes das férias. Os livros da área religiosa têm, além disso, bons momentos no Natal e na Páscoa, por motivos óbvios. Não são todos a favor nem todos contra. Muitos deles, e não dos menos famosos e vendidos, não se revêem nos dogmas das religiões. Alguns divertem-se a desafiá-los, socorrendo-se do prestígio das ciências, mesmo quando as invocam em vão. Isto para não falar da proliferação das publicações de espiritualidades esotéricas com grande espaço para a nebulosa da New Age. Num texto notável, tanto do ponto de vista informativo como de interpretação (PÚBLICO, 08/06/06), Paulo Mendes Pinto*, historiador das religiões e professor na Universidade Lusófona, contextualizou este fenómeno, mostrando até que ponto não apenas constitui uma fuga aos movimentos/igrejas convencionais ou tradicionais como exprime uma fácil deambulação entre credos e filiações, revelando também a criação de uma atitude de pesquisa individual. Mas o êxito editorial, de alguns títulos famosos, não é só o resultado da "erosão das identidades religiosas", das "religiosidades difusas" ou do aparecimento do "turista religioso". Há ainda outra razão: a ignorância. Quantos, por exemplo, saberão a que correspondem alguns dos feriados religiosos de que gozamos durante o ano e que vamos desfrutar na próxima semana? Como observa o autor, "até há duas ou três gerações, quase toda a população tinha uma cultura religiosa mínima que advinha da obrigatoriedade da catequese no sistema de ensino. Era uma cultura facciosa, pobre, não especulativa. Mas neste momento ela simplesmente não existe. (...) O actual mundo de fundamentalismos religiosos é, em grande parte, alimentado por esta massificação da incultura religiosa". Não haverá, porém, nos best-sellers, que mês após mês, ano após ano enchem o mercado, um contributo romanceado para o conhecimento das religiões? É um engano, responde P. Mendes Pinto. As visões romanceadas, mas tidas como verdadeiras por muitos leitores, são essencialmente fundamentalistas porque apresentam o mundo das religiões em tons altamente contrastados: uns são bons, outros são maus. Nesta mecânica demonizante de parte da realidade, a simplicidade dá lugar ao simplismo. Longe de se estar a evoluir para um mundo com uma compreensão crítica sobre as religiões, cimentada na reflexão e no rigor, estamos a caminhar para uma crescente postura de anulação da tal individualidade que esteve na base deste surto bibliográfico. Tudo é tão simples, tão óbvio, tão elementar, que o leitor simplesmente lê, acredita e reproduz. Hoje, no entanto, quero continuar com P. Mendes Pinto, já não com o artigo referido, mas com o seu estudo sobre a situação do conhecimento das religiões em Portugal (2). Como ele diz, entre nós, o estudo dos fenómenos religiosos, na sua complexidade e na sua teia de implicações sobre a mentalidade e cultura das sociedades, torna-se de dia para dia mais urgente. Não é apenas mais um livro sobre as religiões. Apresenta a história, os textos e as tradições essenciais do hinduísmo, judaísmo, budismo, cristianismo, islão, fé bahá"í - e a sua situação histórica e numérica em Portugal -, assim como textos canónicos do Mediterrâneo Antigo. Com a bibliografia, o conjunto soma 879 páginas, em papel "bíblia" e capas duras. É uma beleza para os olhos e um regalo para a inteligência pelo cuidado científico. É uma história e uma antologia representativa, com supervisão institucional de personalidades das respectivas religiões. Não é difícil admitir que qualquer uma das apresentadas nesta obra pode considerar que é muito mais do que o retrato que encontrou. Verificar, porém, que não desfiguraram o seu rosto já não é nada pouco. As religiões gostam de se ver ao espelho como muito belas e desgostosas com o mau-olhado dos adversários ou críticos. Quando julgam que o olhar dos outros é incompetente ou maldoso, tendem a reforçar a sua apresentação sem mancha nem ruga. Há um outro caminho: promover a sua imagem polifacetada, com luzes e sombras, ao longo da história e na actualidade. Este devia ser um livro de cabeceira para os que não desejam dormir sobre a ignorância acerca da religião, da irreligião, própria ou dos outros. Quem acredita que a festa da Santíssima Trindade celebra, hoje, a máxima unidade na máxima diferença sonha com um mundo no qual a diversidade deve ser tão valorizada como a unidade. |
|
(1) Odon Vallet, Pequeno Livro das Ideias Falsas sobre as Religiões, Lisboa, Estrela Polar, 2006. (2) Paulo Mendes Pinto, Para Uma Ciência das Religiões em Portugal. Cidadania & Cultura, Lisboa, Edições Universitárias Lusófonas, 2005. | |
* Nota do TriploV Paulo Mendes Pinto tem directório no site, em: http://www.triplov.com/paulo/index.html |
|