Dialogar é preciso

 

 

 

 

BENTO DOMINGUES, O.P. ..............................Público, Lisboa, 30.07. 2006

1. Por desgraça, nem todos podem gozar um tempo de férias. Quem tiver acesso a esse direito de todos pode, dentro das disponibilidades económicas e do gosto de cada um, dar-lhe vários destinos. Além do puro descanso e do convívio mais intenso com familiares e amigos e de viagens que mostram que há mais mundo do que as fronteiras do nosso quotidiano, alguns aproveitam para cultivar dimensões da vida à espera de uma oportunidade.

Em 1954, um grupo de dominicanos portugueses, canadianos, belgas e norte-americanos, ligados ao Centro de Estudos "Sedes Sapiencia", resolveram possibilitar às religiosas portuguesas – sobretudo às que se dedicavam ao ensino – uma formação teológica, de três anos, activada durante três semanas das férias do Verão que, nessa altura, a nível escolar, eram realmente férias grandes. Era um tempo muito intenso com aulas, convívios, elaboração de trabalhos escritos e exames para quem desejasse um diploma.

Esta iniciativa foi também aberta aos leigos. Era uma resposta pioneira a uma grande lacuna da Teologia entre nós e, caso raro em Portugal, não teve vida efémera. Passou por várias metamorfoses, mas o Instituto de São Tomás de Aquino resistiu à erosão do tempo. Além da Semana de Teologia de Verão, dos "Cadernos ista" e outras publicações, desenvolve várias actividades culturais, ao longo do ano, muitas vezes ligadas a outras instituições universitárias ou não. Para este Verão, a Semana de Teologia (de 21 a 25 de Agosto) escolheu o tema  "Dialogar é preciso".

Na apresentação do Programa, o actual director do ista, Fr. José Augusto Mourão, professor da Universidade Nova de Lisboa, faz um convite: «A comunidade deixou de poder ser definida como unidade de unidades, assente na ideia de propriedade ou de pertença, segundo relações de inclusão e de exclusão. É o que nos falta e que nos obriga a comunicar. Recusar falar a este ou àquele é recusar-lhes a humanidade.

«No diálogo não triunfa a dialética. Não é fácil chegar a acordo, que vem da palavra "coração". Mas é um caminho. Como encontrar o outro sem o confiscar? Como dialogar sem reduzir ao mesmo? Convencer não é sobretudo vencer? Haverá diálogo não belicoso? Não se dialoga com palavras mas com actos – é com eles que se debate e rebate. Sentemo-nos à mesa e comecemos!».

2. Dirão alguns que nos estamos a sentar demasiado depressa. Faltam os aperitivos e não só. Como transitar bruscamente do reino da intolerância e da violência para o diálogo?   E se a tolerância não basta para afastar o intolerável, Gandhi já parece estar muito longe para nos mostrar o caminho da não-violência resistente!

Por outro lado, diante do "choque das civilizações", do império das armas e do grito das vítimas, o rodopio da diplomacia e suas astúcias vem sempre tarde. Parece que procura dar tempo à destruição e aos mais fortes. Mas sem justiça, o cessar fogo é um interregno para preparar novas fogueiras, novos processos de guerrilha. Gastam-se milhões a reparar o irreparável e pouco se faz para virar a página.  

É a mentalidade belicista que tem tecido grande parte da história. O seu termo não está à vista. Mas é urgente mudar de mentalidade e meter os pés na estrada de uma história pacífica, a única que é verdadeiramente humana.

Não basta, porém, falar de diálogo de civilizações, de diálogo intercultural e inter-religioso. O diálogo faz-se. Então, «sentemo-nos à mesa e comecemos!». Mas como?

3. Não vale a pena iludir as suas dificuldades, seja com outras Igrejas cristãs, com outras religiões ou com os sem religião.

O diálogo é uma provocação, isto é, convoca-nos não só para escutar o outro, o diferente, mas para rever as nossas próprias convicções que, ao longo do tempo, nos impediram de reconhecer a humanidade que nos falta, por nos termos fechado ao que há de mais genuíno nos outros, nas suas convicções, tradições e projectos. Para ser possível acolher os outros, praticar a hospitalidade, não basta tolerar as diferenças e justapô-las às nossas. Nessa linha, nunca iremos além dos bons modos, da boa educação, embora, por dentro, pensemos que a cultura, a religião, dos outros são inferiores às nossas. Não podemos estar atentos à dignidade das diferenças porque, interiormente, estaremos a defender-nos, fazendo de conta que os parceiros do diálogo o que pretendem é vender a sua própria mercadoria.

O diálogo é um convite à conversão de todos os participantes, à transformação dos interlocutores. Não se dialoga quando se está, apenas, interessado em fazer a apologia das próprias convicções sem espaço para acolher as dos outros. O processo de diálogo não deve ficar só por uma revisão de ideias. Deve levar a uma revisão de vida: aprender a viver a humanidade de todos nas diferenças do ser humano.

O desafio é transformar os inimigos em aliados, em cooperantes. Será esse o bom fruto de um diálogo autêntico. Não implica uma renúncia aos direitos nem uma fuga aos deveres dos interlocutores. Não é uma anulação das diferenças que tecem identidades. As diferenças não limitam. É a partir do seu aprofundamento que encontraremos o caminho para a universalidade humana.

Foi traduzido, de Jonathan Sacks, um judeu ortodoxo, Rabino-Chefe das Congregações Hebraicas Unidas do Commonwealth desde Setembro de 1991, um livro que procura indicar, a partir da tradição judaica, como evitar o choque das civilizações (1): «Deus, o criador da humanidade, depois de fazer uma aliança com toda ela, vira-se para um povo e ordena-lhe que seja diferente, a fim de ensinar a humanidade a dar espaço à diferença. Deus pode por vezes ser encontrado no outro, aquele que não é como nós».

Para o autor, «o maior antídoto para a violência é o diálogo: deixar falar os nossos medos, escutar os medos dos outros e, nesta partilha de vulnerabilidades, descobrir a génese da esperança».

Boas férias, com novas e boas descobertas. E até Setembro.