Ninguém o enterra.
Livrem-se disso porque se alguém
O faz julgando ser o fim,
Ele pega de estaca.
Os poetas são assim
Reverdecem na terra, no ar
E no fogo têm o condão
De aquecer tudo sem queimar
E muito fazer sentir;
Compreender é depois.
Acaloram o mundo sem o destruir.
E mexem como numa ferida.
Ferreira Gullar foi-se desenterrando
Lentamente
Ao longo da vida.
Nasceu como todos: no anonimato
Com garantia de ter sete palmos de terra
Com ou sem aproveitamento de ossos.
Repudiou a certidão de óbito
Como nós protestamos
Contra o aumento de impostos.
O poeta descansa temporariamente
Recostado na sua cabeleira
(Melhor do que cadeira de baloiço).
Tem um agradável despertar matinal
Com palavras escritas num ritmo
Que se assemelham a uma oração pessoal.
A sua última vontade
É igual à primeira
E a todas as outras que se lhe seguiram.
Por isso ninguém tem a coragem
De o enterrar como etapa derradeira.
Eduardo Aroso
12-12-2016
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