1
Renovar a carne
Para que não seja sempre
A mesma limitação.
Quero-a ágil
E que me responda como o vento.
Todo o momento é frágil
Até que as pedras sejam todas luz.
Renovar a carne
É escutar pela noite dentro
A esperança das velhas profecias
E o vigor de semear hossanas,
Boa-nova das madrugadas,
Salmo dos dias.
2
Há um berço universal
No frio carinhoso do solstício de Dezembro.
Astros e estrelas: pirilampos da Criação!
E nem as trombetas dissonantes
Que apupam este mundo imundo,
Os podem assustar.
A obstetrícia rodeia incessante
A gestação divina que ultrapassa
Além das nove luas
Aquele que nasce – sempre disposto a nascer –
Dissipando a morte, libertando mais
Que a abolição da escravatura.
3
Deus não desce,
Pois nós é que temos de subir…
E o deserto existe
Para que a água sacramentada
Na areia seja salvação.
Sei que alguém gostaria
De ter estrelas na mão
E livrar-se
Do exercício benéfico do longínquo.
A sapiência enrola-se à maneira do caduceu
No bordão do peregrino.
Eduardo Aroso
Natal, 2014
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Eduardo Aroso nasceu em 1952, em Coimbra. Professor de Educação Musical, em cuja actividade se reparte pela didáctica da música e da composição, tendo feito, durante alguns anos, formação de professores do 1º ciclo do ensino básico. Foi regente do Coro de Professores de Coimbra e co-fundador da Academia Monteverdi e da Tertúlia do Fado de Coimbra.
Na sua actividade literária contam-se as publicações: A Poesia vai à Escola (obra adquirida pela Fundação Calouste Gulbenkian), Poemas do Arquétipo, O Olhar da Serra, Habitante Sensível, A Quinta Nau e A Guitarra Portuguesa – Aproximações Histórico-Musicais à sua Génese e Fixação em Portugal (ensaio). Incluído em: Antologia Ibero-Americana de Homenagem a Rosalía de Castro, Antologia da Bienal de Poesia de Madrid (25 nações), Homenagem a Gerardo Diego, Homenagem a Claudio Rodríguez, Álamo (Salamanca 2002 – Ciudad Europea de la Cultura) e A Jeito de Homenagem a Eugénio de Andrade (antologia incluindo mais de 200 poetas do mundo hispânico). Colaborações: Revista de Poesia Álamo (Salamanca), EL Pregonero (Madrid), S. Paulo Destaque (S. Paulo), Artes & Artes (Lisboa), Teoremas de Filosofa (Porto). Co-fundador do Gresfoz - Grupo de Estudos Figueira da Foz – 1983, Co-subscritor para a Fundação da Academia Ibero-Americana de Letras (Madrid); 1987.
Na esfera da filosofia e do pensamento português, reconhece na chamada Escola Portuense, e nos diversos círculos de discípulos ao longo do tempo, a via para uma autêntica Tradição Portuguesa que é a de ser universal. De Agostinho da Silva - com quem partilhou um intenso convívio epistolar - à companhia actual dos pensadores António Telmo, Pinharanda Gomes, Carlos Aurélio, Joaquim Domingues, até às gerações mais novas, onde se destaca Pedro Sinde, vem participando em vários encontros e publicações. Cultiva o autodidactismo como a mais salutar actividade quotidiana. |