Quando esta palavra chegar aos meus leitores, terei regressado de uma viagem a Lourdes. Rápida, mas que espero seja um reencontro com um lugar de fé e de oração, que era um desejo a realizar e uma chamada a aprofundar o meu amor a Maria, como Mãe e modelo no meu sacerdócio.
Por isso, aceitei de mãos juntas o convite que me chegou no longínquo ano de 1972 e logo para uma experiência que nunca esqueci: participar na Peregrinação do Rosário, uma semana rica de ensinamentos e contactos, daqueles que ficam sempre nos horizontes de cada dia e de todos os dias.
Lourdes é local de peregrinação, que não só de passeio; ir ali como simples turista leva-nos a deliciar os olhos do corpo, mas pode levar-nos a um escândalo do coração. Porquê e para quê todas estas coisas, mistura do divino e do humano, do sagrado e do profano, da oração e do comércio com as recordações religiosas ao lado de outras, que se compram na mesma loja, se metem no mesmo saco e se trazem na mesma mala?
É preciso descobrir o verdadeiro sentido de Lourdes: presença de Maria na vida do homem e do cristão que somos. Ela não chamou os grandes do lugar para lhes comunicar a mensagem que vinha trazer; esses andavam preocupados com as suas coisas, no seu coração não havia lugar para Deus, que resposta podiam dar a quem lhes falava desse Deus negado, rejeitado e combatido, até?
Esses não teriam tempo para ir à Gruta as vezes que fosse preciso, até que a Mensagem fosse comunicada e compreendida; não tinham tempo nem vontade: Que aprenderiam eles sobre oração, penitência, mudança de vida? Gostavam de falar aos homens, poderiam falar a Deus? Deliciados com as coisas do mundo, inclinar-se-iam para a penitência, virtude que exige ascese, purificação, antes de nos fazer chegar à perfeição? Gostavam da vida regalada, para quê mudar o sentido, inverter a marcha que o mundo apresenta como a meta a atingir?
Mas foi essa a mensagem da Senhora, que se foi mostrando pouco a pouco, num conjunto de dezoito aparições, para na décima sexta dizer quem era.
Nem Bernadette escapou à curiosidade humana de todos nós: "a Senhora, quem é?" A resposta foi simples, mas concreta: "Eu sou a Imaculada Conceição".
O que diriam a Bernadette estas palavras? Que poderia compreender delas a jovem tímida e analfabeta, que não podia ser teóloga destas coisas que, humanamente, a ultrapassavam e a deixavam num misto de alegria e de medo, de confiança e perplexidade? Foi ouvindo e guardando no coração; foi manifestando a sua alegria pelo dom de Deus que sentia e a arrastava para a Gruta, mesmo perante a desconfiança da família, do pároco e das amigas.
Confiava, sobretudo, na Senhora por quem se sentia atraída: uma fonte jorrava onde ninguém vira água, pedia-se oração, penitência, uma procissão, uma capela; oração já ela fazia, de penitência bastaria a vida dura que era pão de cada dia. Procissão e capela… poderiam ser com ela uma e outra coisa?
Curiosamente, a Avenida onde está o que vai ser o nosso Hotel de dois dias tem o nome do Pároco de Lourdes no tempo das aparições: Peyramale, l'Abbé Peyramale que se apressa a comunicar ao seu Bispo o que se passa na sua paróquia. A sua desconfiança depressa passou a curiosidade e desta à aceitação do facto não foi grande a demora. E decide-se por uma aceitação do facto, quando Bernadette lhe comunica o nome da Senhora. Maria começava a mudar a vida de alguns e é hoje o grande apelo de Lourdes, onde a Senhora continua a chamar, onde todos podemos ouvir, onde o milagre ainda acontece, sobretudo na ordem espiritual, precisamente o que Maria veio procurar. Douzous e Alexis Carrel foram dos primeiros; hoje sou eu, és tu, somos todos nós que, em Lourdes ou no silêncio do nosso quarto, olhando a sua imagem, vamos ouvindo: reza, não tenhas medo do sacrifício, ganha coragem para mudar o rumo da tua vida.
Continuo a gostar de Lourdes, apesar de ali ter ido uma e muitas vezes; sinto-me bem ajoelhado ou sentado diante da Gruta, rezando, tentando ouvir, olhando a Senhora. Por isso vou, fui, com alegria e confiança no meu coração, disposto a aprender mais um pouco com a Mãe de Jesus, da Igreja e nossa Mãe.
P.e Armando |