Erosfera

LUIZ ROBERTO GUEDES


A esfera de Eros em poemário bilíngue

O poeta brasileiro Luiz Roberto Guedes lança Erosfera (LUMME Editor, 2017), em edição português/italiano, com traduções de Fabrizio Wrolli e prefácio do poeta Carlos Felipe Moisés. A coletânea enfeixa poemas das últimas décadas, abordando o amor, a paixão e a libido, com acentuado espírito lúdico, a partir da proposição de uma sucinta “cartilha poética”: ivo viu a vulva. No prefácio, o mestre poeta e crítico Carlos Felipe Moisés (1942-2017) assinala “o convívio entre sublimação espiritualizante e libidinosidade despudorada”, observando que o leitor poderá ter “a impressão de que o paganismo voltou”, mas logo recorda que poesia é encenação, e que o poeta representa um papel, desde as elegias eróticas dos romanos Propércio, Tibulo e Ovídio. Ainda segundo Moisés, outra “bela surpresa do livro é a ausência de musa inspiradora, conforme foi praxe, durante muito tempo”, da Cíntia de Propércio à Nadja de Breton. A partir daí, o erotismo do século atual tornou-se “o espaço da imaginação sem limites”, pois pratica seus jogos pelo meio virtual. Autor multifacetado (é também letrista, sob o pseudônimo de Paulo Flexa), Guedes publicou, em poesia, Calendário lunático (2000), Minima Immoralia – Dirty Limerix (2007) Almanárquico (Coleção Leve Um Livro, BH/MG, 2015), e organizou a antologia poética paulistana Paixão por São Paulo (Terceiro Nome, 2004), com 72 poetas, de 1920 a 2003.

Gil Pinheiro


4 POEMAS DE ‘EROSFERA’

amazing amazona

eu sou muito exigente ouvi no alarido da festa dizer a
mulher atlética com quem eu levo para a minha cama
feito proto-heroína de HQ soviética juba leonina botas
de amazona seja homem ou mulher ao rapaz fascinado
pássaro ante serpente de ávidos lábios vagina fluorescente
seios intrépidos sob seda sépia o brilho fosco dos pingentes
de metal em seus mamilos


cartomante grega

nenhum ornamento ou instrumento além dos perfurantes olhos verdes bruxuleando presságios de naufrágios perigos de bruxedos: agora velados devoram meu livro dos dias decifram a última página|tu bem sabes: tuas paixões serão abismos de tédio, e ficarás cego, ficarás calvo, sem que isso faça de ti um sublime homero ou um mero esopo, tão só a tristeza feroz de não ter tua voz um trovão épico — sim, não morrerás no mar, chega por hoje | disse-me que abrisse outra garrafa de vinho corvo disse | toque mozart pra dissipar a tristeza | então falamos de byron | que era aquariano, bon-vivant, amante de condessas e criadas em veneza | e foi morrer lá longe |em missolonghi | tonto de espanto com a batalha que não houve em lepanto


mulher dragão

pessoa tempestuosa
a dragoa te assola

imprevisível o seu impacto
se tocar o notocórdio

imperioso capturá-la
| vassalo de vênus |

domá-la sob a redoma
do poema | ao menos |


lucky hotel

demoliram o hoteleco
decadente desde décadas
ninho de amantes discretos
templo barato de eros
piras de camas rangentes

velho sobrado assombrado
por estalos de assoalhos
todo o esqueleto de tábua
gemidos e ais alados
o gozo em toda a escala

agora nunca existiu
ilha alguma nem navio
onde tivemos um porto
de ancorar nossos corpos
só um terreno vazio

farewell, lucky hotel
onde navegamos
tanto mar e céu

nem sinal do tempo
em que nos amamos
por fim, completos
estranhos