Textos e imagem do catálogo

Intimate piece: intervenção de Ernesto de Sousa no espaço de Ana Hatherly na Alternativa Zero.
Je est un autre (Rimbaud) Moi, pour moi, c'est trop peu (Maiakovski)... Sa découverte, c'est que l'homme n'est pas tout à fait dans l'homme (Freud-Lacan). Le regard n'est plus seulement infini: object partiel, il s'est transformé en objet perdu (S. Sarduy). A moi. L'histoire d'une de mes folies (Rimbaud)

 TOMO UMA VIDA (A MINHA) COMO TESTEMUNHO. READY MADE.

Tomo uma vida (a minha) como testemunho. Ready made.
     
   

A não-obra (a morte} é a definição da vida. Monumento comemorativo ao que me fundamenta e me falta. Imprevisível e sem-cura mas implícito le manque. Entre o que eu sou (plenitude, contentamento, alegria e o contrário) e o objecto do meu desejo (erotismo, o seio materno, afinal plenitude, objecto (a) a utopia, a revolução) alguma coisa se interpõe. Por um lado tudo vai para ti, é o princípio do prazer; por outro, há a compulsão ao repetitivo, o re-começar, o trabalho, a metronímia... o instinto de morte.

Tomo uma vida (a minha) como testemunho. Ready made.

...amo-te e desejo-te e cada desejo exige eternidade. Como diria Zaratustra: eternidade profunda. Mas sei que és, que sou, evanescente e liquidável. Só nos resta o rigor das nossas margens. A descobrir. Pela análise implacável das diferenças, invenção da palavra no assassínio da mais estrita linguagem. Repito: amo-te desvairadamente aMORte.

Resumindo:

A história do meu pai (dulcíssimo mas um pouco distante). O leite conjugal; os seios da minha mãe: «quando vejo o cor-de-rosa penso que se referem a mim».

A história da lei. Resistência. Não o fazer era superior às minhas forças. C'etait le temps des assassins.

O cinema. A descoberta do Outro. O «Dom Roberto» e a «Imagem». A cultura, a França (a «Grande Chaumière», os estúdios). O teatro radiofónico (foi quando conheci o Redol, um homem bom). O outro teatro (foi quando conheci o José Rodrigues, o Peixinho, a Rosa). E o Raul Brandão e o Porto!

O meu amigo Tunhas morria: «Je veux vivre, mais, pas aujourd'hui.»

Algés e o Primeiro Acto: fluxus e para além do teatro. Tinha conhecido Almada Negreiros. Comecei.

 

   
Tinha conhecido Almada Negreiros. Comecei.

 

A Itália, a Rússia, a Europa, o Mundo.

A música, o Grupo de Música Contemporânea: eu fui da banda.

Crítica de arte (foi quando conheci o Lopes Graça), a Seara Nova, o neo-realismo e depois o 25 de Abril. A crítica é uma opção ou uma necessidade? Em Portugal é uma necessidade (Garrett).

A paixão da escultura. A arte popular: Moi! moi qui me suis dit mage ou ange, dispensé de toute morale, je suis rendu au sol, avec un devoir à chercher, et Ia réalité rugueuse à étreindre! Paysan!

A paixão da pintura, foi quando eu comecei a fabricar tintas. Eu acabava um curso universitário. De ciências... 

Foi a grande re-volta. Que depois se transformou em câmara escura.

Enfim, vi a ave do Paraíso. Que alternativa? 

Foi a grande re-volta.  Que alternativa?

 

Comecei a experiência da apropriação de textos literários-tipográficos em 1977 (Alternativa Zero), Exposição de ORLANDO (Virginia Woolf). Absoluta des-autorização (anonimato) e o carácter tautológico (tradução, tipo-grafia): Jogava-se a coincidência de sentido como investigação estética. Coincidência com a própria exposição: o tempo, total evanescência e uma hecatombe de palavras. Zero.

Esta instalação agora: é sobretudo o quadrum (moldura, plinto, galeria, museu) de dois textos, Laing e Santo Agostinho. Sem tradução, os textos devem ser vistos de soslaio.

O texto das «Confessions» foi manipulado: changement de genre (chave e-vidente?): masculino/feminino, Deus/revolução.

Ex-texto, ex-posição. Sentido de soslaio, não como um espectáculo ou uma palavra feita. Sentido oculto: falta qualquer coisa nesta exposição sobre o-que-falta. Ce n'est pas encore ça. O seio materno, as mandalas. Os nomes, as mantras. É também uma exposição ex-cessiva. E há uma exposição dentro da exposição. Mas, ce n'est pas encore ça. Como toda a vida, e o processo estético, a exposição é um trabalho de morte. Tudo acontece ex. Mas - como dizer? -com um lado luminoso, começar, o sol ainda, algo de imprevisivelmente diferente de absolutamente outro que está no entanto à-vista, à-altura, à-face    à minha, à tua.
Também falta alguma coisa a este papel, o currículo e esses detalhes. Não porque sejamos contra a identificação. Mas porque nos pareceu que esse género de coisas, aqui, gritariam ao pleonasmo.
Sobretudo porque...

...quando me perguntam qual é a minha profissão, o género artístico que exerço ( «se queres ser o primeiro tem cuidado em não ser o último») penso muito em Maquiavel, Sade, Rimbaud, Lautréamont, Nietzsche, Artaud... alguns outros autores        e só me apetece responder com o maior cinismo e sinceridade:
...eu gostava de ser um santo. Não me convém nenhuma outra profissão. E até não me importava de morrer pelo sentido. Mas era preciso que fossem a sério a cruz, a roda do martírio, o próprio calvário, a causa, o movimento. E isso falta sabê-Io... o saber exige um não saber, a obra uma não- -obra. Esta exposição é uma ex-posição. Como se fosse possível dizer: o melhor era não ter nascido. L'imprévisible miroir.
 

Não me importava de morrer pelo sentido, mas... 

 

Não me importava de morrer pelo sentido. 

 

a tradição como aventura 

  dieu est ma créature

changement de genre      

la révolution c'est la femme

de dieu                                                       
dilaceração              aujourd'hui c'est une blessure entre deux bords marqués par la rigueur            la révolution au passé         cela est arrivé         et  la révolution au futur absolument autre                utopie

doubtless          you are the voice of the people and when you die wisdom will die with you !

la non-oeuvre est à naître    

 (a)

                                                                                                    

la joie c'est  la seule façon de connaître cette fletrissure 

l'être qui me manque

blessure           hoje é uma ferida rasgada entre duas margens marcadas de rigor          a revolução no passado              isto aconteceu                e a revolução num futuro imprevisível absolutamente outro

I have seen the Bird of Paradise, she has spread herself before me, and I shall never be the same again

être un saint

c'est l'état de mon corps qui fera le Jugement Dernier

o mais íntimo é por vezes o mais externo

cassure  censura  le manque  carência  fault  béance  ruptura  elision  blessure  fissure repressão  lapso  ausência  mutilation  exclusão  a falta  want of

 

être à définir 

et c'est ainsi qu'à force de mourir j'ai fini par gagner une imortalité réelle                                                        paradise now
contra o poder tanatocrático

olhar de soslaio

 

Eu gostava de ser um santo.  Não me convém nenhuma outra profissão.

Não me convém nenhuma outra profissão.