segundo encontro na quinta do frade: «ARTE, CIÊNCIA E ESPIRITUALIDADE» - ÍNDICE

MARIA AZENHA

Depois do Ocidente

Preâmbulo

 

 

O que pretendo dizer com este dístico “Depois do Ocidente”?

Será que a cultura no Ocidente entrou em declínio?

Ou perdemos a capacidade de nos maravilharmos perante a Beleza, a Justiça e a Verdade?

Lembro-me de Adónis, pseudónimo de Ali Ahamed Said Esber, poeta e ensaísta sírio, com uma longa carreira literária no Líbano e em França, autor de mais de vinte livros em língua árabe, afirmou numa entrevista recente:

 

“ A visão monoteísta do mundo deformou as relações do homem com o homem, do homem com a Natureza, do homem com o além da Natureza”.

“ O monoteísmo colonizou o nosso cérebro”.

 

E não podemos ver a realidade do universo se não nos libertarmos deste fechamento-(é um problema  real e concreto do mundo ocidental).

Construímos “ muros nesta cidade global diante da qual vivemos e estamos contra a alegria, contra o corpo, contra a criatividade.

Depois do Ocidente” através de reflexões e diálogos, pretende falar sobre estas questões.  

 

Diz-nos Rūmi : “Se tu és amante do Amor e o procuras sempre, Deves cortar a garganta do pudor com um punhal afiado. Saibas que a reputação é um grande entrave no caminho; Estas palavras são desinteressadas: recebe-as com a mente pura.”  

 

Iniciemos esta reflexão sobre a dimensão humana, já que o Outro, seja ele quem for, constrói a nossa identidade.

O “eu é um outro”, diz-nos Rimbaud.

Os místicos dizem : “O outro sou eu.”

Místicos ou surrealistas, dizem de dois modos diferentes o mesmo.

 

Só o Amor é vidente!


 

 

DEPOIS DO OCIDENTE

 

 

À Criança dedica os teus pensamentos.
Bebe dos seus segredos.

Eles são néctar para a alma e ventura para os cegos.

Só os tolos e os loucos escrituram. E se dedicam a alguma arte sem lucro.

Nunca escondi as minhas transgressões.

Não cobro a ninguém um cúbito.  

 

 

 

Vê como o Sol vai iluminando os meus cabelos brancos.
Tenho setenta anos de idade.

Sou absolutamente indiferente à quantidade.

Quem gerou as estrelas também gerou o vento.
Nenhum deles é mais valioso do que o outro.

Nem mais perfeito.

 

 

 

A verdade é uma enorme mentira.
E também está certo o contrário.

 

Com ou sem ignorância, nasces, cresces, vives e morres.
Não será o bastante? 

 

 

 

 

Para o sábio há o nome de cada coisa.

E cada coisa é uma miragem.

 

Contempla o enigma do homem
que se inebria com um único vislumbre.

Com uma taça de vinho se embriagam

os amantes e mendigos.

Quer uns quer outros são muito parecidos. 

 

 

 

 

No círculo onde danças, quem te parece rodopiar no centro?
Não respondas.

Seria tempo perdido.

Não desesperes: és do deserto.

 

Aprende a amar como um grão de areia.
Se assim não fosse, o que valerias tu?

 

 

 

 

Há deuses que nascem das videiras.

E poetas também.

A viagem inicia-se no Coração.

 

Quem não ama só conhece uma única estação.
Senta-se ao luar bebendo a taça do desânimo
na tenda do desespero e da salvação.

 

 

 

 

No trajeto a lentidão é uma estrada perigosa.
A celeridade, uma cobra que quase sempre é venenosa.

Há que saber quanto antes onde ela se esconde.
Quando aparecer no caminho, saúda-a

com a lua e o sol.


A cada um a sua jóia. 

 

 

 

 

A luz é um deus invencível.

A morte: uma ninharia.

Cada um caminha nas trevas da sua ignorância
e não sabe para onde irá depois.

 

 

 

 

 

O Mestre Yo Chin cortou as asas ao dia.
E logo apareceu o Escuro.

Os sábios rezam estrelas à noite.

Não há Som mais perfeito.

 

 

Nem espelhos, nem símbolos.
Os sábios são luminares fora do seu tempo.

As palavras são breves.
E logo desaparecem à superfície.

 

 

 

 

O deus das portas é um deus Solitário.

Nasce do silêncio e toma a sua ambrósia meditando.

 

 

 

 

A noite é a memória de estrelas.
As pedras: a sua recordação.

No interior da terra há milhares de primaveras.
Nunca saberás o que se oculta por dentro delas.
Pensar é ultrajá-las.

Dorme e medita agora.

 

 

 

O mais belo diamante é o que nunca foi visto.
Mas ninguém te salva do Labirinto. 

 

 

 

 

O beduíno puro sabe que os bens deste mundo
são um talentoso inimigo disfarçado de amigo.

Por isso o sábio cobre-se de véus.
O ignaro, de palavras.
Mas não vamos falar disso. 

 

 

 

 

A Poesia é silêncio

antes de ocupar o lugar do poema.

Regressa mais tarde ao seu lugar supremo.

 

E sempre cala e não implora. 

 

 

 

 

Os peixes não podem desligar-se do lago.
Nem o diamante do carvão.

 

O mundo é vasto. E tem as suas armas.
Afortunado é aquele que sorrindo ao infortúnio
se converteu ao dia puro.

Quem assim procede
é como um deus que se alegra.

 

 

 

 

Cautela!

O excesso de deserto pode causar grande dano.
Sendo filho do céu é pai do solo,
até chegar a hora de cair o Véu.

 

É como um estrangeiro que se conhece.
Ou como um quadrado sem ângulos.

Infinito como a Poesia silenciosa,
Dorme e espera.

 

O seu nome secreto é Verbo.

 

 

 

 

No interior do diamante há o Sinal e a prova.
A partir dele podemos observar a Bondade e a Beleza.
Mas a Bondade é que é a Prova.

 

 

 

Subamos à varanda oculta da primavera.
Contemplemos os Sonhos que sempre lá estiveram.

 Assim é a Criação.

 

 

  

 

É seu príncipe ancestral

quem faz da Criação o seu Templo.

Ela é o prémio da Vida.
O túmulo: a sua chave.

 

Para esta não há derrota nem vitória.

 

 

 

 

O sábio dirige-se ao Antigo.

O cientista ao Desconhecido.
E são Novíssimos
.

 

Mas nem por isso somos menos cegos e ignorantes. 

 

 

 

 

A raiz do deserto chama-se Quietude.

O seu rosto é Sonho.
A sua boca,

um cavalo branco

que galopa o céu, flamejando.

 

Não esqueças:

O diamante sempre vence o carvão. 



 

 

As dunas ensinam o dinâmico Zero,
que não poderá ser conhecido em livros
nem através de mestres.

 

 

O Zero vem antes do profano.
E é incomensuravelmente completo. 

 

 

 

 

Um homem sem sede é um homem que
carrega consigo o deus do Mal.

 

Vê como uma sala cheia de ouro é difícil de ser acautelada.
Porém a luz em qualquer parte não pode ser aprisionada. 

 

 

 

 

 

No rio profundo habitam incontáveis areias.
O firmamento contém inumeráveis estrelas.
3333.

 

Quanto mais falo e penso mais longe me encontro. 

 

 

 

 

Yashah desperta em Yo Chin os sons do alfabeto.

Nunca murmuram uma prece.

A palavra é profana.

 

Sobre o Um não é possível fazer cálculos.
É radiante.


A Beleza assemelha-se a Yashah
que abraça Yo Chin
.

 

 

 

 

 

Conheço quatro sábios.
Os três primeiros são Magos:

Ouro, Incenso e Mirra.

O quarto é o Deserto.

E Caprichoso é.

Todos os seus filhos são prudentes.

 

 

 

 

 

Lua e Sol são letras que flamejam.
Passada esta Visão continua a Viagem.

 

 

 

 

Luminosa é a máscara dos deuses.
Circula a cada instante.

Basta que uma areia se levante.

 

 

 

Toda a Arte se resume a isto: respirar bem no Centro.

 

 

 

 

O Amado não me abandonará. E
não tem Nome.

 

Logo o vento se levanta,

canta.

 

 

 

 

O Coração é um poderoso tímpano que vibra. 

 

 

 

 

As trevas
são o sol da noite.

E a noite,

o luar dos dias.

 

 

 

 

Os votos do sábio são estrelas.

 

 

 

 

 

Será o coração do homem mais sábio do que a sua razão?,
perguntei a Yo Chin
.

Com uma vara de sal apontou para pequenos diamantes
que se tinham formado a partir do solo. 

 

 

 

 

 

De que cor são os Sonhos?,

perguntei.

– São da cor dos teus olhos,
disse ele.

  

 

 

 

 

Oh!,  perto de Ti
repousa o meu peito.

 

Vejo Kaaba a partir do Coração.

Um canto radioso move meus lábios.

 

O deserto inveja o Seu rosto.

 

 

 

 

 

Com um diamante 

derrubo as paredes desta prisão,

E saio caminhando…

 

 

Vem,

posso mostrar-te até aonde leva esta dança.

Resplandece como a Montanha da Clemência

 

 

 

E nas mãos do Homem , um livro de fogo branco

escrito a vermelho, ouro e sol,

antes de um grande clarão…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

maria azenha

2016, Novembro,19,Lisboa

 
 
 
 
 
Tomada de imagem: Maria do Céu Costa
Fotos: https://www.youtube.com/watch?v=Bl_Tj2J2fnQ
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Imagem:
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