DEPOIS DO OCIDENTE
À Criança
dedica os teus pensamentos.
Bebe dos seus segredos.
Eles são néctar para a alma e ventura para os
cegos.
Só os tolos e os loucos escrituram. E se dedicam
a alguma arte sem lucro.
Nunca escondi as minhas transgressões.
Não cobro a ninguém um cúbito.
Vê como o Sol vai iluminando os meus cabelos
brancos.
Tenho setenta anos de idade.
Sou absolutamente indiferente à quantidade.
Quem gerou as estrelas também gerou o vento.
Nenhum deles é mais valioso do que o outro.
Nem mais perfeito.
A verdade é uma enorme mentira.
E também está certo o contrário.
Com ou sem ignorância, nasces, cresces, vives e
morres.
Não será o bastante?
Para o sábio há o nome de cada coisa.
E cada coisa é uma miragem.
Contempla o enigma do homem
que se inebria com um único vislumbre.
Com uma taça de vinho se embriagam
os amantes e mendigos.
Quer uns quer outros são muito parecidos.
No círculo onde danças, quem te parece rodopiar
no centro?
Não respondas.
Seria tempo perdido.
Não desesperes: és do deserto.
Aprende a amar como um grão de areia.
Se assim não fosse, o que valerias tu?
Há deuses que nascem das videiras.
E poetas também.
A viagem inicia-se no Coração.
Quem não ama só conhece uma única estação.
Senta-se ao luar bebendo a taça do desânimo
na tenda do desespero e da salvação.
No trajeto a lentidão é uma estrada perigosa.
A celeridade, uma cobra que quase sempre é
venenosa.
Há que saber quanto antes onde ela se esconde.
Quando aparecer no caminho, saúda-a
com a lua e o sol.
A cada um a sua jóia.
A luz é um deus invencível.
A morte: uma ninharia.
Cada um caminha nas trevas da sua ignorância
e não sabe para onde irá depois.
O Mestre
Yo Chin cortou as asas ao dia.
E logo apareceu o Escuro.
Os sábios rezam estrelas à noite.
Não há Som mais perfeito.
Nem espelhos, nem símbolos.
Os sábios são luminares fora do seu tempo.
As palavras são breves.
E logo desaparecem à superfície.
O deus das portas é um deus Solitário.
Nasce do silêncio e toma a sua ambrósia
meditando.
A noite é a memória de estrelas.
As pedras: a sua recordação.
No interior da terra há milhares de primaveras.
Nunca saberás o que se oculta por dentro delas.
Pensar é ultrajá-las.
Dorme e medita agora.
O mais belo diamante é o que nunca foi visto.
Mas ninguém te salva do Labirinto.
O beduíno puro sabe que os bens deste mundo
são um talentoso inimigo disfarçado de amigo.
Por isso o sábio cobre-se de véus.
O ignaro, de palavras.
Mas não vamos falar disso.
A Poesia é silêncio
antes de ocupar o lugar do poema.
Regressa mais tarde ao seu lugar supremo.
E sempre cala e não implora.
Os peixes não podem desligar-se do lago.
Nem o diamante do carvão.
O mundo é vasto. E tem as suas armas.
Afortunado é aquele que sorrindo ao infortúnio
se converteu ao dia puro.
Quem assim procede
é como um deus que se alegra.
Cautela!
O excesso de
deserto
pode causar grande dano.
Sendo filho do céu é pai do solo,
até chegar a hora de cair o Véu.
É como um estrangeiro que se conhece.
Ou como um quadrado sem ângulos.
Infinito como a Poesia silenciosa,
Dorme e espera.
O seu nome secreto é Verbo.
No interior do diamante há o Sinal e a prova.
A partir dele podemos observar a Bondade e a
Beleza.
Mas a Bondade é que é a Prova.
Subamos à varanda oculta da primavera.
Contemplemos os Sonhos que sempre lá estiveram.
Assim
é a Criação.
É seu príncipe ancestral
quem faz da Criação o seu Templo.
Ela é o prémio da Vida.
O túmulo: a sua chave.
Para esta não há derrota nem vitória.
O sábio dirige-se ao
Antigo.
O cientista ao
Desconhecido.
E são
Novíssimos.
Mas nem por isso somos menos cegos e ignorantes.
A raiz do deserto chama-se
Quietude.
O seu rosto é Sonho.
A sua boca,
um cavalo branco
que galopa o céu, flamejando.
Não esqueças:
O diamante sempre vence o carvão.
As dunas ensinam o dinâmico Zero,
que não poderá ser conhecido em livros
nem através de mestres.
O Zero vem antes do profano.
E é incomensuravelmente completo.
Um homem sem sede é um homem que
carrega consigo o deus do Mal.
Vê como uma sala cheia de ouro é difícil de ser
acautelada.
Porém a luz em qualquer parte não pode ser
aprisionada.
No rio profundo habitam incontáveis areias.
O firmamento contém inumeráveis estrelas.
3333.
Quanto mais falo e penso mais longe me encontro.
Yashah
desperta em
Yo Chin os sons do alfabeto.
Nunca murmuram uma prece.
A palavra é profana.
Sobre o Um não é possível fazer cálculos.
É radiante.
A Beleza assemelha-se a
Yashah
que abraça
Yo Chin.
Conheço quatro sábios.
Os três primeiros são Magos:
Ouro,
Incenso
e Mirra.
O quarto é o
Deserto.
E Caprichoso é.
Todos os seus filhos são prudentes.
Lua e Sol são letras que flamejam.
Passada esta Visão continua a Viagem.
Luminosa é a máscara dos deuses.
Circula a cada instante.
Basta que uma areia se levante.
Toda a Arte se resume a isto: respirar bem no
Centro.
O Amado não me abandonará. E
não tem Nome.
Logo o vento se levanta,
canta.
O Coração é um poderoso tímpano que vibra.
As trevas
são o sol da noite.
E a noite,
o luar dos dias.
Os votos do sábio são estrelas.
Será o coração do homem mais sábio do que a sua
razão?,
perguntei a
Yo Chin.
Com uma vara de sal apontou para pequenos
diamantes
que se tinham formado a partir do solo.
De que cor são os Sonhos?,
perguntei.
– São da cor dos teus olhos,
disse ele.
Oh!,
perto de Ti
repousa o meu peito.
Vejo Kaaba
a partir do Coração.
Um canto radioso move meus lábios.
O deserto inveja o Seu rosto.
Com um diamante
derrubo as paredes desta prisão,
E saio caminhando…
Vem,
posso mostrar-te até
aonde leva esta dança.
Resplandece como a
Montanha da Clemência…
E nas mãos do Homem , um livro de fogo branco
escrito a vermelho, ouro e sol,
antes de um grande clarão…
maria azenha
2016, Novembro,19,Lisboa
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