Esta conversa terá por
tema Poesia Matemática, uma expressão que,
naturalmente, resulta da junção das palavras
Poesia e Matemática. Não me debruçarei sobre
quaisquer aspectos experimentais de uso das
palavras que, no contexto presente, me não
interessam nada.
O que é que eu
pretendo dizer? Que me interessa a ligação entre
Poesia e Matemática feita
através de um
poema, mais ou menos tradicional quanto à forma,
que, entre outros aspectos, possa envolver
ideias vindas da Matemática, um processo de
construção matemático, por exemplo o uso da
sucessão de Fibonacci para o número de sílabas
ou palavras em cada verso, ou
ter carácter
biográfico.
É comum, ao andar
pela
net,
encontrarem-se curtos textos poéticos,
humorísticos, sem dúvida, mas que não vão além
da anedota engraçada. Nada de mal, têm uma
função de diversão e cumprem-na, mas aqui, sem
querer parecer pretensioso, pretendo ir mais
além. Isto é, a maioria dos poemas que iremos
ouvir têm
qualidade
suficiente para se aguentarem por si
literariamente.
Um exemplo da diferença
que pretendo estabelecer é dado pelos dois
poemas seguintes, onde um é uma piada divertida
e o outro propõe uma meditação, dramática diria,
sobre certas situações da nossa vida:
Solução
nova para um velho problema
A filha da topóloga
era muito suja e
activa
até aquela pensar em
Möbius
e na fita.
A
porcaria de dentro
ficava
assim logo fora
e a bébé
limpa sem demora.
Eleanor
Ninestein
e
Haiku
contra a geometria romântica
Nunca
tive jeito para a geometria
porque
vejo sempre na pirâmide
o suor de
quem a construía.
Fernando
Grade
O meu interesse por
estas coisas surgiu
no final da
minha carreira profissional e, honestamente,
proporcionou-me uma alegria e um entusiasmo que
estava já longe de esperar. Concretamente, deu a
origem a um percurso em que descobri e traduzi
muitos poemas e poetas, actividade criativa
que me deu um
prazer enorme.
1.
Katharine O'Brien
Em Leeds, em Junho de
2006, não havia maneira de nos escondermos do
futebol. Multidões a
deslocarem-se para e
de
The Millenium Square,
écrans
em tudo quanto era
public house
- o exagero terá sido tal que, em Agosto, em
Londres e num pub pelo menos, vi o anúncio
Sportsfree Pub
- as
wags,
wives and girlfriends dos jogadores ingleses, a
viverem os
seus 15 minutos dourados e a
estarem nas
primeiras páginas todos os dias.
Tendo este pano por
fundo, eu tentava estabelecer resultados
matemáticos, numa luta, muitas vezes perdida,
com a angústia que, para alguns,
sempre
acompanha
o trabalho
original.
E, uma tarde, descobri
Katharine O'Brien através de um poema, notável,
sobre Einstein.
Einstein
Consta
que, no seu primeiro dia em Princeton,
foi dar
uma volta (com a sua roupa amarrotada).
Entrou
num café - hesitou -
depois
sentou-se num banco e olhou à volta.
A seu
lado, um caloiro, também só e deslocado,
consolava-se com um cone de gelado.
A alegria de
Einstein
foi tão clara
ao ver
cone e bola
(nas mãos
de um caloiro numa gelataria)
e - que
incrível –
comestível até
ao fim!
Sorriu ao
caloiro, o empregado veio,
Einstein
apontou que queria o mesmo e ficaram às
lambidelas, cúmplices,
sem
palavras para se expressarem.
Mas não
sendo estranhos já, nem estando isolados,
irmanados
por um gelado.
Sendo um achado casual,
tive muita sorte. Como viria a descobrir mais
tarde, o poema atrás é, talvez, o melhor poema
que Ms O'Brien escreveu.
Katharine O'Brien foi
aquilo a que chamaríamos uma excelente
professora de Matemática. Uma das 100 primeiras
mulheres a obter o doutoramento nos EUA, sobre
ela, alguém disse
Um dia,
sentada na minha aula aula sobre Escritores do
Maine, ao ouvir o Dr Fife dissertar sobre os
vários poetas, fiquei, de súbito, alerta, ao ser
mencionado o nome Katharine O’Brien. Visualizei,
imediatamente, uma mulher pequena, com óculos, a
resolver os problemas de cálculo para os seus
confusos alunos, pois Katharine O’Brien era a
professora de Matemática na Deering High School
em Portland, Maine, quando eu lá andara quatro
anos antes. Realço a palavra a porque, sem
qualquer dúvida, ela era a melhor professora de
Matemática que qualquer escola daquele estado
poderia oferecer.
Embora não atinjam a
qualidade do poema sobre Einstein, os outros
poemas de Ms O'Brien são dignos de interesse.
Mesmo estando muito próximos da Matemática, são
veículos de alguma ironia, crítica social ou uma
dose de carinho.
Vejamos alguns exemplos
Os
Bernoulli
Gente
notável, sem dúvida,
Os
Bernoulli.
Dois de
nome Jacob, três João, em corajosas explorações,
Também um
Daniel e dois Nicolau.
Oito ao
todo, ao longo de três gerações.
(Das
esposas nunca houve menção.)
História
policial
Uma
equação é como um romance policial;
prende-nos logo mal começamos.
Perseguimos silenciosamente o assassino,
X representa
Quem terá sido?.
Há que
vasculhar primeiro o local do crime,
reunir
todos os suspeitos,
preparar
bem o interrogatório
para
arrancar a X uma confissão.
Se o caso
for complicado e de difícil resolução,
um
apertão por Newton ou Horner
pôr-nos-á
na pista certa
e X
acabará encurralado a um canto.
Carta
para o Pai Natal
Visita os
que têm dificuldades com a Matemática;
anima-os,
ilumina-lhes o caminho.
Vê lá se
regateias bençãos à Paula Certinha:
ela nunca
se esquece de nenhum parêntese.
Aumenta a
minha dose de paciência
quando
eles se enredam com os logaritmos.
Dá-me
resignação quando (e cito)
“Uma hipérbole é uma
assímptota.”
São estas
as faces que vejo diariamente.
Que cada
uma se ilumine é o meu desejo!
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