Una suerte de anticipación de la clonación se puede encontrar en la misma naturaleza, en el fenómeno de los gemelos y de la gemelaridad (gemmelité). Podemos percibir una especie de clonación en la duplicación alucinatoria de lo mismo, en la primitiva simetría que hace que los dos gemelos sean como las dos mitades de una única concha, de la misma persona, y escapamos del fantasma sólo en forma de ruptura de la simetría. Pero quizá nunca hemos escapado a nuestro doble; y la clonación, por tanto, puede estar reviviendo esta alucinación de lo mismo, del gemelo del cual nunca hemos estado separados. Al mismo tiempo, vemos en la clonación el resurgimiento de nuestra fascinación por una forma arcaica de incesto con el gemelo original... Jean Baudrillard (1) ESTELA - Caro amigo Eduardo Crespo, leu o excerto de Baudrillard, em cima? O artigo de onde o extraí começa assim, e traduzo: "A questão relativa à clonagem é a questão da imortalidade. Todos anelamos à imortalidade. É a nossa fantasia fundamental...". Baudrillard é um dos filósofos contemporâneos mais importantes, concordo em que a questa do filtro da imortalidade é um desejo essencial do Homem, bem próprio da Alquimia, implícito na ideia de ressurreição das religiões, mas discordo profundamente de outros pontos: que o clone seja o mesmo, isto é, que o clone seja o clonado, e que a clonagem exprima assim a concretização desse desejo de imortalidade. Por isso começo por lhe perguntar o que é um clone e se realmente "o clone é o mesmo". EDUARDO CRESPO - Também concordo que a imortalidade seja um desejo essencial do Homem. Um "ser" consciente de que vai morrer revolta-se e tenta contrariar essa "fatalidade". No entanto, não vai ser através da clonagem que o vai conseguir! Um clone de um "ser" humano é outro "ser" humano, um "ser" diferente do clonado. Terá os mesmos genes (embora não todos…), mas apenas isso. E o ser humano é muito mais do que os seus genes. O clone terá muito provavelmente uma aparência física semelhante, embora desfasada no tempo, é importante que se enfatize esta circunstância, mas terá certamente uma maneira de ser, um carácter, uma personalidade, bastante diferentes. Para quem viesse a ver o clonado e o seu clone, passeando lado a lado, não passariam de um adulto (ou jovem) acompanhado por uma criança, que nada mais teriam em comum que, talvez, os mesmos olhos azuis e cabelos louros…. A utopia da duplicação do adulto, a separação dos gémeos que há em nós…, como diz Baudrillard, não é realizável. Os genes, embora iguais nos dois "seres", têm várias, embora limitadas, alternativas de expressão. A informação genética hereditária apenas contém um esboço, relativamente mal definido, do plano do futuro indivíduo. Essa informação apenas organiza o "mundo" que lhe é exterior face às disponibilidades que este lhe oferece. Este plano pode ser realizado, dentro de certos limites, obviamente, com "materiais" alternativos, numa perspectiva tanto quantitativa como qualitativa. Pode ser conseguido recorrendo-se a quantidades e qualidades de "tijolos", de "betão", etc., que podem ser substancialmente diferentes. E se essas alternativas se podem concretizar a nível estrutural (físico), muito maiores são as alternativas que se oferecem a nível psicológico, mental e comportamental. Ninguém duvida que os eventuais clones de Einstein ou Mozart, se fossem criados na Papuásia, no seio de uma tribo de hábitos primitivos, nunca viriam a ser o físico e o compositor famosos que eles foram. ESTELA - E nós mesmos somos o mesmo, ontem e hoje? EDUARDO CRESPO - Não, não somos. O que o indivíduo humano traduz, o que é, em cada fase da sua existência, resulta de uma amálgama das suas informações genéticas e das informações que lhe são extrinsecas que interagem e se transformam em cada momento. O indivíduo nunca é exactamente o mesmo em diferentes tempos da sua vida. Vai sempre interiorizando, "acumulando" tempo, condições sociais e culturais, as múltiplas experiências vividas em circunstâncias que não se repetem. ESTELA - Ainda menos então se pode duplicar uma pessoa... EDUARDO CRESPO - Não, não se pode duplicar o indivíduo. Ele não é uma entidade estática. Seria o mesmo que recriar o espaço-tempo passado. Uma utopia! ESTELA - Os animais unicelulares reproduzem-se por divisão. Baudrillard entende que a clonagem é um retorno a essa forma primitiva de reprodução, independente da relação sexual. Primeiro: porquê "retorno ao primitivo"? Esse epíteto "primitivo" não será vazio de sentido? O paradigma do natural entende que a evolução é um percurso do atrasado para o avançado, ou do primitivo para o civilizado, ou do ser inferior para o ser superior, enfim: vê na evolução um progresso. Mas se isso fosse assim, os seres atrasados, primitivos ou inferiores já teriam desaparecido. Ora na Terra ainda há seres que se reproduzem por divisão de células, logo são tão superiores e civilizados como os mamíferos, aliás a reprodução por divisão celular parece bem mais perfeita, menos dolorosa, mortífera e sangrenta do que o parto habitual. Por favor explique-me onde está o primitivismo, o atraso e a incivilidade da clonagem. EDUARDO CRESPO - A concepção de "primitivo", em biologia, alicerça-se numa perspectiva evolutiva, temporal, que tendencialmente (mas nem sempre) caminha do mais "simples" para o mais "complexo". Os seres primitivos teriam sido os primeiros seres a surgirem no planeta, os unicelulares, os mais "simples". Os pluricelulares teriam surgido depois, com maior "complexidade" estrutural e funcional. Mas estas noções são puramente convencionais. Não quer isto dizer que os seres mais simples não sejam biologicamente tão "eficientes", em termos de sucesso adaptativo às condições do meio, como os pluricelulares. Isto é confirmado, realmente, pelo facto de terem subsistido ao longo da evolução e serem hoje tão pujantes (ou ainda mais) do que os pluricelulares. A noção de "complexo" baseia-se sobretudo no conceito antropocêntrico de maior capacidade de interagir com o meio exterior. E isso é muito discutível. ESTELA - Haverá algum retorno ao primitivo na clonagem? Com ela em cena, era útil sabermos que no mundo vivo há muita criatividade na reprodução. Por exemplo, como é isso das espécies de rãs em que só há fêmeas? EDUARDO CRESPO - Independentemente das considerações que já fiz, a clonagem, tal como é realizada, nada tem de retorno ao "primitivo". Limita-se a reproduzir um "ovo", por uma via não natural (por manipulação laboratorial) que se desenvolve sem fecundação, sem sexo. Mas nos seres "complexos" também há casos em que os ovos se desenvolvem naturalmente, sem fecundação, sem sexo. É um fenómeno que ocorre frequentemente, até em Vertebrados (Peixes, Anfíbios, Répteis). É, p.ex., o caso da conhecida partenogénese. Neste caso os ovos produzidos pelas fêmeas desenvolvem-se em adultos, todos do mesmo sexo, sem que haja fecundação (sem participação do gameta masculino, do espermatozóide; sem que haja portanto participação de informação genética masculina). Aliás, nos seres "primitivos" (unicelulares), também há sexo (troca de material genético entre "machos" e fêmeas). O sexo não foi "inventado" pelos pluricelulares, pelos mais "complexos". Nesta perspectiva é um fenómeno "primitivo". Foi "inventado" pelos unicelulares. ESTELA - Estou a lembrar-me daquela metáfora que irritava o Prof. Sacarrão, no título de um artigo científico, "Os lagartos lésbicos"... EDUARDO CRESPO - O caso dos lagartos "lésbicos", de que falava o Prof. Sacarrão, é algo que resulta exactamente de um fenómeno partenogenético que ocorre com certa frequência, em determinadas populações, nomeadamente insulares. Em certas circunstâncias de "stress" ambiental, em vez de se reproduzirem normalmente (por via sexuada), reproduzem-se por partenogénese, dando origem a populações exclusivamente femininas. Algumas destas fêmeas assumem por vezes comportamentos de cortejamento masculino, estimulando assim as outras fêmeas a ovularem. É por isso que se designam lagartos "lésbicos". ESTELA - A clonagem cria uma situação novíssima e revolucionária, não por podermos reproduzir-nos sem relação sexual, mas porque o homem propriamente dito, o macho, vai poder ter filhos como a mulher. A maternidade - isto, claro, em termos de antecipação científica - passa a ser atributo também do macho, e é independente da idade. Como é que vê os resultados desta situação? Vamos ter sociedades ainda mais machistas do que as actuais ou menos? EDUARDO CRESPO - Nesta perspectiva não podemos falar de maternidade ou paternidade. Não há verdadeiramente uma mãe ou um pai. Há apenas uma réplica genética do "ser" que foi clonado. Como atrás referi, este "ser", apesar de diferente do ser clonado, não se pode considerar um "filho". É um "duplicado", uma cópia "imperfeita". Aliás o clone, tal como no caso da ovelha "Dolly", é mais diferente da ovelha clonada do que o são dois gémeos verdadeiros (monovulares). Como não se trata de se ter "filhos", a situação tanto seria "novidade" para a mulher como para o homem, e como tal não contribuiria, em nada, para alterar a perspectiva mais ou menos machista da nossa sociedade actual. Também não é verdade que a clonagem possa alterar substancialmente os riscos que são inerentes a uma maternidade (paternidade) em idade avançada. Em teoria, quanto mais tardio for o processo de clonagem, maiores serão os riscos de ocorrência de anomalias no clone. Praticamente os riscos serão semelhantes aos que se verificam com a fecundação in vitro de ovócitos de mulheres de idade avançada (mesmo que com eventual utilização de "barrigas/úteros de aluguer"). Com o tempo aumenta a probabilidade de haver alterações genéticas (e outras). ESTELA - Outro problema levantado pela filosofia contemporânea é o dos direitos do homem: já não faz sentido invocá-los num mundo em crise ecológica, em que é preciso, sim, falar dos direitos da "espécie". Mas veja bem: nós podemos conceder direito à vida a espécies ameaçadas - de mosquitos, lampreias ou cangurus. NÓS podemos, somos uma espécie com poder para isso. Mas a que espécie com mais poder do que a nossa iríamos reclamar direitos? A extraterrestres? E o que é isso da "espécie"? Tanto quanto sei, é um conceito, e nem sequer objecto de consenso científico. Por mim, acho que os direitos do cidadão continuam em vigor e mais do que nunca, na Terra há pessoas e não uma espécie Homo sapiens, da classe Primata, ordem Mammalia, ou vice-versa... EDUARDO CRESPO - Embora muitas vezes difícil de objectivar em termos práticos, em teoria, uma espécie é simplesmente um "sistema genético fechado". Um conjunto particular de genes (informações hereditárias) dispersos por diversos indivíduos (população/populações) que os podem trocar entre si, mas que os não podem trocar com os indivíduos de outras espécies. Por vezes, quando as diferentes populações da mesma espécie estão mais ou menos afastadas geograficamente, estas trocas reduzem-se e as populações tendem a tornar-se cada vez mais diferentes (é o caso das subespécies). No caso de essas trocas se interromperem totalmente durante muitos milhares de anos, então podem dar origem a espécies diferentes. Neste caso, mesmo que posteriormente venham a retomar o contacto, já não são capazes de trocar os seus genes. Em última análise, estas diferenças genéticas entre populações vão-se traduzir portanto na impossibilidade de se cruzarem entre si. Mas há muitos casos em que esta regra não se observa. E indivíduos de espécies diferentes, embora em geral próximas, podem cruzar-se dando origem ao que designamos por híbridos. Mas estes muitas vezes são estéreis. É óbvio que é impossível, como seria idealmente desejável, o estudo em particular de cada indivíduo de uma espécie ou mesmo de determinada população selvagem. No caso do Homem, porém, é diferente. Já há bases de dados genéticos para os indivíduos de algumas populações e até de pequenos países (p.ex. Islândia). Como tudo o que envolve o Homem, embora esse conhecimento genético seja na sua essência um bem, pode, naturalmente, ser perversamente utilizado. Como sempre acontece, não é o conhecimento que é em si perigoso, mas sim a sua melévola utilização. ESTELA - O Eduardo tem andado a estudar o tema da morte programada. Fernando Pessoa dizia que não somos mais do que "cadáveres adiados", embora também tenha escrito "Neófito, não há morte!"... EDUARDO CRESPO - A morte celular programada, que se traduz a nível citológico por aquilo que se designa por apoptose, é um fenómeno que já se conhecia há bastante tempo, mas que hoje adquiriu enorme relevância, como o demonstra a concessão do Prémio Nobel da Medicina deste ano aos investigadores que primeiro se dedicaram ao estudo da sua regulação genética. Em linhas muito gerais, e um tanto ou quanto metaforicamente, podemos dizer que existe um programa genético para a "morte" que se desenvolveu desde o início daquilo a que se chama Vida, e que se traduz pela necessidade de, para haver vida, se ter de contrariar permanentemente esse programa. Há uma luta constante entre moléculas ditas "protectoras" (da vida) e "executoras" (da morte). Só há vida enquanto houver capacidade de contrariar esse programa de morte. Se não a tivermos, se deixarmos de a ter, morremos... A relevância do fenómeno torna-se evidente na interpretação de toda uma série de processos cada vez mais exaustivamente estudados - o reconhecimento do "Eu" (não-Eu), a nível imunológico, o estabelecimento de correctas conexões neuronais, doenças auto-imunes, cancro (caso em que há falha do suicídio celular), senescência, etc... Podemos dizer, embora com algum exagero, que talvez num futuro próximo, à actual Biologia (a lógica da Vida) se venha a contrapôr uma nova área da Ciência, a Tanatologia (a lógica da Morte). EDUARDO CRESPO - Como atrás referi, a clonagem nada tem a ver com a imortalidade do indivíduo. O clone será sempre um indivíduo diferente. Nesta perspectiva também não vejo qualquer vantagem, quer a nível do indivíduo quer a nível social, da clonagem dita reprodutiva (criação de uma réplica genética de um determinado indivíduo). A bem dizer nada mais será do que um retrato "antigo", a três dimensões... Já é bastante diferente o caso da clonagem dita terapêutica - através da cultura de células pluripotentes destinadas, por exemplo, a transplantes. Isto não implica a produção de réplicas dos indivíduos, mas apenas réplicas de alguns tipos das suas células (cardíacas, nervosas, pancreáticas, etc.). Mas mesmo neste caso podem colocar-se ainda alguns problemas éticos. Estas células pluripotentes podem ser retiradas de embriões (excedentários das clínicas de fertilização in vitro ou “clonados”) ou, embora mais dificilmente, de certos tecidos dos adultos. Se para o último caso não se colocam problemas éticos, o primeiro levanta objecções. O "embrião", excedentário ou clonado, será já ou não um ser humano? A vida é um continuum e a natureza da sua expressão apenas pode ser estabelecida em termos convencionais (sócio/culturais e religiosos). ESTELA - A vida não tem princípio nem fim... EDUARDO CRESPO - Em termos biológicos, a primeira expressão da individualidade, do indivíduo, do "ser" diferente do pai e da mãe, será a primeira proteína, a primeira molécula, resultante da "cooperação" das informações genéticas maternas e paternas. Discutir a "Vida" humana, do Homem, com base no desenvolvimento do seu sistema nervoso, etc., é a mesma coisa que discutir a altura em que a alma ingressa no "corpo". Portanto o que está em causa não são propriamente as óbvias vantagens do processo de clonagem, nomeadamente para a terapêutica de doenças como a de Parkinson, Alzheimer, diabetes, enfartes, etc., mas sim o modo de se conseguir tal objectivo. Compatibilizar o necessário pragmatismo com a ética. Quanto ao último desabafo, o de o direito à vida (à saúde) ser só um privilégio dos ricos..., parece-me uma "fatalidade", quase tão difícil de ultrapassar como o problema da própria "morte"... Aos pobres restar-lhes-á terem “sorte”...
______________ (1) Jean Baudrillard - La solución final: la clonación mas allá de lo humano e inuhumano. In: "La Illusion Vital". Siglo Veintiuno de España Editores, Madrid, 2002, págs. 1-25. |