AUGUSTO BOAL
O TEATRO É COMO O AMOR
Entrevista de Maria Alzira Brum Lemos



Augusto Boal é um dos mais importantes diretores de teatro da atualidade. Nasceu no Rio de Janeiro em 1931. Estudou na School of Dramatics Arts da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, onde foi aluno do dramaturgo John Gassner. Sua maior obra é o Teatro do Oprimido, que transforma o espectador em elemento ativo, protagonista do espetáculo.

Entre 1971 e 1986, quando esteve exilado por motivos políticos, Boal desenvolveu experiências teatrais em diversos países, merecendo o reconhecimento do público, da crítica, dos estudiosos e do meio teatral. Para o jornal inglês The Guardian “Augusto Boal reinventou o Teatro Político e é uma figura internacional tão importante quanto Brecht ou Stanislawsky.” Para Richard Schechner, diretor de The Drama Review,“Boal conseguiu fazer aquilo com que Brecht apenas sonhou e escreveu: um teatro alegre e instrutivo. Uma forma de terapia social. Mais do que qualquer outro homem de teatro vivo, Boal está tendo um enorme impacto mundial.”

Augusto Boal vive no Rio, onde dirige o CTO-Centro do Teatro do Oprimido ( www.ctorio.com.br ) e dedica-se, entre outras coisas, ao trabalho teatral numa série de presídios me todo o país.

Autor, entre outras obras, de "200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro" e "Jane Spitfire", Boal acaba de lançar, pela Editora Garamond, "O Teatro como Arte Marcial". Nesta entrevista, ele fala sobre livros, projetos, política, teatro e Brasil. Em poucas e contundentes palavras.

O Sr. acaba de lançar, pela Editora Garamond, "O Teatro como Arte Marcial". Do que trata este livro? Por que "arte marcial"?

TRATA DAS MINHAS ANDANÇAS PELO MUNDO DIVULGANDO E CONSTRUINDO O TEATRO DO OPRIMIDO. CONTO CONTOS, HISTÓRIAS EXEMPLARES. É TUDO VERDADE, MAS O ESTILO É MAIS DE FICÇÃO EM BOA PARTE DO LIVRO. HÁ TAMBÉM ALGUNS ENSAIOS SOBRE O TEATRO, A ARTE, O AMOR E ENSAIOS QUE FUNDAMENTAM TEORICAMENTE O TRABALHO PRÁTICO QUE ESTAMOS REALIZANDO EM DEZENAS DE PRESÍDIOS DO BRASIL INTEIRO.

O Sr. é conhecido em todo o mundo como o criador do Teatro do Oprimido? O que é Teatro do Oprimido?

É UM SISTEMA DE JOGOS E TÉCNICAS TEATRAIS ESPECIAIS, SIMPLES, QUE AJUDAM QUALQUER CIDADÃO, EM QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA E SEM NENHUMA EXPERIÊNCIA PRÉVIA, A USAR A LINGUAGEM TEATRAL PARA, NO PRESENTE, ANALISAR O PASSADO E INVENTAR O SEU FUTURO. É USADO TAMBÉM POR ATORES PROFISSIONAIS EM VÁRIOS PAÍSES DO MUNDO.

A emergência de novas linguagens e meios de comunicação tem modificado os modos de vida e produção social, na economia, na política e na arte. O que é e o que pode ser o teatro no mundo contemporâneo?

TEATRO É A PRESENMÇA VIVA DO ATOR FACE A FACE COM O ESPECTADOR, QUE NÃO PODE SER SUBSTITUÍDA POR NENHUMA MÁQUINA. É COMO O AMOR, QUE NÃO PODE SER FEITO POR MÉTODOS ELETRÔNICOS: É NECESSÁRIA A PRESENÇA VIVA.

A cultura de massas faz parte das vidas da maioria das pessoas. Como o Sr. entende a cultura de massas? Como o seu trabalho se relaciona com a mesma?

O QUE ESTAMOS ASSISTINDO NO MUNDO É A CULTURA DA MASSIFICAÇÃO, ESPECIALMENTE FEITA PELOS FILMES INVENTADOS POR COMPUTADORES NOS ESTADOS UNIDOS, EM QUE SE APRESENTAM SEMPRE VIOLÊNCIAS DE TODO O TIPO - TIROS, SOCOS, EXPLOSÕES, CARROS QUE SE TROMBAM E CAEM DE PONTES QUE EXPLODEM ETC.

PRECISAMOS TER EM MENTE QUE A PERCEPÇÃO DO MUNDO SE DÁ EM TRÊS NÍVEIS: 1) A INFORMAÇÃO: ESTA NÓS A RECEBEMOS PELOS NOSSOS SENTIDOS, COMO OS ANIMAIS; 2) O CONHECIMENTO, QUE CONSISTE NA INTER-RELAÇÃO DE CONHECIMENTOS QUE NOS PERMITE TOMAR DECISÕES - A QUAL TAMBÉM COMPARTILHAMOS COM OS ANIMAIS; 3) A CONSCIÊNCIA, QUE NOS PERMITE DAR UM SENTIDO ÀS NOSSAS AÇÕES. ESTA É ÉTICA. ESSE CINEMA NORTE-AMERICANO (E OUTROS) FICA NO NÍVEL DA INFORMAÇÃO SEM SENTIDO MORAL OU ÉTICO, NÃO PERMITINDO AOS ESPECTADORES UMA VISÃO HUMANA DOS CONFLITOS QUE APRESENTA. ESTA É A CULTURA DA MASSIFICAÇÃO, E NÃO A CULTURA DE MASSAS.

O seu trabalho tem cunho político e o Sr. chegou a se exilar por vários anos.

TODA ARTE É FEITA POR SERES HUMANOS QUE VIVEM NO MUNDO E, PORTANTO, TÊM UMA VISÃO A PARTIR DO LUGAR ONDE SE ENCONTRAM - POR ISSO TODA ARTE É POLITICA ESPECIALMEENTE AQUELA QUE DIZ NÃO SER.

É otimista com relação ao Brasil atual?

SOU.

O Sr. é reconhecido em todo o mundo como um dos grandes criadores do teatro contemporâneo. Acha que seu trabalho é conhecido e reconhecido no Brasil? Por quê?

NÃO TANTO COMO NA EUROPA, ESTADOS UNIDOS OU ÁFRICA. AS RAZÕES SÃO MUITAS: AS DISTÂNCIAS NESTE ENORME PAÍS, A MÁ VONTADE DOS GOVERNANTES ATÉ O MOMENTO ETC.

Que grupos e autores o Sr. citaria como relevantes na atualidade?

NÃO GOSTO DE CITAR NINGUÉM PORQUE SEMPRE NOS ESQUECEMOS DA MAIORIA.

Conhece alguma experiência em Portugal?

INFELIZMENTE NÃO, MAS ESPERO CORRIGIR ESSA LACUNA - BASTA QUE ME CONVIDEM.

Quais são os seus projetos? Pensa em escrever outro livro ou, mesmo, em documentar sua experiência?

ESCREVO TUDO QUE SE REFERE AO MEU TRABALHO., ACREDITO IMENSAMENTE NO LIVRO. NA ÁFRICA, EM MUITOS PAÍSES ONDE JAMAIS SONHEI ESTAR, ESTÁ O TEATRO DO OPRIMIDO, QUE SE DESELVOLVE A PARTIR DOS MEUS LIVROS. VOU CONTINUAR ESCREVENDO ADOIDADO, COMO FIZ ATÉ AQUI, LIVRO SOBRE O TEATRO, LIVROS DE FICÇÃO, TUDO. ESCREVER É UMA FORMA DE VIVER.

Em Nova York, foi instituído o "Dia do teatro do oprimido". Do que se trata?

EXISTEM TANTOS GRUPOS FAZENDO TEATRO DO OPRIMIDO EM NOVA YORK QUE O PREFEITO FOI LEVADO A DECRETAR O DIA 27 DE MAIO DE 2003 COMO O THEATRE OF THE OPRESSED DAY.

Com esta carreira e reconhecimento em todo o mundo, encontra dificuldades para tocar seus projetos? Quais e a que as atribui?

AO ASSASSINATO ARTÍSTICO QUE FOI A INSTITUIÇÃO DA LEI DOS INCENTIVOS FISCAIS: ANTES, ERA O GOVERNO QUE DISTRIBUIA SUBVENÇÕES, HOJE TEMOS QUE CORRER DE PORTA EM PORTA EM TODAS AS EMPRESAS, COMO SE FAZ NOS ESTADOS UNIDOS, À PROCURA DE SUBSÍDIOS: QUEM DECIDE SÃO AS PESSOAS QUE ESTÃO INTERESSADAS EM FAZER O MARKETING DAS SUAS EMPRESAS E NÃO EM DESENVOLVER A ARTE, ESPECIALMENTE AQUELA QUE TEM UM MAIOR INTERESSE SOCIAL.

O Sr. dialoga com os responsáveis pelas políticas de comunicação e cultura no Brasil? O que tem dito a eles?

NÃO DIALOGO NÃO. MAS, SE FOR PROCURADO, DIREI SEMPRE AS COISAS QUE DIGO SEMPRE, COMO AGORA.


Augusto Boal
O TEATRO COMO ARTE MARCIAL

Editora Garamond / 204 páginas / 14x21cm / R$ 28,50
ISBN 85-86435-97-X

Neste livro, Augusto Boal fala de suas vivências ao fazer – e inventar – teatro durante cinco décadas: as pessoas com quem trabalhou, os momentos que viveu, as idéias que produziu, em relatos surpreendentes e muitas vezes comovedores. Criador do Teatro do Oprimido, hoje estendido por mais de setenta países, Boal também reflete nesta obra sobre suas experiências com atores e atrizes de todas as idades e de todas as origens: gente de teatro, trabalhadores e donas de casa, prisioneiros e doentes mentais, intelectuais e militantes das mais diversas causas, num projeto inovador e generoso em que vida e arte se entrelaçam, produzindo, em sua sinergia, vida mais bela e arte mais generosa.

O teatro, para Boal, é um meio de transformação subjetiva, “um meio privilegiado para descobrirmos quem somos, ao criarmos imagens do nosso desejo: somos nosso desejo, ou nada somos. (...) No Teatro do Oprimido, aquele que entra em cena para contar um episódio de sua vida é, ao mesmo tempo, o narrado e o narrador – pode, por isso, imaginar-se no futuro”. Mas não pára por aí. Segundo ele, o teatro é também, e sobretudo, um meio de intervenção social e política. O Teatro do Oprimido (e o nome já diz tudo) procura re-situar o indivíduo em seu entorno, indicando novas perspectivas das relações de poder, iluminando as formas sutis ou declaradas de dominação e exclusão social, proporcionando outras maneiras de ver o mundo e as relações sociais.

É o que Boal explica nesta obra esclarecedora, que mistura reflexão teórica sobre o drama e a tragédia, divertidas reminiscências pessoais, mitologia grega, crítica (e plataforma) política, crônica do cotidiano, elementos de psicanálise, sociologia e história da arte, Deus e o diabo no mundo de hoje, Freud, Shakeaspeare, Fórum Social Mundial, globalização e televisão, ética e estética, perfis humanos descritos com toda a ternura e profundidade, tudo isso num texto irresistível, deliciosamente coloquial e bem-humorado, sem contudo perder o rigor e a profundidade de suas teses.

O livro é um resumo da criatividade e da sensibilidade de um grande artista, com sua indignação diante da desigualdade e da injustiça, sua fina capacidade de observação do mundo e das pessoas – e as propostas e alternativas que defende para transformar o mundo (e as pessoas) por meio do teatro. Praticado, lúcida e certeiramente, como arte marcial.



















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