ANGUS GASCOIGNE
ELE É UM BIÓLOGO, NÃO UM AGENTE SECRETO!


IN ENGLISH







ESTELA - Angus, o que faz um biólogo basco em São Tomé?

ANGUS GASCOIGNE - Primeiro, um pouco de história da família - o nome Gascoigne deriva de Gascogne, região francesa que foi outrora o reino dos Vascos. Em 1066 o Duque de Gascogne e muitos soldados bascos acompanharam Guilherme da Normandia na sua conquista da Inglaterra; em consequência, foi recompensado com propriedades inglesas. Por isso devo ser um dos seus descendentes bastardos. Pelo lado da minha mãe, sou mais recentemente escocês (Patersons e Ramseys)... Um desses híbridos de que tanto gostas! Vim para São Tomé em 1989, como consultor no Ministério da Educação, e desde 1992 tenho trabalhado numa estação de Rádio pertencente ao departamento internacional da Rádio do governo dos Estados Unidos da América. Afianço-te que isto não tem nada a ver com a CIA - nada assim de tão excitante e ninguém para ouvir aqui!

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FOTOS: Philothamnus thomensis, soá-soá.

ESTELA - As espécies animais e vegetais das ilhas do Golfo da Guiné, incluída a espécie humana, são maioritariamente oriundas do continente: África, Europa, América, etc.. Que explicação científica há para esse facto?

ANGUS GASCOIGNE - As ilhas do Píncipe, São Tomé e Annobon são de origem vulcânica e, dadas as profundidades marinhas que existem entre elas, e entre elas e o continente, bem como a sua idade geológica subaérea, nunca estiveram ligadas entre si nem ao continente africano. No entanto, Bioko (outrora Fernando Pó) só dista 42 kms do continente em águas de relativamente pouca profundidade. Durante os períodos glaciais, quando os níveis do mar estavam significativamente baixos, esta ilha deve ter estado ligada ao continente. Embora a maioria das espécies que se encontram na ilha sejam comuns à fauna do continente africano, as ilhas têm um alto nível de espécies únicas em cada uma, isto é, endémicas: quer dizer que só existem na ilha em questão e em mais parte nenhuma do mundo. Muito poucas destas espécies são partilhadas entre as ilhas. Como é que aparecem as espécies endémicas? Há duas teorias principais - uma diz que dada espécie chega a uma ilha e evoluciona para uma nova forma como resposta às condições que encontra; a segunda diz que certa espécie chega a uma ilha e entretanto extingue-se na região de origem - é a relíquia. Os mecanismo de dispersão a partir do continente são variados: transporte de pólen pelo vento, aves perdidas, morcegos e insectos arrastados por um temporal ou animais que são transportados em troncos flutuantes...

Por conseguinte, Bioko tem muito menos espécies endémicas por ter estado ligada ao continente há aproximadamente 10.000 anos.

No século XV chegaram os humanos - da Europa, da Ásia, da África - as ilhas foram famosos centros do tráfico de escravos. Com a chegada dos humanos, novas espécies vegetais e animais foram deliberada ou acidentalmente introduzidas. É por isso que agora o país hospeda lesmas europeias e um biólogo basco/escocês bastardo!

ESTELA - Uma das tuas façanhas foi a redescoberta em São Tomé de uma espécie terrestre assinalada pela primeira vez na ilha antes dos tempos de Francisco Newton... Diz-nos que espécie é essa, onde e em que circunstâncias encontraste os animais. Eu trato-os como "caracóis bivalves"...

ANGUS GASCOIGNE - No princípio dos anos 90, uma equipa do Museu de História Natural de Londres veio investigar o vector dos parasitas dos moluscos de água doce que causam a schistosomíase, no âmbito de um projecto do WHO. Um dos seus colegas tinha pedido que apanhassem todas as conchas de gastrópodos terrestres que encontrassem. Quando chegaram a Londres, o seu colega contactou comigo para me dar a excitante notícia de que a Thyrophorella thomensis estava entre essas conchas. No curso de uma expedição em busca de espécimes vivos... depressa os encontrámos em Zampalma e a maiores altitudes... E logo os fotografámos vivos e publicámos a notícia na BBC Wildlife.

Thyrophorella thomensis é uma espécie única entre os gastrópodos porque na abertura da concha tem uma charneira que fecha atrás de si quando se retrai. Daí o seu nome inglês: São Tomé Door Snail - caracol-porta de São Tomé. Por este motivo foi cientificamente criada para ela a sua própria família - uma família mono-específica e mono-genérica! (Thyrophorellidae).

ESTELA - Como é que a ciência explica o aparecimento de moluscos terrestres em ilhas vulcânicas?

ANGUS GASCOIGNE - Os gastrópodos terrestres dispersam-se com bastante facilidade - os ovos e formas juvenis são muito pequenos e facilmente se dispersam levados nas patas das aves, flutuando na vegetação ou mesmo arrastados pelo vento. O que é interessante nas ilhas de São Tomé e Príncipe é a existência de inusuais espécies endémicas de grandes dimensões, como Arcachatina bicarinata, um caracol terrestre gigante endémico das ilhas, e Columna columna, endémico do Príncipe, cujos ovos e juvenis são proporcionalmente grandes. A primeira tem espécies irmãs no continente: então como chegou aqui? A outra pode ter sofrido evolução a partir de uma espécie colonizadora de pequenas dimensões, hoje extinta no local de proveniência.

O que é fascinante acerca da biodiversidade nas ilhas é o estudo de como começa e se desenvolve. Estamos apenas a começar a ter uma perspectiva acerca de muitos problemas levantados pelas espécies endémicas.

ESTELA - A Thyrophorella, e outras espécies, caso de aves, permaneceram invisíveis à ciência durante uns cem anos, e só em finais do século XX começaram a ser redescobertas... Algumas foram dadas até como espécies extintas. Qual a tua explicação para o facto de os naturalistas as não terem encontrado?

ANGUS GASCOIGNE - A história da exploração das ilhas do ponto de vista da História Natural tem progredido erraticamente desde que os primeiros colectores as visitaram, durante o século XIX. A permanência de Francisco Newton nas ilhas entre 1885-1895 foi o primeiro esforço concentrado para coligir exemplares da fauna, e menos extensamente da flora. Das suas colecções resultou a descrição de muitas espécies novas. Mas esta oportunidade é rara na comunidade científica - o investigador de campo normal só pode visitar uma localidade por algumas semanas, ou meses no melhor dos casos. Newton esteve dez anos! Expedições posteriores, em especial a de Arthur Wallis Exell em 1932, para coligir plantas - ver o seu Catalogue of the Vascular Plants of São Tomé (com Príncipe e Anobom) publicado em 1944 - também resultaram na descrição de muitas espécies novas. Porém, entre Exell e os anos 90 muito pouca investigação em História Natural se levou a cabo nas ilhas. Algumas expedições se fizeram de curta duração, e com largos intervalos, mas não providenciaram novas informações. Excepção é o trabalho de Padre René de Naurois, no final dos anos 60 e começos dos anos 70, sobre as aves de São Tomé e Príncipe, que chamaram a atenção para a perda de habitat e para a ameaça de extinção que pesa sobre algumas espécies de aves das ilhas, especialmente a ibis (Bostrychia bocagei), o picanço de São Tomé (Lanius newtoni), o enjolo (Neospiza concolor) (antes só conhecido das colecções de Newton), o Short-tail de São Tomé (Amaurocichla bocagei) e o Tordo do Príncipe (Turdus olivaceofuscus xanthorhynchus).

ESTELA - A mamba também foi assinalada em S. Tomé no século XIX, e nunca nenhum naturalista a viu na ilha. Temos no TriploV um dossier intitulado "A mamba de São Tomé", com a maior parte das fontes primárias, porque tu estavas a escrever sobre ela e querias informações. Já acabaste a história? Que descobriste de novo? A serpente ou alguma paródia?

ANGUS GASCOIGNE - A famosa mamba de São Tomé! As tuas páginas no TriploV descrevem tudo! Carl Weiss coligiu-a "algures" em 1840 mas na mesma expedição também coligiu no continente; Moller coligiu-a supostamente em 1885 mas era famoso por receber espécimes de todos e mais alguém durante muitos anos; Newton, cujo conhecimento das ilhas devo respeitar, não acredita na presença da mamba em São Tomé e pensa que todos confundem a inofensiva, esbelta e endémica Philothamnus thomensis com a mamba (como Fea primeiro confundiu)... e mais nada desde então!

Embora, como te escrevi, um correspondente europeu afirme que a mamba vive na ilha do Príncipe, porque se diz que um colector suíço comprou uma mamba no tráfico de animais exóticos de estimação como sendo originária do Príncipe! Para mim, a história está encerrada... exemplares erradamente etiquetados, etc... É remotamente possível que esteja por descrever uma espécie de Philothamnus no Príncipe (uma espécie endémica em São Tomé, outra em Annobon) mas deve ser muito rara...

Fotos de Dendroaspis jamesoni gentilmente cedidas por Bob Drewes

ESTELA - Que outras espécies foram descobertas ou redescobertas ultimamente nessa prodigiosa ilha?

ANGUS GASCOIGNE - Tal como se redescobriram as espécies de aves já mencionadas, também se descobriu nos anos 80 uma nova espécie de morcego, várias espécies novas de invertebrados (insectos, caracóis, etc.). Uma nova espécie do género Drosophilla (mosca do vinagre), tão importante para a investigação genética, foi também descoberta nos passados anos 90. E agora temos um espécie pantropical de escorpião em São Tomé. Claramente não estava aqui na época de Newton porque é relativamente comum no norte da ilha, mas não muito conhecido pela população.

ESTELA - Quais são, para ti, as espécies animais que melhor caracterizam a fauna de São Tomé? As que os habitantes conhecem bem ou aquelas que raramente ou nunca são vistas? Para mim, que sou escritora acima de tudo, e nunca fui à ilha, as espécies mais interessantes são a Thyrophorella, a mamba e os cágados (Pelusios)...

ANGUS GASCOIGNE - Estás a perguntar duas coisas distintas! Aquelas que a população conhece bem e aquelas que não conhece. Uma vez que a maior parte da população descende de imigrantes (na maior parte escravos e trabalhadores contratados), o seu conhecimento da flora e fauna endémicas é limitado. Por exemplo, só uma no repertório local das plantas medicinais é endémica. Algumas espécies endémicas de aves que se adaptaram ao habitat das plantações de cacau e café, transformado no século XIX, são bem conhecidas - o truqui-sum-Deus (Prinia de São Tomé - Prinia molleri) vive na cidade e acorda-me todas as manhãs com o seu incrível bater de asas, queda livre e movimentações de cortejamento; o selele (Beija-flor-pequeno de São Tomé - Nectarinia newtoni) e o tomé-gagá (Papa-moscas de São Tomé - Tersiphone atrochalybeia) são bem conhecidos porque se adaptaram a habitata alterados pelo homem, o papagaio cinzento africano no Príncipe, os introduzidos macaco e gato-almiscarado...

Do ponto de vista biológico, a Thyrophorella é fascinante. Myonyicteris brachycephala é uma espécie endémica de morcego com fórmula dentária assimétrica, o que é único entre os mamíferos de todo o mundo! Tem um dente central na frente do maxilar inferior - tu e eu, em comum com gatos, cavalos, cães, elefantes, etc., temos dois! Begonia crateris e Begonia baccata são dez vezes maiores que as outras begónias; Leptopelis palmatus, no Príncipe, é a maior rã arborícola de África. Aves gigantes - Neospiza concolor, o Pombo Bravo (Columba thomensis) e o Beija-Flor Preto de São Tomé (Dreptes thomensis)... Como é que o musaranho de São Tomé (Crocidura thomensis), o nosso único mamífero terrestre endémico, conseguiu cá chegar, se precisa de comer de hora a hora? Como é que as rãs e as cecílias (Caecilidae: Schistometopum) endémicas cá chegaram? Os anfíbios não sobrevivem na água salgada... Os cágados (Pelusios), animais de água doce, são comuns mas não são endémicos - até podem ter sido introduzidos, mas, como sugeres, são bichos simpáticos. A mamba, como digo, parece ser uma ficção.

ESTELA - Há uma passagem numa carta de Francisco Newton muito misteriosa. Diz ele que em África nunca tinha tido febres, o que contradiz todas as suas outras cartas, pois passa a vida a lamentar-se que está doente, com delírios, febres altíssimas, e que tomou quinino, etc.. Tu achas possível passar dez anos em São Tomé sem nunca ter tido um ataque de paludismo? Como é hoje em dia? Adoeces pelo menos uma vez por ano ou não?

ANGUS GASCOIGNE - Quatro em dez óbitos em São Tomé e Príncipe devem-se à malária. Mas sim, algumas pessoas têm resistência. Oiço histórias sobre são-tomenses que passaram aqui 20 anos sem nunca a terem sofrido, foram estudar para o estrangeiro durante quatro anos, e no regresso sucumbiram. Eu apanho paludismo uma ou duas vezes por ano - em geral quando o meu sistema imunitário está debilitado por andar a tomar antibióticos por uma ferida se ter infectado, ou me ter constipado e os meus anticorpos estarem em baixo de forma, ou algo assim. Também li que pessoas com metade da composição genética, responsável pela anemia falciforme (muito mais significativa entre populações africanas do que caucasianas) dispõem de mais protecção e que a evolução destas condições deve ser uma resposta à malária. Se a prevenirmos o mais possível e a tratarmos rapidamente e com eficácia, ela não será assassina - já perdi a conta a quantas vezes estive doente e ainda não morri! Talvez Newton tivesse protecção da anemia falciforme, talvez bebesse barris de gin e cerveja!

ESTELA - És webmaster de um site, Gulf of Guinea Islands' Biodiversity Network, pertencente ao Gulf of Guinea Conservation Group: http://www.ggcg.st. Como se integra o site nas actividades desenvolvidas pelos biólogos em São Tomé?

ANGUS GASCOIGNE - O Gulf of Guinea Conservation Group foi criado no curso de um seminário do Jersey Wildlife Preservation Trust, o qual congregou cientistas espanhóis, portugueses e ingleses que trabalhavam na biodiversidade das ilhas do Golfo da Guiné. As actas do seminário foram publicadas no jornal científico Biodiversity and Conservation (1994: 3(9)). Nesse seminário foi proposto um plano algo ambicioso para formar uma ONG (organização não-governamental) transnacional dedicada ao estudo e conservação da biodiversidade das ilhas, que infelizmente não foi avante. No entanto, desenvolveu-se uma rede imprecisa mas activa de cientistas que trabalham nesse sentido ou se interessam pela biodiversidade das ilhas, cujo foco é neste momento o website www.ggcg.st. Uma quantidade de contribuições chegam e saem e o site podia ser mais sofisticado, mas nós publicamos de vez em quando notícias importantes como a primeiríssima fotografia do enjolo (Neospiza concolor), em Agosto do ano passado.

ESTELA - No teu site, agora estás a publicar antigos relatos sobre as ilhas do Golfo, e até na versão original, através de imagens do texto, como é o caso de "Glimpses of Feverland", de Archer P. Crouch, que viveu nas ilhas na época de Newton. O que é que esses relatos trazem de enriquecedor para a ciência?

ANGUS GASCOIGNE - Relatos históricos, estatísticos, económicos e outros proporcionam maravilhosos pontos de vista sobre o desenvolvimento das ilhas através do tempo. Por exemplo, os relatórios financeiros anuais das várias companhias proprietárias de plantações de cacau e café no princípio do século XX prestam informações sobre a extensão de terreno limpo, o número de cacaueiros, palmeiras, etc., que se plantaram, os africanos contratados, número dos que morreram - e tudo isto constitui informação útil para avaliar como mudam e evolucionam os habitata disponíveis na ilha ao longo do tempo e como a actividade humana pode ter causado impacto na vida selvagem indígena, e, evidentemente, tudo isto conta a história das ilhas. Também fornecem muitas vezes divertidos relatos sobre as pessoas, costumes e tradições, quer da Europa quer de África.

ESTELA - Estás sempre a pedir que continue a escrever sobre Francisco Newton, mas já te expliquei que não tenho mais informações. O que tenho são cartas de Leonardo Fea, mas só umas dez, e parte do conteúdo já o transcrevi na história de Newton. Posso escrever sobre o Leonardo Fea, mas o que é que te interessa mais? A história de Leonardo Fea é mais pobre que a de Newton do ponto de vista humorístico... A sua maior piada é o facto de aparecerem colheitas dele em "Caconda, no Rio Cacine"...

ANGUS GASCOIGNE - Leonardo Fea morreu logo após o regresso à Europa (de paludismo?). Embora pareça ter visitado poucas localidades em São Tomé, tendo-se instalado em apenas duas ou três plantações mais acessíveis a baixa altitude, coligiu uma quantidade enorme de material, principalmente invertebrados, depositados no museu de Génova, que foram estudados por muitos cientistas de renome muitos anos depois. As suas colecções prestaram enorme contributo para o nosso conhecimento da fauna das ilhas.

ESTELA - No TriploV pus o prefácio de "On the Birds of Fernando Po", de Boyd Alexander, e o seu mapa da ilha, hoje Bioko, é um dos meus exemplos favoritos para falar da subversão em ciência, porque ele inventa localidades como Banterbari e situa a ilha no Atlântico Sul. Em princípio, Francisco Newton fez a exploração de Fernando Pó em 1894-1895, e com os exemplares recolhidos Bocage publicou um catálogo em que não havia uma única espécie nova além das já conhecidas, todas elas continentais. Boyd Alexander, acompanhado pelo poeta José Lopes da Silva, faz nova exploração em 1902, e descobre umas trinta novas espécies, quase todas exclusivas da ilha... Não sei se todas essas espécies permanecem válidas, se alguém alguém as voltou a encontrar...

ANGUS GASCOIGNE - Falarei do assunto referindo o trabalho de Jaime Perez del Val, que é actualmente o especialista das aves de Bioko (Perez del Val, J. 1996. Las Aves de Bioko, Guinea Ecuatorial - Guia de Campo. Edilesa, Leon, Spain). Parece que Newton acrescentou várias espécies à fauna aviana de Bioko "[Newton] es el primer colector de vertebrados que corona la cima del Pico Basilé y consigue realizar una importante contribución a la lista de aves de la isla añadiendo 13 especies a las ya conocidas desde los tiempos de Fraser, entre ellas el endémico Miopito de Fernando Poo (Speirops brunneus). Sin embargo, su labor no se centra exclusivamente en las aves y ello permite que sólo siete años despues el incansable teniente Boyd Alexander y su colector portugués, J. Lopes, consigan en dos meses aumentar de forma considerable el número de las aves de Bioko con 51 nuevas adiciones." Estas novas adições à ornitofauna de Bioko, algumas das quais eram consideradas endémicas na altura, foram depois descobertas no continente, perdendo assim o seu estatuto de endemismos. Uma única espécie endémica é actualmente reconhecida em Bioko, com várias subespécies endémicas. O nosso conhecimento da biodiversidade das quatro ilhas é de facto muito melhor do que o das regiões vizinhas do continente. Várias espécies, como Begonia annobonensis e Begonia thomeana foram primeiro descobertas nas ilhas e só mais tarde no continente. Embora o mapa de Boyd Alexander situe Bioko no "South Atlantic Ocean", as latitudes indicadas situam a ilha claramente no hemisfério norte. É interessante notar que o mapa foi feito pelos padres da Missão Católica da ilha "com correcções e acrescentos" de Alexander. Como é que se origina a praia Barterbari? Bantebare e Bantebare Pequeno estão assinalados no mapa de Bioko de 1979 na escala de 1:100,000. Praia de Algés, no mapa de São Tomé de 1950 é normalmente referida a Pinheira ou Pinheira Praia porque pertenceu à Roca Pinheira do interior, de onde descia uma linha férrea até à Praia de Algés, para transporte de produtos agrícolas por mar até à capital. Durante séculos, certamente nos mapas de São Tomé e Príncipe os topónimos mudaram de modo significativo. Mesmo algumas localidades de colheita de Newton são hoje indetectáveis. Em Bioko, decerto ocorreu confusão entre os nomes de lugar bubis (indígenas), ingleses, espanhóis e portugueses. Santa Isabel, a maior cidade da ilha de Fernando Pó (Bioko), é hoje Malabo. A ilha de Annobon foi nos anos 70 renomeada para Pagalu (Pai do Galo), para só recuperar o nome original nos anos 90.

ESTELA - Numa família são-tomense em que durante várias gerações todos nasceram com olhos, pele e cabelos escuros, de repente aparece uma criança de pele branca e olhos azuis... Como é que a biologia explica o facto?

ANGUS GASCOIGNE - Sem entrar em grandes detalhes genéticos, São Tomé e Príncipe é um grande caldeirão de grupos étnicos - cada tom de pele encontrado na costa africana, desde Angola até à Guiné, cruzado com cada tom de pele europeu, deu como resultado todas as misturas. Mostra-me uma família de forros em São Tomé sem "genes" europeus na sua história! Eu penso que não há. Acrescenta a isto a mais recente imigração de Cabo Verde (sempre a mesma mistura), e mais a chinesa, indiana e inglesa. Várias famílias negras de forros têm nomes chineses - Loi Heng, Lau Chong, etc.. Smith é outro nome de família santomense negra com parentes brancos em Inglaterra! Um moçambicano e um angolano dão à luz... uma sociedade crioula.

ESTELA - São Tomé foi outrora a jóia da coroa portuguesa, por causa do cacau. Como é a vida hoje na ilha, quais os seus problemas, as suas riquezas naturais?

ANGUS GASCOIGNE - Hoje São Tomé e Príncipe é um belo país. Annobon (parte da Guiné Equatorial), também. São Tomé e Príncipe é economicamente inviável a menos que chegue a promessa de petróleo. A malária, maior responsável pela mortalidade, anda à solta, impedindo o desenvolvimento de indústrias como o turismo. As reformas da agricultura estão a deslocar pessoas dos bairros pobres (sanzalas) das plantações para casas nos seus próprios campos, os mercados estão cheios de produtos nacionais e importados, os ricos estão a ficar cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Sob o regime de partido único, não havia nada nas lojas e não havia mendigos, agora as lojas estão cheias e temos meninos de rua e velhos sem abrigo. A moeda agora estabilizou. E não haverá guerra nem massacres - todos são família. O remanescente das florestas primárias é de acesso difícil, o que as protege. No entanto, não existe legislação protectora. Isto deve ser uma prioridade para a conservação da biodiversidade do país. A linha costeira também precisa de protecção - muitas praias de São Tomé já foram severamente destruídas pela extracção de areia para a construção. Se São Tomé e Príncipe encontrar petróleo, terá disponibilidade financeira para proteger adequadamente estas riquezas naturais. Contudo, esta riqueza exercerá outras pressões sobre um ambiente que é essencialmente um micro-habitat à escala global. É um país maravilhoso, onde, mesmo passados aqui dez anos, ainda tenho muita novidade para descobrir e para me deleitar.