É um livro de 1996, agora reeditado pela Iluminuras (São Paulo, 2002), a "Volta" de Claudio Willer. Essa volta relaciona-se com o acaso objectivo, por conseguinte com o mistério do surrealismo, mas é também uma volta pelo espaço literário, desde o parisiense de André Breton, às suas expressões na vanguarda brasileira. E é ainda outras voltas pelo bairro dos alquimistas em Paris, sobrepostas a outras tantas pela cidade de São Paulo, e por uma quantidade de textos, que em comum têm a relação com a magia. Livro que agarra o leitor, pela colagem contínua de deambulações e acontecimentos em dois diversos continentes, pela pertinência da análise literária, pela perfeita hibridação de géneros, num registo de escrita suficientemente flexível para não gerar arritmias, e também pela sequência de factos explicáveis e inexplicáveis que é a volta da vida, no caso consignada na obra de arte.
Isso que acontece é uma revelação, um facto que irrompe no presente vindo do passado ou do futuro, como os encontros de Willer com Augusto Peixoto, ou como o seu livro, "Dias Circulares", voltado às mãos do autor após a morte de Augusto, com a sua inquietante dedicatória e o seu premonitório título. São poderes relacionados com a comunicação, vêm de dentro e de fora e chocam uns contra os outros, produzindo o maravilhoso. Mas terão origem linguística? Claro que os poetas trabalham com as palavras, falam às aves, podemos mesmo maiscular a Palavra e falar de Verbo, mas este Verbo e esta Palavra são redutíveis a signos linguísticos? Se fossem, toda a literatura seria magia e não é. O que existe na matéria verbal susceptível de produzir aquilo que em geral é do domínio da magia? Talvez o som. Não é a poesia encantatória muitas vezes anterior à escrita? E essas práticas poéticas com signos sem significado não serão algo equivalente a um tan-tan, ao rufar de um tambor? É o mundo da analogia o explorado pelo autor na sua volta. Talvez no surrealismo mais do que em qualquer outro núcleo congregador de artistas, alquimia e ocultismo estejam embrenhados na poesia a ponto de a destrinça ser impraticável. "Talvez nós, os escritores, ainda venhamos a ser os verdadeiros detentores do saber hermético" - escreve Claudio Willer. E não seremos já detentores de algum poder mágico? É importante ventilar estes assuntos, numa época ainda tão rígida e unidimensional como a nossa, em que se desprezam modos de conhecimento alheios ou mesmo hostis ao lençol branco da racionalidadezinha - admitindo que esta exista. A poesia é um deles, exactamente como ao vedor se revela a presença da água na vibração de dois ramos de árvore. Mas é um conhecimento perigoso, porque não abre a porta para uma tranquilidade dourada. Como a biografia de tantos poetas revela, a luz pode cegar, matar ou levar à loucura. Não devemos estar preparados para lidar com aquilo que ainda não dominamos, seja lá o que for - o inconsciente, outra qualquer fonte de energia, ou Deus. Este fascinador e belo livro de Claudio Willer não é decerto acessível a todos os cibernautas. Mas no dia 13 de Maio o autor apresentará a conferência inaugural do V Colóquio Internacional "Discursos e Práticas Alquímicas", aqui, no TriploV. E então os leitores poderão apaziguar alguma da sua sede pelo assunto, pois é da qualidade de mago do poeta que ele vai falar. |