MADALENA FÉRIN: ENTRE O LOGOS E O MITO


UM ESCORPIÃO COROADO DE AÇUCENAS
MADALENA FÉRIN
HUGIN EDITORES, LISBOA, 2003, 56 págs.





De seu nome completo Maria Madalena Velho Arruda Monteiro da Câmara Pereira Férin, a autora nasceu a 22 de Julho de 1929 em Vila Franca do Campo, na ilha de S. Miguel (Açores). Licenciou-se em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Em 1957, Madalena Férin deu à estampa o primeiro livro, Poemas, agraciado com o Prémio Antero de Quental, do Secretariado Nacional de Informação. Seguiram-se outros livros de poesia: Meia-noite no mar (1984), A cidade vegetal (1987), O anjo fálico (1990) - este recebeu o Prémio Antero de Quental do Concurso Literário dos Açores -, Pão e absinto (1998), Prelúdio para o dia perfeito (1998), Quarteto a solo, de que é co-autora (2000), e Um escorpião coroado de açucenas (2003).

Além do conto Dormir com um fauno (1998), no género ficcional publicou até agora três romances: O número dos vivos (1990), Bem-vindos ao caos (1996) e África Annes (2001).

Figura em várias antologias, em especial relativas à insularidade, e tem artigos publicados na Revista Ocidente e Revista de Portugal, entre 1981 e 1996, bem como nas actas de vários congressos.

Com Sophia de Mello Breyner Andresen e Maria Natália Duarte Silva colaborou na programação da colecção juvenil "Nosso Mundo", na qual figuram alguns livros que também traduziu.

É sócia da APE - Associação Portuguesa de Escritores - com o número 825.

É na teia entre logos e mito que habita Madalena Férin, tal como ela mesma afirma neste seu último livro, Um escorpião coroado de açucenas. Entre o logos e o mito vivemos todos, a questão é saber como se conjugam na teia as duas tendências, e que valores apresentam na obra. Ela é tecida com signos de sinal contrário, como já o escorpião e a açucena do título revelam, porém não representam um o logos e outro o mythos: ambos se situam no mesmo lado da teia - a fala do inconsciente.

Trazer à baila o inconsciente equivale a situar a autora numa linhagem estética valorizadora da obra que nasce do sonho, da espontaneidade, do afastamento dela em relação aos procedimentos miméticos na expressão da realidade, e isso vem do Romantismo, para ganhar muito maior pujança no Surrealismo, daqui divergindo para um série de outras expressões da nossa modernidade.

Paradoxalmente, eu diria que neste livro o logos se exprime nas figuras do mito, os grandes heróis homéricos e da tragédia grega - Circe e Andrómaca, sobretudo. O mito, o que vem à imaginação sem o suporte da memória cultural, aquilo que o próprio poeta não controla, e se controlasse era capaz de o censurar, é a presença de sinais demoníacos - a missa negra, dita sobre o altar do corpo da enunciadora, o demónio em pessoa, se assim é possível declarar - a orgia presidida/pelo diabo -, as sugestões de possessão, vinculadas à Terra-Mãe e à sua insaciedade.

Há poetas incapazes de escrever uma linha fora de um tempo e de um espaço sagrados, que podem ser os da paixão (ou depressão). O que os inspira é o jacto das emoções, e isso traça uma fronteira muito nítida com os procedimentos frios do ensaio ou mesmo do romance. Essa força libidinal tem um nome no esoterismo, é a Kundalini, a energia sexual - a que transmuda a água em fogo, no conjunto de poemas "A montanha suspensa". Madalena Férin pertence ao grupo dos poetas visionários, e este livro, cheio de rituais de feitiçaria, não quer dizer que ela tenha alguma ligação com a magia negra, sim que era negra a onda emocional que lhe subjaz.