Doze poemas homoeróticos de Manoel Tavares Rodrigues-Leal

 

LUÍS DE BARREIROS TAVARES
Org.


Apresentação

Agora, que se publica uma vasta antologia do homoerotismo (O tamanho do nosso sonho é difícil de descrever: antologia do homoerotismo na poesia portuguesa), reunindo 101 poemas do séc. XIII até hoje (ed. Avesso; org. Vitor Correia e Vladimiro Nunes; ver ligação em baixo), vem a propósito trazer a público 12 poemas inéditos homoeróticos de Manoel Tavares Rodrigues-Leal (1941-2016), alguns de teor pornográfico. E não esqueçamos “que seria possível levar à letra o que disse uma vez o poeta americano Frank O’Hara, que era homossexual: ‘O objectivo de toda a poesia é foder’” (na recensão de António Guerreiro, Público – 21/11/2021). Manoel T. R.-Leal é um grande poeta ainda arredado do cânone literário português.

Se Manoel Tavares Rodrigues-Leal escreveu belíssimos poemas, dos mais belos poemas de amor evocando a mulher (à mulher com quem foi casado e de quem se divorciou, e às inúmeras namoradas e amigas que teve), isso deve-se sem dúvida, por mais paradoxal que pareça, àquela outra dimensão da sua vida erótica e sexual, a homossexualidade ou, mais especificamente, a pederastia, tal como o grande poeta italiano Sandro Penna e outros. “Il problema sessuale / prende tutta la mia vita. / Sarà un bene o sarà un male / mi domando ad ogni uscita.” [O problema sexual / domina toda a minha vida. / Será um bem ou será um mal / pergunto-me a cada saída.”] (Sandro Penna, No Brando Rumor da Vida, trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo, Lisboa, Assírio & Alvim, 2003, pp. 166-167).

Nunca conseguiu aceitar e assumir inteiramente a sua homossexualidade (e/ou bissexualidade), salvo nalguns momentos da sua vida e obra, principalmente em certas fases do final da sua vida, quando publicou os seus cinco livros de edição de autor, a partir de 2007, todos eles com evocações homoeróticas. Mais evidente é Fidelidade de um Fauno (c 2010-11), e também a Noção da Inocência (2008). De facto, o sofrimento foi tão intenso e persistente ao longo da sua vida, que por várias vezes foi internado em casas de saúde mental ou hospitais psiquiátricos, os “manicómios”, como poeticamente e autobiograficamente escrevia, não sem humor e um tom espirituoso: “Belas, casa de saúde mental; manicómio para gente fina; uma duquesa iria para ali”; ou “A claridade veste o dia: como optar pelo manicómio com um dia lindo? (Lx. 2-10-77 – Paisagens de água), etc. Manoel Leal esteve internado no Miguel Bombarda, Telhal, Júlio de Matos, Belas (Irmãs Hospitaleiras), Camarate (São José), etc. Não esquecendo que tinha medo de enlouquecer “Cabe-me acabar num manicómio” (numa carta ao irmão Nuno):

Como eu envelheci em função de uma desastrosa família. Recolho louco a um manicómio económico (o Telhal), louco, doente, absolutamente só e precocemente velho, aos 36 anos. Afinal tenho de baixar a um manicómio ainda mais económico, o Miguel Bombarda, porque não tenho 10 ou 12.500.00 [escudos] para remédios, roupa lavada, médico. Bicas e tabaco (isto, no Telhal). (Lx. 28-3-78 – redigido no caderno Diurnidade)

A infância e a adolescência foram períodos da sua vida nos quais passou por certas experiências, voluntárias ou não, casuais e/ou induzidas. Como é sabido, isso acontece a inúmeras pessoas nas primeiras fases da vida. Essas experiências são geridas mais tarde consoante muitas circunstâncias, podendo ser assimiladas ou superadas, independentemente das opções e orientações que se tomam, sejam elas naturais, legítimas ou o que for. No caso de Manoel Leal tratava-se de um conflito muito problemático porque moralmente censurável por uma família, tradicional, conservadora a vários títulos (ver citação acima). Mas, na realidade, o conflito era mais interior, porque os familiares, excepto a mãe e talvez um irmão, não tinham conhecimento das suas orientações sexuais.

Mas cada pessoa é um universo imenso; ou citando Álvaro de Campos, “a alma humana é um abismo”. Apenas afloro alguns aspectos do homem e do poeta, fruto da convivência que tive durante anos, mas sem poder sondar o mundo seja de quem for.

Mas o que é espantoso em Manoel Leal é que essa conflitualidade foi, ao mesmo tempo, condição de possibilidade para o seu mundo da escrita, para a sua obra poética e para os extraordinários poemas dedicados às mulheres e à sua sensualidade.

Há uma tensão dual, dupla e fundamentalmente múltipla – pois há várias vertentes e linhas temáticas na sua obra –, inclusive a dimensão reflexiva ou mais propriamente filosófica: “Na mais ampla mesa do pensamento mesa / repousa a ideia antiga do instante breve” (publicado na Triplov – caderno Uma Pequena Paz Talvez (1989)); “E, sozinho, me debruço sobre o não-ser que é lídimo ser aquém…” (publicado na Caliban – caderno O Comércio do Amor (1980)).

Em nosso entender, Manoel Leal criou uma das obras poéticas mais extraordinárias evocando o corpo, a sensualidade, o amor e a erótica.

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Ligação da Antologia do homoerotismo na poesia portuguesa:
https://d7.dnoticias.pt/2022/10/30/334186-antologia-portuguesa-de-poesia-homoerotica-reune-101-poemas-do-sec-xiii-ate-hoje/