Dia Mundial da Filosofia

A.M. GALOPIM DE CARVALHO


Em 2002 a UNESCO instituiu o Dia Mundial da Filosofia, no propósito de promover a reflexão sobre os acontecimentos actuais, fomentar o pensamento crítico, criativo e independente, contribuindo assim para a promoção da tolerância e da paz. Desde então este dia é celebrado em todo o mundo na terceira quinta-feira do mês de Novembro, que este ano terá lugar amanhã, dia 16.

Tudo o que aqui se pretende promover está contemplado no teórico e ilusório propósito oficial da nossa escolaridade obrigatória, agora de 12 anos. Basta ler os textos de alguns dos responsáveis pelo nosso ensino para verificar que assim é. Mas a verdade é que continuamos a ser um povo em que ainda são muitos os desinteressados pelos valores da ciência e da cultura, alienados pelo “jogo da bola” e em que muitos militantes e a maioria dos simpatizantes dos partidos políticos desconhecem os fundamentos das respectivas ideologias.

A Revolução de Abril, escancarou não só as portas, como os portões e as janelas, ao conhecimento nos mais variados temas das culturas científica, humanística e artística. Mas vivemos 43 anos, praticamente, de costas voltadas para estes valores, entretidos com futebol, lutas entre os aparelhos partidários, e três televisões, duas delas, privadas, essencialmente vocacionadas no lucro (o que não choca, como empresas que são e garantem trabalho a muita gente) e uma, pública, paga por todos nós, que “dá ao povo aquilo de que o povo gosta” e que, assim, não sai da incultura em que cresceu, vive e vai despedir-se deste mundo, sem ter aproveitado o prazer de saber e com isso ter participado numa sociedade melhor.

Não obstante os belos propósitos, que eu diria falhos de convicção, de responsáveis pelo ensino como, por exemplo o que diz que a escolaridade obrigatória estabelece que um aluno, no final dos respectivos 12 anos, esteja “munido de múltiplas literacias que lhe permitam analisar e questionar criticamente a realidade, avaliar e selecionar a informação, formular hipóteses e tomar decisões fundamentadas no seu dia a dia”, a verdade é que (só falo da experiência que tive) são muitos os rapazes e as raparigas, que pouco ou nada leram, que chegam à universidade falhos de todas as culturas, sem saberem escrever português.

Os teóricos que aconselham os governos pretendem (ilusoriamente e estou em crer que sem convicção) que o jovem, cumprida a escolaridade obrigatória, “seja livre, autónomo, responsável e consciente de si próprio e do mundo que o rodeia”, mas basta ver a elevada percentagem de abstenções nos actos eleitorais, para constatar a falência deste nobre propósito.

Os programas oficiais estabelecem que, nas diferentes áreas de competências, os alunos aprendam a “colaborar em diferentes contextos comunicativos, de forma adequada e segura, utilizando diferentes tipos de ferramentas (analógicas e digitais), com base nas regras de conduta próprias de cada ambiente”. Um belo e elevado propósito que não teve e continua a não ter realidade visível na média dos nossos cidadãos e cidadãs. O que salta à vista nos dias que correm e nesta geração de adolescentes, que teve e tem o privilégio de fruir da condição de estudante, é o uso obsessivo dos telemóveis, onde quer que estejam e seja a que horas forem.

É, pois, preciso e urgente olhar para esta realidade do nosso ensino. É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si gente realmente capaz de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino, a começar nos programas, passando pelo negócio dos livros e outros manuais adoptados e, a terminar, na conveniente formação e necessária dignificação dos professores e em tudo mais que lhes diga respeito, como seja, por exemplo, a libertação de todas as tarefas alheias à sua real missão de ensinar.