Deus e os seus áulicos

 

NICOLAU SAIÃO


Uns breves apontamentos sobre “Religião”

 

  1.    Jacques Chastel, suscitado talvez pela quadra natalícia, escreveu-me traçando diversas hipóteses sobre religião.

Cito o autor de “La mystique et l’homme” no texto que me dirigiu: “Só o homem, que tem consciência de si mesmo, desenvolveu religiões. E fê-lo em todas as latitudes e lugares“.

Tal não corresponde à realidade histórica. Com o devido respeito e com exemplos, não é verdade. Mas creio que Jacques Chastel não diz isto por desonestidade intelectual ou perfídia fideísta, mas apenas porque está mal informado.

Vejamos: o Homem não desenvolveu, sempre e em todas as épocas, em consciência e em seu foro íntimo, religiões (formalizadas, reveladas, canónicas) o que é um dado relativamente recente na História. Na pré-história desenvolveu o que se chama “para-religiões” (vide J. Maringer e E.O.James). Eram totens ou tabus animalistas ou do mundo circundante (vegetais, minerais, de habitat). A conceptualização era-lhes alheia. Só se desenvolveu posteriormente, através de REVELAÇÃO, ou seja e para seguirmos Richard D. Baltrusaitis, “contacto com entidade (“anjo”, personagem ou emanação) inscrita na Realidade“.

Segundo ponto: os índios a partir da região sonoriana não possuíam religião. Criam sim no Grande Mistério ou Grande Medicina, que eram para eles as forças encarnadas da Natureza e do espaço-tempo. O Manitu e quejandos foram criações lexicais dos brancos invasores, primeiro, depois plasmadas no léxico de Hollywood e reproduzidos até à saciedade.

Finalizando: o problema está em que as “religiões reveladas” traduzem SEMPRE uma obrigatoriedade em relação aos interesses (pois é disto que se trata) da Entidade propulsora. Depois mantida, incrementada e, frequentemente e nos casos diversos, distorcida (no caso do Cristianismo) ou criminal de base (caso do Islamismo). É verdade que o “esquerdismo”, que no fundo tem uma feição Ur-Fascista, e o racionalismo estreito, derrocaram ou tentaram derrocar “religiões reveladas”, criando em substituição preceitos tão ou mais nefastos. E isso porquê? Porque os seus próceres visavam – tal como os próceres das “religiões reveladas” – USAR o vulgus pecus para os seus fins (não já para amarem e obedecerem ao “Senhor” mas sim ao partido ou ao Chefe).

O Futuro, impreterivelmente, trará o verdadeiro racionalismo, que é o que em sã existência recusa umas e outras, de forma realmente consciente. E quem, de forma cínica, achar que o Homem tem de ser um “símio di Dio“, é tão criminal como os que queimavam “hereges” ou rebentam com pessoas/colectivos de Outro Cariz. Ou os metiam na Lubianka apenas por rezarem (os totalitarismos equivalem-se). Por último, quando uma pessoa, posta entre a possibilidade de salvar um filho/uma esposa ou, benevolente, 200 ou mil pessoas alheias, opta por salvar um filho/uma esposa – não o faz por ser SEU/SUA, mas sim por o/a AMAR. Além disso o exemplo é isso, um exemplo apenas. Ou seja, uma “realidade construída” como exemplo propositivo. Que não tem incursão cognitiva na Realidade, social ou formal, mas apenas no campo da “hipótese de trabalho”. E é disto que parte a opinião global, que aliás respeito mas da qual tenho de, urbanamente, discordar de Jacques Chastel.

2.

Cito Pedro Hector de Lara: “Vejo, claramente visto, que o homem necessita de acreditar em algo maior do que ele, que não é só razão“.

É a opinião dele – e nada mais. Não tem valor probatório POR SI MESMA. E isto, também, porque não sendo o Homem só razão, não se segue que tenha, por isso, de se entregar à crença, À SUBMISSÃO, porque é disso que se trata, aos conceitos e fideísmos dos que num deus acreditam e MANDAM NO MUNDO MENTAL E ÍNTIMO A ESSE PRETEXTO. Mas de facto é nisto que bate o ponto: a crença num Deus ter de ser seguida da Obediência aos seus áulicos. O mal não está pois em deus; eu por exemplo dou-me perfeitamente com “Deus” (a ideia da Imanência), o mal está nos que falam em seu nome e, autoritariamente, acham que a sua é a voz de Deus… (Já se percebeu que isso não passa dum truque, duma insolência, duma fraude). Tão grave no Cristianismo como no Islamismo ou noutra religião qualquer. O acrescento de maldade vem disto: no Cristianismo não és imediatamente preso ou abatido; no Islamismo sim.

Mas, seja no intuito de, por exemplo, um Manuel Clemente (nexo positivo) ou no de um mullah (nexo autoritário), ou doutra qualquer entidade hierárquica, o que se pretende na realidade indubitável é que o ser humano creia, pratique e viva conforme o ditame dos antístenes. As nuances apenas teatralizam o que se segue. E, por último e por exemplo dum outro fideísmo (laico), o regime nazi não era uma democracia, sequer um republicanismo como por exagero (?) Pedro Hector sugere ou diz a dado passo: era uma ditadura tendencial que, antes de se ter firmado, APROVEITOU um detalhe eleiçoeiro (republicano), que nem sequer foi livre. Goering, mestre de más mestranças, disse-o num comício da cervejaria da Unter den Linden:”Aproveitaremos as facilidades e normas da democracia de Weimar para os destruirmos mais depressa“. O problema, portanto, não é a falsa democracia nem sequer Cristo: é os falsos democratas e os falsos adeptos do Galileu. E, claro, o “autoritarismo de base” que toda a IGREJA assume e tenta perpetuar.

Daí os massacres, daí as prepotências, daí a infâmia real que toda a Religião Revelada traz consigo e a História documenta.

E Deus está tão longe, no empíreo… É-lhes fácil assim manejarem e tripudiarem em seu nome. Pois Fátimas e quejandas não são apenas um equívoco ou uma burla, são um aproveitamento indecoroso, de tal forma que a própria ICAR não as toma como dogma. Mas, após Woityla, o falso santo, estimulam-na de forma impositiva/autoritária habilidosamente. Pois não…

3.

Falando sem partis-pris, como hipótese filosófica decorrente das investigações de ponta, ponhamos esta proposição, para situarmos os conceitos numa plataforma não mística: as religiões são construções do Homem, que interpretando, sem na altura possuir linguagem tecnológica suficiente, certos acontecimentos ou contactos (hoje já admitidos plenamente pela ICAR, vide a declaração do teólogo Michel Frumser com apoio de João XXIII) deram feição de Deuses, Deus, etc. a entidades in loco provindas do outer space.

Nesta perspectiva, a superioridade cultural de esta ou daquela religião (neste caso do Cristianismo, efectivamente e apenas) parte dum postulado racional/conceptual que reconhece valor ao ser humano como ser criado em liberdade por “Deus” (o livre-arbítrio, que é o mais saudável valor da “religião cristã”) o mais importante papel de dignidade desse Cristianismo inscrito num polo de razão. Se por vezes e em épocas bem determinadas houve Antístenes e sacerdotes que o desrespeitaram (Inquisição, brutalidade obscurantista, etc) isso é um dado à revelia da evangelização do aceitado Nazareno.

Segundo ponto: por seu turno, o Islão preceitua a “obrigatoriedade total” do crente. Não existe, nele “espaço de fuga”. É, pois, um conceptualismo totalitário, ocupando a TOTALIDADE DO SER NO CRENTE. Os islamitas ditos moderados, ou tolerantes, são pois o que se diria maus muçulmanos. Uma vez que, neles, existem frestas criadas ou por interesses próprios ou, então, por estratégia política da agremiação civil ou nacional a que estão ligados.

Daí que Carl Heinzenfeld, no seu monumental estudo sobre as religiões reveladas, tenha caracterizado o Islamismo, no fundo, como uma política, sim, travejada por uma pátina “fideísta” para agregar os fiéis, que em última análise são encarados como SOLDADOS DO CALIFADO PUTATIVO.

Assim, é um absoluto contrasenso falar-se em Islamismo moderado ou democrático, como seria absurdo falar-se em tigres vegetarianos.

Não esqueçamos que A QUESTÃO RELIGIOSA SE PASSA TODA NESTE LADO DA VIDA, tem portanto uma existência histórica E SÓ HISTÓRICA. São os homens que aceitam ou recusam os maneios religiosos, não o Deus cristão contra o Deus islâmico ou outros quaisquer, como é óbvio. Só nas lendas construídas (ou nos relatos mal compreendidos) é que um deus vem lutar a favor deste ou daquele campo…

A religião cristã pode ser metafisicamente falsa, mas o seu cânone consegue conviver com a modernidade, a própria razão e os direitos humanos. A islamita, não. Daí que, se o ocidente tiver a inteligência e a decisão de resistir ao actual arranque muçulmano, que é ajudado pelo “esquerdismo” que se reivindica de marxista sem de facto sequer o ser, será uma questão de tempo a DERROCADA COMPLETA DO ISLAMISMO FUNDAMENTALISTA E MESMO DO QUE SE DISFARÇA DE “TOLERANTE”.

E isto porque as contradições internas dos apaniguados de Mafoma, o avanço científico E PRINCIPALMENTE TECNOLÓGICO, estilhaçarão os dogmas corânicos, que NÃO PARTEM DO DEVIR HUMANO MAS DA SUA SUPRESSÃO IDEOLÓGICA E SOCIAL.

Os mais “inteligentes” dos chefes islâmicos e marxianos já o perceberam, daí a pressa e o ímpeto que põem na sua evangelização. Eles sabem que O TEMPO TRABALHA CONTRA OS SEUS IDEÁRIOS. É preciso, portanto, mantermo-nos de olhos abertos e lucidamente estimularmos a democracia!

  1.    Cito: “Quem deixa de acreditar em Deus começa a acreditar em qualquer outra bobagem“. (Chesterton)

Esta frase é apenas um tour de force dum católico “benignamente anarquista” como lhe chamou o biógrafo Hilaire Belloc, que de acordo com o catolicismo conservador ou ortodoxo se tratava de um “mau católico” e que era na realidade um homem de bem que, vergastado pelo protestantismo inglês tradicionalmente brutal e ávido nas classes de topo, se mudou então para a ICAR por ingenuidade conceptual, felizmente ultrapassada com pujança legítima pelo seu espírito indagador.

Mas o melhor está em que GKC põe, a despeito de si mesmo e num lapsus lingua delicioso, o dedo na ferida: a bobagem que a ideia de Deus é.

Mas eu diria: pior que bobagem, o tombo num buraco de mentira e hipocrisia que isso é realmente, provindo desse Deus forjado pela impostura, frequentemente violenta e violentadora – e impositiva desde o início – que o catolicismo (como aliás TODAS as religiões) foi quer histórica quer “evangelicamente”.

   E veja-se o que dele sempre resultou, como aliás das outras confissões: recalcamentos, danos mentais, crimes pessoais e coletivos, paranóia e esquizofrenia social (seja a pedofilia fideísta, seja as diversas monomanias “religiosas”).

   As religiões não passam de encenações políticas, tal como os seus colegas laicos (comunismo, fascismo, etc).

Tão opressivas, no fundo, como eles et pour cause…


 ns