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MANUEL DOMINGOS SENGO


Manuel Domingos Sengo (Urros, concelho de Torre de Moncorvo, 12/04/1954/). Residente em Lamego – Portugal. Autor de CAMINHAR NOS SILÊNCIOS (Poesia, 2024).


HARMONIA

 

Sinto uma surpreendente vontade de andar atrás do vento

E o seguir como meu companheiro de viagem

É um daqueles momentos em que gostava de conhecer o mundo

Sem regras de trânsito nem leis e impedimentos

Em plena liberdade num percurso sem fronteiras

Como se fosse uma partícula do todo e entender o mistério

Ao entrar numa gota de água e visse todas as formas de vida

Com a nitidez e brilho dos cristais puros de neve

É nesta loucura paradoxal que procuro palavras de entendimento

Na pequenez do homem perante o universo

Sentir a brisa de um sopro a despertar sentimentos

Como se a vida fosse vibrante com o som da corda de uma harpa

Com a suavidade melódica das notas musicais de uma flauta

Em harmonia com o caminhar da vida na natureza


ONDULAÇÕES

 

Uma coisa que existe na vida é o que sustenta o corpo

Depois é o elo da vida com a alma

É este viver a pensar no movimento do sangue

Que sinto sem ouvir o ruído de todos os outros

E por vezes não os consigo distinguir do dia e da noite

Sem ignorar a dor de diversas coisas que não são de corpo

Viver sem sentir isto seria integralmente inútil

É este aperto interior que cria um elo inquebrável no amor

Com a força do corpo a materializar a capacidade de amar

Nos momentos vazios sem sombras nem estrelas

Quando de repente a luz da inteligência surge como o amanhecer

Vinda do invisível como uma ligação a Deus

A desviar o caminho do absurdo na noite e de dia

Sem brumas e estrelas com brilho da cor esperança

E a transparência da água cristalina que dá vida a cair do céu

Com as ondulações do vento a transportar felicidade

Na embriaguez de delícias que abre as asas da descoberta

De encontrar a razão porque o beijo é a porta do paraíso

Na direção de dois sorrisos nos lábios da vida

Com necessidade de equilíbrio no bater dos corações

Em continuidade na busca do incompreensível


FIO DE VIDA

 

Adormeço sem saber o que sonho

Mesmo que não queira sonhar

Às vezes prazeroso outras medonho

Intenso e vivo até terminar

Surgem vivências de admirar

Outras de assustar

Às vezes apetece gritar

Ao acordar para continuar

Alguns me parecem anos

A percorrer o mundo e sentir

O sonho não tem planos

Umas vezes voar outras cair

É este navegar em mim

Que não consigo controlar

Como um labirinto sem fim

Este fio de vida a desenrolar

Entre o sonhar e a vida real

Duas vidas que estou a viver

Descanso e sonho sem o meu aval

Penso e não sei o que vai acontecer

Na vida real olho vejo e sinto

No sonho parece que sinto e vivo

Nas duas é tudo tão distinto

Sonhar ou viver é muito alusivo

Na vida e sonho sentir emoções

No corpo na consciência e alma

Neste mistério vivo sensações

A luta entre viver e sonhar acalma


ATÉ O FIO SE PARTIR

 

Quando o fio se partir

Quer dizer que terminei

Tudo fica no lugar sem mim

Mesmo o que esqueci de arrumar

Talvez até um poema incompleto

Ou quem sabe um livro aberto

A dizer que não virei todas as páginas

E não tive mais tempo para o fechar

E aquela camisa que tanto gostava

Ficou guardada e engomada

E a velha samarra do inverno

Vai ter saudades minhas

O interruptor do meu quarto

Vai sentir falta dos meus dedos

E as minhas chaves descansam

O meu relógio também adormece

E o chuveiro deixa de verter

A televisão continua melhor

Os meus comentários são mudos

Mesmo com emissões péssimas

O frigorífico continua a dar sinal

Os meus passos e voz são silêncio

Os meus objetos de estimação

Deixam de ser importantes

Tudo entra no silêncio da normalidade

Até o amor que dei e deixei

Fica no armário do esquecimento

A ganhar pó e bolorento

Nos que me amaram ficam recordações

Quando olharem o meu retrato

Ou quem sabe lembrem os lugares onde os levei

Apenas memórias de alguns acontecimentos

De histórias que em vida lhes dei

Mesmo aqueles a quem muito amei

Que peguei ao colo e ensinei a caminhar

Me vão esquecer para poderem viver

E de vez em quando se vão recordar

Como o meu tempo com eles vivido

Mesmo sem ser divertido era querido

Como os momentos de festa e espirituosos

Era tempo de amor e união

Apenas deixo memórias de ilusão

Os outros amigos e inimigos

Talvez alguns se sintam feridos

Por não lhes ter dado atenção

Assim de mim se lembrarão

Os que ficam continuam o seu caminho

Até o seu fio rebentar e a porta da vida fechar

Até lá muitos mais virão com a esperança de vida

De amor e divertida com novos caminhos sem a minha presença

Com paixões a florir e frutificar em todas as estações

A todos que do meu ADN chegarem deixo a lição

Que em liberdade amem e se entreguem de coração

Mesmo aos que não se lembrarem de mim

A vida é paixão

Até o fio se partir


BAFEJO

 

Na brisa tento ler poesia

Em dias quentes de estio

No inverno em noite fria

Mesmo em qualquer sítio

Subitamente sinto desejo

A despertar dentro de mim

A poesia na alma gracejo

Como um prazer sem fim

A sentir a brisa a refrescar

O rosto e corpo desnudado

E a poder depois desfrutar

Com o bafejo do ser amado


LETRAS

 

Olho para o ar e vejo letras

Que formam pares ou não

Quando juntas emparelhadas

As vogais com consoantes

Formam palavras com magia

E dançam com mestria

Ao som da música do vento

Neste encanto de ver no ar a poesia

Dispersa em letras e palavras livres

A brincar nos tufos de lã das nuvens

Em viagens de encantar

Agradecem o calor do sol

E a brisa do mar

Ultrapassam as mais altas montanhas

Descem e admiram as planícies

E o planalto das serras

Esperam a noite encantada com estrelas douradas

As constelações com geometria das belas artes

Acompanham a velocidade dos cometas

Adoram a lua prateada em noites de paixão

A luz fixa dos planetas

Letras e palavras estão em todas as partes

Entram no caminho da via láctea

E na ternura da noite adormecem

Sonham e sorriem para o céu


VIBRAÇÃO

 

Sempre se deseja encontrar a raiz do sentimento

No mais íntimo esconderijo brotam palavras mágicas

Como se a POESIA fosse uma nascente

Uma impressão digital apenas visível

Por quem ama a vida com gritos de luz e serenidade

Num abrir de portas e janelas na renovação do ar interior

Como uma vibração de ondas perfumadas de beleza invisível

Quando suavemente se tenta beijar o sol como a flor mais bela

Este sentimento em noite de luar com lua cheia

Alimenta famintos que desejam pão

Poetas se vergam perante a luz prateada

A medir os sentidos na consciência