JONAS PULIDO VALENTE
“Dá-me o 20!”
“Sai o 19.”
“Porra.”
São Tzu até pensa em sair da mesa, mas tinha mesmo em mente ganhar este jogo de roleta. O casino, sem janelas para o exterior para que não se sinta o desenrolar do tempo, está estagnado com o fumo latente, que se arrasta entre paredes e arrotos, pelas figuras corcundas que povoam mesa sim, mesa não, aquela sala de jogo. Apesar da ausência de janelas, São sabia que era tarde. Tinha saído com muitos dólares, e agora tinha poucos. Merda para a Função Pública.
Esperou mais duas apostas até fazer a sua. Não lhe apetecia ir já para casa. Ao planar a sua vista pela sala, reconhece uma ou duas caras, mas uma delas é a de um amigo seu que já não via há três anos.
“Dá-me o 20.” – Diz finalmente.
Ainda nem a roleta tinha começado a rolar, levantou-se da mesa e tentou equilibrar-se. Não havia grande alarido por parte do croupier, portanto foi aos poucos até à mesa do seu amigo. E não é que quando dá por ele, o amigo já está de pé, a sorrir e a dirigir-se para o local de troca de fichas.
“Kai! Ó Kai!” – Grita São Tzu.
“São! Porra, dois anos! Apanhaste-me de saída pá.” – Kai parece mareado, a sua camisa está impecável, mas a sua fronte parece suada apesar do forte ar condicionado da sala.
“Parece que limpaste a tua mesa.” – Afirma São.
“Sim, havia outra forma de sair bem disto?” – Kai pisca-lhe o olho.
“A mim, só merda. Fiz uns trocos com o vermelho, mas depois foi tudo para o Casa Pia…” – Exaspera-se São.
“Sempre a bater no 11, certo?” – Pergunta Kai. – “É o teu número.”
“Não, no 20.” – Esclarece São.
“20? Mudaste de hábitos pá!” – Ri-se Kai.
“Sim, chama-lhe superstição…” – Desta vez é São quem lhe dá um toque no braço.
“Por causa do ano 2000?” – Pergunta Kai.
“Não, por causa de vinte de Dezembro.” – Esclarece São Tzu.
“Hahahahaha” – Kai ria-se a bandeiras despregadas, agarrado à barriga.
“Estás-te a rir pelo quê? Acho uma data auspiciosa.” – Afirma São.
“Nada, nada.” – Kai apanha a respiração. – “Vi ali o James Bond. Eu apostaria no vinte e quatro, de vinte e quatro horas, só por isso. Só porque o zero, bem é o zero horas, zero minutos, zero segundos e zero patacas.”
“Isso foi a minha lógica para o 11…” – Disse São, um pouco enervado.
Kai parou de rir. – “Poucos são os que perceberiam isso, mas talvez Guan Yi ou o macaco bêbedo te dessem um jeito na roleta.”
“Sabes qual é a piada?” – Pergunta São.
“Qual?” – Inquire Kai.
“É que o número que estava sempre a sair era o 19. Três vezes. E eu a apostar no 20, nem iria mudar de aposta. O tipo ao meu lado posou trocos no 19, um pragmático, como imaginas, e safou-se na terceira. Agora deve estar na Sala de Champagne.” – Dispara São.
“Dezanove de Dezembro, mas também, mil e novecentos, este século que está a acabar.” – Kai fitou São Tzu. – “Todas as apostas que ficaram para trás… Só faltam dois meses a bem dizer.”
“Dois meses, e este casino continua de pé, desde o início dos tempos, até o final dos tempos.” – Disse São.
“É da melhor.” – Reponde Kai, já com o dinheiro das fichas. – “Bora tomar o pequeno-almoço.”
“Bora.” – Afirma São.
Foram a um pequeno sítio de pudim de leite, depois são foi para casa.
“Pai, pai!” – Um dos filhos de São estava acordado. Era um rapaz adolescente. – “Que tal o espectáculo?”
São Tzu não podia dizer nem aos filhos que tinha estado numa sala de jogo. Os funcionários públicos só podem ir ao casino durante o Ano Novo Chinês. A sala de espectáculos do casino, de outro modo, já era permitida.
“Ahrgh” – São Tzu deixa sair uma pequena frustração. – “Mais do mesmo! Fizeste os trabalhos de casa de português?”
“Sim.” – Responde o filho. – “Estava a ouvir uma música que consegui antes de tempo. Tenho a certeza que vai ser bem sucedida.”
“Antes do tempo?” – Pergunta São Tzu. – “Como assim?”
“Só deve ser lançada daqui a poucos meses.” – Responde o filho.
“E como se chama?” – Pergunta São.
“19-2000, do tipo dos Blur.” – Responde o filho. E depois, com um ligeiro toque no braço do velho pai, despede-se com um piscar de olho.
19-2000 Jonas Pulido Valente