LUÍS DE BARREIROS TAVARES
Da distância de um corpo | Arte do corpo (Espaço do corpo)
– 12 poemas inéditos de 2 cadernos de Manoel Tavares Rodrigues-Leal
Da distância de um corpo
I
Ensinamos o perfil mais ausente: a musa.
Veio o límpido Verão: quem te usa a máscara já usada?
Em os joelhos de Junho, da memória e usura,
da distância do corpo, quem coaxa e se lembra…
tu, minha mística musa, que belezas celebras, outrora celebrada?
Lx. 26-6-77 – Da distância de um corpo
II
Nem o estreme beijo, nem a tua metamorfose…
Vens do metal da distância, corpo citado para o esperma.
Escuta, minha companheira, como principia a esperança mais erma.
Lx. 26-6-77 – Da distância de um corpo
III
Assim se avizinha a abóbada da noite,
oh noite mais despojada, já desejo de partida, avessa a distância…
embora teu corpo rumoreje em as revoltas águas da memória…
Nem o sei, como amar-te: se arte, jardim omitido e corpo não coincidem.
Eis o exílio de mármore: o centro é a tua boca, a concha é um fragmento de um dia…
Lx. 26-6-77 – Da distância de um corpo
IV
É íngreme o mar do ser pensante,
e ausente o seu pensamento: o que se baseia em beleza permanece cio e ser…
Onde naufragar as impuras noites, onde pastoreio o corpo, onde?
E tudo cede, sob opaco olhar, ao umbigo do horizonte…
Lx. 27-6-77 – Da distância de um corpo
V
Em a bruma da distância, placidamente arrumamos
as quentes recordações, as mais puras.
Naufragamos em plural, tempo puído, o que mais traímos e amamos.
Lx. 29-6-77 – Da distância de um corpo
VI
Como aprendes memória de amor? Silêncio é vegetal água…
Como és secreta (e segredas…) e povoas lábios de ausência?
Como despertas doce para a nudez insone, em nossos corpos insubmissos?…
Lx. 4-7-77 – Da distância de um corpo
*
Arte do corpo (Espaço do corpo)
I
Na manhã silente chove chama no poema:
é isto, o poeta, aquela arquitectura inaugurada,
ignorada por quem, iluminada, na rota se inscreve e não naufraga.
Lx. 28-1-77 – Arte do corpo (Espaço do corpo)
II
Assim escasso se insinua o impulso da escrita polar.
Assim findou o rosto anónimo e madrugante de domingo.
E eu mais que amotinado, busco tão-somente memória de mar
(talvez Cascais), revelado ao sangue do suor de lágrimas de luar.
E é assim escasso e assassinado mero campo de escrita e estilo em que finjo.
Adoecer mortal e abdicado: cerne de loucura e engano que no domingo infrinjo.
Lx. 31-1-77 – Arte do corpo (Espaço do corpo)
III
Meu rosto acorda para os núbeis movimentos das manhãs,
devorado por quentes beijos, pelo exílio da memória, povoado pelas imagens mais vãs.
Lx. 31-1-77 – Arte do corpo (Espaço do corpo)
IV
Pontualmente telefonei-te: tu acariciaste-me a voz.
Através de sagradas lágrimas. Ó espelho mortal minha mulher morena,
sob o sol de Sesimbra, carne amante de minha carne despindo-se e despedindo-se.
Agora jazes acordada sob a abóbada de beijos e de rosas rubras e nuas, as mais distantes em a distância.
Lx. 1-2-77 – Arte do corpo (Espaço do corpo) – (à minha antiga mulher)
V
Não houve saliva em nossos beijos à despedida.
Por quê, meu bem? O beijo meramente é e coincide com a oferta do dia.
Meu bem, beija-me com a abstracta boca de aventura e vida.
O resto é porvir que não se prevê, porque se difere, e a oblação de beijos como eu em lume a diria.
Lx. 2-2-77 – Arte do corpo (Espaço do corpo) – (à São)
VI
Em a ardida roupa ou penumbra de uma rapariga,
cujo perfume de prazer flutua ou resvala para visível rua,
que fogo de inocência nos queima, em uma oblíqua e metálica e nua tarde de Fevereiro, eu tão estrangeiro.
Lx. 2-2-77 – Arte do corpo (Espaço do corpo) – (à São)
Outros poemas na Caliban de “Arte do Corpo (Espaço do Corpo) — 7 poemas inéditos de M. T. R.-Leal”:
https://revistacaliban.net/arte-do-corpo-espa%C3%A7o-do-corpo-7-poemas-in%C3%A9ditos-de-m-t-r-leal-c644d9874142